Família

Meses em pandemia: pais e mães contam o que mudou na criação dos filhos

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por Ketlyn Araujo Atualizado em 11 fev 2021, 20h26 - Publicado em
4 dez 2020
17h12

Relatos honestos sobre as novas rotinas, a pior parte e os ensinamentos que a quarentena trouxe para quem viveu um 2020 marcado, entre outras coisas, por mais tempo com as crianças em casa.

O primeiro caso de Coronavírus no Brasil foi confirmado no fim de fevereiro, em São Paulo, e a partir de março deste ano as medidas de isolamento social foram adotadas no país – e no mundo – como forma de minimizar os impactos da pandemia. A quarentena, para quem teve a possibilidade (e o privilégio) de fazê-la, alterou a rotina de praticamente populações inteiras, e escancarou a nossa capacidade de adaptação, mesmo nas condições mais adversas.

Não à toa, 2020 também foi responsável por um aumento no diagnóstico de problemas relacionados à saúde mental: ficar quase que 100% do tempo em casa contribuiu para que os índices de ansiedade, estresse pós-traumático e depressão fossem potencialmente aumentados. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde no Brasil mostrou que a ansiedade é o transtorno mais presente no período de pandemia.

Para quem tem filhos pequenos, então, os últimos meses foram um verdadeiro divisor de águas. Lidar com o ensino a distância, administrar a carga energética das crianças enquanto dá conta das tarefas domésticas e do emprego, muitas vezes enfrentar o luto sem poder abraçar amigos e familiares, retardar momentos essenciais para o desenvolvimento infantil, como brincadeiras e interações com os colegas, e (tentar) explicar para os pequenos o que está acontecendo no mundo não foi e nem está sendo fácil. Por outro lado, pais passaram a valorizar mais o tempo de qualidade com os filhos, as redes de apoio (ainda que virtuais) e a esperança da volta à normalidade.

Quatro casais de pais e mães, em contextos e realidades diferentes, contam o que mudou na rotina, na relação e na criação dos filhos após quase um ano em pandemia.

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"A maior lição que tivemos foi a de dar mais valor a coisas não-materiais: um abraço da família, uma cerveja com os amigos, um cinema"

Otávio Gouveia, administrador de empresas, e Marcel, enfermeiro, pais do Christian, de 11 anos, e dos gêmeos Victor e Matthew, de 8 meses, nascidos em plena pandemia.

“Nos primeiros quatro meses da pandemia nós estávamos no Brasil. Somos de Salvador, Bahia, mas moramos parte do ano no Brasil e parte no Canadá. A princípio nós não percebemos nenhuma alteração na rotina, mas por volta dos dois meses em casa já estava evidente que o isolamento estava afetando nós todos.

A principal mudança em relação ao nosso filho mais velho foi a distância da família, dos amigos e da escola. Isso mexeu com o emocional dele, com o decorrer do tempo ele ficou ansioso, nervoso e triste, e apresentou sintomas de depressão, e um grande desafio foi criar formas de lazer estando confinados numa casa.

Por mais que nós nos dedicássemos, a educação a distância se mostrou inviável e improdutiva – por não termos o treinamento e metodologia adequados para isso, ficou claro que o Christian não absorvia o conteúdo da mesma forma do que quando estava na escola. Quanto aos gêmeos, por serem bebês, não sentiram as consequências do isolamento, mas também foram afetados pela ausência da família: ter filhos longe dos avós, primos e tios quebra laços emocionais importantes na formação de qualquer pessoa.

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Ter que cuidar de gêmeos sem nenhuma ajuda, inclusive, também foi desafiador. A falta de uma rede de apoio no cuidado com os bebês afeta a rotina do casal, que é obrigado a viver integralmente direcionado aos cuidados com as crianças. Isso altera também a parte profissional, pois sem ajuda, o trabalho acaba ficando em segundo plano.

Se eliminarmos as consequências do isolamento, porém, ter mais tempo junto com as crianças é bom, pois podemos curtir todos os momentos de evolução dos filhos. A coisa mais importante de todas, a maior lição que tivemos foi a de dar mais valor a coisas não-materiais: um abraço da família, uma cerveja com os amigos, um cinema.

Nosso maior desejo é de que essa pandemia seja controlada e de que o mundo possa voltar a ter uma rotina mais saudável. Nossos filhos precisam voltar a correr nos parques, brincar com outras crianças, fazer e rever amigos e estarem próximos da família”.

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"Meu conselho para os meus filhos é de amar e viver o agora, porque nunca sabemos o dia de amanhã"

Julianne Dowsley, advogada, e Bruno Siqueira, engenheiro, pais dos gêmeos Breno e Bernardo, de 2 anos e 7 meses.

“Com a pandemia nós passamos a ficar mais tempo com os gêmeos em casa. Eles saíram da escola e esse seria o primeiro ano deles, então as atividades começaram a ser feitas de forma online. Porém, como eles são muito novos, não conseguiam prender tanto a atenção pelo tempo de aula, mesmo elas sendo de apenas 30 minutos. As atividades externas do condomínio onde moramos, em Salvador, também tinham sido proibidas, o que aumentou ainda mais o tempo em casa.

Com poucos dias, logo no início da pandemia, tivemos a percepção da irritação dos meninos por não poderem descer, diminuição no gasto de energia e aumento da dependência afetiva, pelo fato da convivência direta.

Então passei a criar atividades com eles, como jogos, painéis, brinquedos montessorianos, pinturas, banhos ‘de piscina’ no banheiro, pescaria… várias opções para desenvolvê-los, explorando mais o aprendizado. Porém, na pandemia, perdi minha mãe, e acabei deixando também os meninos mais na TV para conseguir enfrentar essa dor irreparável, além de manter os dois entretidos durante o dia.

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A parte boa disso tudo é conviver mais com os meninos, apesar de todos os desafios. Poder acompanhar sempre de perto o crescimento deles, o convívio com o pai e o irmão mais velho mais de perto, a convivência da família, que ficou mais próxima e com mais refeições feitas em conjunto.

Meu conselho para os meus filhos é de amar e viver o agora, porque nunca sabemos o dia de amanhã. Aproveitar cada momento em família e registrar tudo, porque a fotografia é capaz de eternizar esses momentos felizes”.

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"Precisamos ter a capacidade de nos reinventar, recalcular a rota. Isso sim é aproveitar bem a vida"

Patrícia Luna, fisioterapeuta, e Lilianne Dantas, arquiteta, mães de João e Joaquim, de 11 meses.

“A gente nasce e tem o mundo todo pra explorar, mas nem sempre isso sai como planejamos. Costumamos dizer que os meninos fazem parte da geração de ‘bebês da pandemia’, já que emendamos o puerpério com a quarentena e foi muito desafiador pra gente, porque antes éramos mulheres ‘do mundo’. Fica difícil dizer o que mudou especificamente, porque o ‘novo normal’, para muitos cuidadores, é o normal para a gente.

Não vivemos nada diferente do isolamento social, dos cuidados de biossegurança e das restrições do ir e vir, mas em uma sexta-feira em que a mãe Lili já tinha voltado a trabalhar de home office, onde nos vimos presas em um apartamento de 70 metros quadrados com dois nenéns, decidimos fugir para a praia – porque nem a Lilianne conseguia trabalhar, nem a Patrícia conseguia ter saúde mental com os bebês. Foi aí que percebemos o quanto a pandemia estava nos afetando, foi libertador ir à praia e ver o mar.

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Não poder viver tudo o que planejamos tem sido um trabalho diário para que não nos sintamos frustradas, mas, sem sombra de dúvidas, estamos ressignificando as relações. Nós nos mudamos para uma casa, revivemos nossas memórias afetivas, estamos criando João e Joaquim na terra, no quintal. Talvez, se não tivesse a pandemia, não teríamos a percepção do quanto isso é gostoso.

Precisamos ter a capacidade de nos reinventar, recalcular a rota. Isso sim é aproveitar bem a vida”.

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"No início da minha gestação eu comecei a chorar de preocupação, até a metade da gravidez foi tudo bem turbulento"

Sindy Melo, influenciadora digital, e Breno Melo, autônomo, pais da Pietra, de 2 anos e 5 meses, e do Theo, de 3 meses.

“Nós sempre fomos bem caseiros. Meu esposo trabalha fora e eu trabalho de casa, então eu já ficava com a minha filha desde que ela nasceu, e agora com o meu filho também. Mas nós gostávamos bastante de sair nos fins de semana, ou às vezes durante a semana: íamos ao shopping ou a algum parque.

Minha filha gostava bastante de passear, então eu acredito que, para ela, foi mais difícil ficar em casa. O que eu notei também é que, devido a isso, ela passou a usar mais telas do que o normal. Ela não tinha muito com o que se distrair, e acabava enjoando das coisas que tinha para fazer. No começo ela era sozinha, não tinha outra criança para brincar, aí acabava ficando entediada e ia assistir alguma coisa. Eu tenho sobrinhas que são da mesma idade da minha filha, e antes elas brincavam bastante juntas. Com a pandemia ninguém podia se encontrar, e isso também a afetou, ela sentiu um pouco de falta de ter crianças para interagir.

Eu também senti as mudanças na minha gestação, porque eu engravidei no final do ano passado e a pandemia chegou em março. Meu esposo trabalhava como motorista de aplicativo na época, e devido a tudo ter fechado o movimento dos carros particulares também caiu 90%, e isso nos prejudicou muito financeiramente.

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Por estar grávida, eu fiquei muito preocupada: não sabia se conseguiríamos comprar as coisas que faltavam pro bebê – e faltava praticamente tudo! No início da minha gestação eu comecei a chorar de preocupação, até a metade da gravidez foi tudo bem turbulento: cheguei a pensar que não deveria ter engravidado, aí me sentia mal por pensar assim – foi uma fase bem difícil, não esperávamos por esse momento e ele nos afetou muito, ainda mais pelo fato do meu marido não ter um emprego registrado.

A parte mais desafiadora, agora, é distrair a minha filha. O baby nasceu eu já não tenho mais o tempo que eu tinha antes, ele demanda muito de mim. Ter sempre ideias de brincadeiras novas, diferentes e educativas, para conseguir tentar sempre a entreter, é a parte mais difícil para mim. Além de lidar com o meu trabalho e com os afazeres domésticos tendo duas crianças em casa, tudo ao mesmo tempo.

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Eu, minha mãe e meus irmãos somos muito próximos, mas com essa pandemia nós aprendemos ainda mais a valorizar essas pessoas que estão com a gente. Agora buscamos estar junto sempre que puder, não ficar muito tempo sem nos vermos, sem visitar, porque nós não sabemos quando vai ser a última vez. Muitas pessoas perderam entes queridos, e por essa falta de contato, pode ter ficado um sentimento de remorso.

A gente acabou, cada vez mais, dando valor para as pessoas que nós temos: apesar da vida ser corrida, de trabalharmos muito, é sempre importante tirar um tempo para as pessoas enquanto elas estão vivas.

É esse o mesmo conselho que eu deixaria para os meus filhos, o de buscar sempre valorizar mais as pessoas do que as coisas, mais o ‘ser’ do que o ‘ter’. Mesmo que a vida seja corrida, é importante arrumar tempo para tudo isso”.

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