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Como acolher os medos das crianças diante de tempos tão sombrios

Do diálogo honesto às ações do dia a dia, saiba as melhores formas de ajudar os pequenos a lidarem com o medo frente a tantas notícias ruins.

Por Ketlyn Araujo
25 abr 2021, 10h00

Desde que a pandemia de coronavírus chegou ao Brasil, em março de 2020, o país contabiliza mais de 380 mil óbitos em decorrência da Covid-19 , segundo o monitoramento da OMS. O luto vem sendo uma constante para diversas famílias brasileiras, que por conta do isolamento social têm de lidar, também, com os impactos nas contas do mês, sobrecarga frente às tarefas domésticas, distúrbios como ansiedade e depressão e, ainda, com os ânimos das crianças, que muitas vezes não passam ilesas ao contexto no qual estão crescendo.

A verdade é que nem o mais pessimista dos seres imaginou que, após mais de um ano, seríamos bombardeados diariamente por tantas notícias ruins sobre o enfrentamento da pandemia por aqui – fruto, entre outras coisas, do negacionismo, da desinformação, do atraso na compra de vacinas, da falta de medidas sanitárias efetivas e de uma liderança que levasse a pandemia a sério. A esta altura, quem tem consciência tenta manter a esperança na ciência e no futuro, com o pensamento de que as coisas, por mais que demorem, têm de melhorar.

Para que o cenário atual não prejudique a saúde mental e desenvolvimento das crianças, portanto, é importante que os responsáveis saibam usar, principalmente, de sensibilidade, tomando cuidado para que o que acontece no mundo externo não se torne o principal assunto dentro de casa.

“Mesmo na melhor das situações a criança será afetada [pelos acontecimentos] em alguma escala, porque é impossível pensar a criança – ou adulto – fora do contexto em que ela vive”, explica a psicóloga Alice Munguba, do Núcleo Infantojuvenil da Holiste Psiquiatria. Isso porque, diz a profissional, o clima do ambiente doméstico funciona, para ela, como uma espécie de “bússola da realidade”: o que acontece dentro de casa, na maioria das vezes, tem mais influência sobre ela do que fatores externos. “Portanto, ela irá absorver prioritariamente o modo como os seus familiares próximos estão lidando com a situação”, complementa.

A importância do acolhimento

Ao perceber que a criança se mostra assustada ou com medo por estar em contato direto ou indireto com as catástrofes do mundo, o principal é acolher o pequeno ou pequena com muito carinho, sugerem Angeline Uenoyama e Daniela Lavecchia, psicólogas do Espaço Clínico Ápice.

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As profissionais ressaltam que é essencial buscar expor os fatos e responder às dúvidas das crianças com sinceridade, estabelecendo uma relação de confiança. Isso sempre deve ser feito levando em conta a faixa etária da criança e com cuidado e tranquilidade para não fornecer informações em excesso. Abra para o diálogo, mantenha-se por perto, deixe que a criança fale e bata na tecla de que a pandemia é apenas uma fase que vai passar.

“Há vezes em que as crianças fantasiam, e por isso é importante ser sincero com suas respostas para que eles entendam a situação, mas consigam minimizar catastrofizações. Assim, vão compreender que existem formas de se cuidar e de cuidas dos outros, prevenindo e reduzindo riscos”, reforçam Angeline e Daniela.

É importante, ainda, fazer com que os pequenos entendam que as coisas nem sempre funcionam de acordo com as nossas expectativas, noção que elas vão acabar compreendendo de maneira gradual. Para Alice, faltar com sensibilidade ao tocar nesses temas pode trazer consequências dentro do relacionamento familiar:

“Falar de modo diretivo e sem adaptações de acordo com a idade e condição subjetiva da criança sobre uma situação trágica pode causar nela um impacto, medo ou falta de entendimento sobre o assunto”, diz a psicóloga.

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O desafio, logo, é manter um diálogo sobre o tema de modo adequado e cuidadoso, mas na visão de Alice essa é também uma oportunidade para que a criança saiba o que os pais pensam a respeito daquele tema, sendo assim introduzida na cultura e valores da sua família.

Dentro de casa é essencial tentar manter uma rotina – com trabalho, estudo e atividades do dia a dia -, além de um ambiente agradável no qual brigas e discussões desnecessárias são evitadas. Sobre as notícias, tente se controlar para não repeti-las constantemente, e proteja os pequenos da TV e outros veículos, principalmente antes de dormir, pois os estímulos podem reforçar o medo e a ansiedade.

Mentir nunca é o melhor caminho

Por mais que mentir para a criança na intenção de protegê-la seja tentador, Alice desencoraja esse tipo de abordagem, já que a falta da verdade pode criar um tabu sobre o tema e, pior ainda, aguçar a curiosidade do pequeno, que muitas vezes percebe que algo está sendo escondido. Mentir, então, acaba tendo o efeito contrário: torna a criança ainda mais vulnerável e impedida de criar recursos para que possa se defender e enfrentar os problemas.

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Uma ferramenta partindo do diálogo é usar frustrações e desafios que acontecem no próprio dia a dia da criança como exemplo e ponto de partida para mencionar situações de maior amplitude. Por meio dessas analogias é mais fácil compreender as notícias ainda na infância.

Informação é proteção

Crianças-são-menos-propensas-a-contrairem-o-coronavirus-segundo-o-ministerio-da-saude
(d3sign/Getty Images)

Outra forma de amenizar a sensação de medo e angústia nos pequenos é estar munido de informações de qualidade, como na hora de ensinar quais os cuidados que as crianças ainda devem manter para se protegerem da Covid.

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“É sempre importante reforçar que esses cuidados vão ajudar a controlar os riscos, protegendo a criança e os demais. Essa conduta, que pode ser passada através uma conversa acolhedora ou de forma lúdica, vai promover a sensação de maior controle e responsabilidade, o que ajuda na redução dos medos e ansiedades”, exemplificam Angeline e Daniela.

No mais, é fundamental que adultos também se cuidem e deem o exemplo, já que é dessa maneira que crianças aprendem e assimilam o que é certo ou errado.

Enfrentamento do luto

Já para auxiliar crianças que passam por uma situação mais concreta por consequência da Covid, como preocupação com algum parente, amigo ou professor internado, e também para ajudá-las a lidarem com o luto, cabe ao adulto estar presente e validar os sentimentos do pequeno.

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Diante de um cenário de preocupação, instabilidade ou luto é mais do que natural que a criança se sinta triste e apreensiva, e esses sentimentos devem ser respeitados. Também é papel do adulto mostrar que compreende essas emoções, e permitir que a criança enfrente e elabore o que está sentindo, seja conversando, chorando ou da maneira com a qual ela se sentir mais confortável. Jamais, seja qual for a situação, minimize a dor da criança ou trate isso como besteira – escutar e não julgar é a chave para manter a confiança.

Caso você note que o acolhimento em casa não tem funcionado tão bem para acalmar ou amenizar os desconfortos da criança, ou até mesmo se alimentação, sono e desempenho escolar começarem a sofrer alterações, é hora de buscar por ajuda profissional.

Ações práticas

Além de muita conversa, algumas ações práticas também podem funcionar para que os pequenos lidem melhor com as emoções e consigam se distrair dos fatos: encontros virtuais com os amiguinhos e pessoas queridas, para que o contato seja mantido, música e dança, brincadeiras espontâneas como as de faz de conta, as que envolvem desenhos e construções a partir de materiais que se tem em casa ajudam a manter os pequenos longe do assunto pandemia mesmo dentro do cotidiano.

Livros e filmes são outros ótimos recursos, já que ampliam a imaginação e, vez ou outra, abordam assuntos delicados, o que também contribui para a elaboração do real. Nada disso, porém, substitui o trabalho de um psicólogo qualificado, que deve ser consultado sempre que necessário.

Não se esqueça, ainda, de manter a fé e a perspectiva de futuro vivas: “É importante ressaltar para a criança noções de perspectivas, de algo novo a se aprender e conhecer, mesmo na atual circunstância. Esse é o momento de se apoiar em vínculos seguros e que possam transmitir para a criança uma possibilidade de enfrentamento”, conclui Alice.

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