Qual é (ou deveria ser) o papel do pai durante o puerpério?
Não existe resposta pronta que solucione a questão, mas algumas dicas de profissionais podem ajudar casais a enfrentarem o período com mais tranquilidade.
Nesta semana o governo da Espanha deu um passo importante na equidade de gênero: a partir de 1 de janeiro de 2021, as licenças paternidade e maternidade têm a mesma duração, de 16 semanas. A medida coloca o país na frente de outras relevantes vanguardas europeias quando o assunto é paternidade: na Suécia, por exemplo, a licença-paternidade dura 12 semanas.
Já no Brasil, o cenário é bem diferente e, de acordo com a Constituição Federal, pais ganham apenas cinco dias de licença-paternidade, que são contados um dia após o nascimento do bebê – o prazo pode ser prorrogado por 20 dias ou mais, mas apenas se a empresa para a qual esse homem prestar serviço estiver regulamentada no programa Empresa Cidadã.
Independente da quantidade de dias que o pai dispuser, e apesar de todas as responsabilidades que ficam a cargo da mulher, é importante que o companheiro e/ou pai da criança tenha presença ativa, prática e emocionalmente, durante a gestação, o parto e, principalmente, o puerpério.
“O momento do parto, a recuperação do pós-parto e as várias adaptações – ao bebê, à nova configuração familiar, aos papéis sociais que exerce -, repercutem psicologicamente na mulher, requerendo um olhar cuidadoso da equipe de saúde, familiares e companheiro. Assim, não receber apoio e acolhimento do parceiro nesse complexo momento da vida pode tornar essa mulher vulnerável ao adoecimento mental, bem como agravar sentimentos de medo, ansiedade, insegurança e dificultar a capacidade de maternagem, dos cuidados para com o bebê”, explica Andréa Leão, psicóloga especializada em neuropsicologia.
Qual é, então, o papel do pai durante o puerpério? Já adiantamos que não existe uma resposta pronta ou fórmula secreta que solucione essa questão, mas algumas dicas de profissionais podem ajudar casais heterossexuais a enfrentarem o período com mais tranquilidade.
A importância do diálogo
Deborah Moss, neuropsicóloga mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela USP, acredita que, antes de mais nada, é preciso muito diálogo entre o casal para que ambos definam as reais necessidades dessa mulher durante o puerpério, já que na maioria das vezes o homem está disposto a ajudar, mas não sabe o que fazer, na prática.
“Tudo tem de ser muito conversado, alinhado em cada fase, pois há muitas mudanças durante o convívio com esse bebê. Às vezes, por exemplo, a mulher prefere que o parceiro cuide da louça, da cozinha e do almoço, para que ela fique mais preocupada com a criança, mas vale esse diálogo frequente para que as coisas estejam equilibradas e a mulher seja poupada de um cansaço além da conta”, completa.
Para Alessandra Augusto, psicóloga, palestrante e pós-graduada em Terapia Sistêmica, é preciso também que a própria mãe entenda que vive um momento de fragilidade física e emocional, e que está tudo bem pedir ajuda, pois esse auxílio será necessário. Ao compreender que ela não deve dar conta de tudo o tempo todo, é mais fácil comunicar ao pai que ele deve estar acessível diante de suas necessidades, o que facilita na organização das tarefas ao longo da gestação e no período pós-parto.
“Durante a gravidez é preciso que o pai comece a organizar seus compromissos em relação ao trabalho – infelizmente a licença para o pai é de cinco dias no Brasil, então geralmente ele não pode acompanhar ativamente os primeiros dias da criança em casa. Mas ele tem de sentar com essa mãe e combinar: mesmo nesse período, o que ele pode fazer por essa mãe que possa auxiliá-la durante a amamentação, chegada do bebê em casa, cuidados com a criança e adaptação dela nesse lar”, finaliza.
Suporte emocional
O suporte emocional é algo que vai de encontro à questão do diálogo entre pais e mães durante o puerpério. Para as especialistas, é também papel do companheiro se mostrar presente, demonstrando interesse, afeição e paciência para que a mulher se sinta amparada nesse momento tão complexo, e possa cuidar do bebê e de si mesma. Para Andréa, cabe ao parceiro encorajar essa mulher a retomar aos poucos a rotina da vida antes da gravidez, ouvir suas angústias, ajudá-la nas dificuldades e, jamais criticá-la ou tentar dar “aulas” sobre como ser uma boa mãe ou esposa. Caso ela recuse ajuda, o que pode acontecer, o ideal é agir com tranquilidade e continuar oferecendo suporte e afeto.
“Indivíduos que lidam bem com suas emoções tendem a lidar melhor com as novas fases, com as situações geradas no dia a dia e com esse grande evento”, reflete Alessandra, que recomenda grupos de apoio para pais caso o homem apresente algum grau de fragilidade emocional ou outra questão psicológica mais grave, como um sentimento de ansiedade por conta da gravidez.
Se o homem que acaba de se tornar pai já está em terapia, por sua vez, é interessante que ele leve essas questões referentes ao puerpério para as sessões, o que vai deixá-lo mais estruturado emocionalmente para dar suporte à mulher quando necessário. Outra dica é ouvir amigos e familiares que passaram ou estão passando por experiências similares, além de consultar médicos e profissionais de saúde sempre que sentir necessidade.
Por fim, o companheiro precisa, ainda, compreender que o puerpério é um período no qual a mulher lida o tempo todo com questões de identidade e aceitação do corpo: elogios são sempre bem-vindos, bem como uma postura vigilante frente à saúde mental dessa nova mãe, que deve se sentir acolhida e compreendida física, emocional e psicologicamente.
O que pode ser feito, na prática?
Primeiro, é preciso ficar claro que não é tarefa da mulher ter que dizer ao homem o que ele deve fazer e quais são suas funções, já que isso também cai num lugar de demanda de planejamento, que onera a saúde mental feminina com mais uma tarefa.
Como já sinalizamos, não existe uma receita que ensine como pais e mães devam agir no puerpério, mas há exemplos práticos que podem ser inseridos nessa nova rotina, desde que sempre com base no diálogo.
“A gente não precisa criar toda uma ansiedade em volta desse momento. Durante toda a humanidade as pessoas tiveram filhos, e eu acho que deve-se tomar muito cuidado com o excesso de informação – já que a gente não aprende, teoricamente, a ser pai e mãe, a gente aprende na prática, no vínculo, no convívio, no cuidado e na relação”, opina Deborah, ao sinalizar que, caso esse homem se sinta inseguro sobre como dar banho no bebê ou trocar uma fralda, por exemplo, isso não deve ser motivo de preocupação, já que é no dia a dia, nas tentativas e erros, que se ganha experiência de paternidade.
O companheiro pode ajudar a parceira a cuidar dos curativos e medicamentos do pós-parto (caso existam), auxiliar no processo de amamentação, trocar as fraldas do bebê, dar banho, alternar com a mãe os cuidados com a criança durante a madrugada e ajudar essa mulher a ter condições de descansar na hora em que o bebê estiver dormindo ao longo do dia. Ele pode, ainda, auxiliar nas tarefas domésticas promovendo a limpeza da casa e oferecendo alimentação saudável para a puérpera.
Caso o homem, por algum motivo, não tenha tanta disponibilidade para participar da nova rotina, ele pode ser o responsável por mobilizar a rede de apoio que vai auxiliar a mulher nesse período: saber que esse homem está disposto a ajudar, a ser suporte e fazer a ponte entre os familiares e profissionais que podem dar conta das necessidades dela já é sinal de companheirismo.
“Possibilitar que o homem faça parte ativamente é possibilitar que a mulher se fortaleça, a maternidade aconteça com mais tranquilidade e o bebê receba desde a tenra idade os cuidados do pai e da mãe”, completa Andréa.
Tempo de mudança
Ainda que a passos lentos, o estigma do homem provedor, insensível e não-participativo vem mudando na sociedade. Por conta da inclusão de mais mulheres no mercado de trabalho, divisões de tarefas domésticas mais equilibradas e naturalização do afeto masculino, é cada vez mais comum que homens reconheçam suas responsabilidades frente à paternidade. Hoje em dia, um homem que se propõe a estar ao lado da mulher na hora do parto, por exemplo, é visto com naturalidade e bons olhos frente à sociedade.
Andréa diz que, de maneira geral, a sociedade vai enxergando o homem como ser humano, que sente medo, angústia, tristeza e insegurança. Ao fazermos isso são revistos, também os papéis sociais de pai e marido, o que permite que eles cuidem dos filhos, da casa e da parceira, de maneira participativa e efetiva.
“A mulher não espera mais um homem forte, a mulher espera um homem companheiro, um homem que também compartilhe das suas fragilidades. A gente quer homens fortalecidos, homens que consigam lidar com suas emoções, e não negá-las: eles enfrentam, se apoiam nas emoções e conseguem expressá-las para que isso seja dito e trabalhado no companheirismo da relação”, finaliza Deborah.