Dois pais solteiros abrem o coração sobre paternidade na pandemia

Além de estreitar vínculos com os filhos, período trouxe à tona reflexões importantes sobre o que é ser pai (presente!) em 2020.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 9 ago 2020, 10h00 - Publicado em 9 ago 2020, 10h00
 (montagem/Arquivo Pessoal)
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Mais de 5 milhões de brasileiros sequer têm o nome do pai na certidão de nascimento, e a desigualdade na divisão de tarefas ainda é uma dura realidade que sobrecarrega a mulher, especialmente durante a quarentena imposta para conter a Covid-19

Em um cenário tão desanimador, é importante saber que existem pontos fora da curva, certo? Por isso, aproveitamos o Dia dos Pais para contar a história de dois homens que participam ativamente da vida dos filhos e se viram diante de novos desafios com a chegada da pandemia. 

“Quem já tinha intimidade com os filhos está lidando melhor com a quarentena”

Relato do ator Kiko Bertholini, de 43 anos, atualmente no ar em Coisa Mais Linda, do Netflix. Kiko é pai da Eva, de 5. Ambos moram em São Paulo/SP. 

Kiko Bertholini e a filha Eva
(Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Quando minha filha tinha quatro meses, eu e a mãe dela saímos só nós dois e sofremos um acidente sério de carro. Ela passou três meses de colete cervical, sem poder pegar a Eva no colo, então tive essa fase de assumir praticamente todos os cuidados com ela. Além disso, o fato de ter uma agenda flexível por ser ator facilitou nossa proximidade, tinha mais tempo em casa, então sempre ficamos muito juntos um do outro. 

Há um ano, eu e a mãe dela nos separamos e passamos a dividir a guarda. Ela estava no Rio de Janeiro gravando novela, então ficava com a Eva quando vinha a São Paulo e eu cuidava dela nos outros dias da semana. A Eva tinha uma rotina agitada, balé, natação, escola, e de repente tudo isso parou.

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A mãe voltou para São Paulo, fomos tentando entender melhor e chegamos a uma divisão de quatro dias da semana comigo, três com a mãe. Eu moro num apartamento, tenho pouquíssima luz do sol, é uma quarentena bem roots, trancada mesmo. Meu prédio já teve três casos confirmados de Covid-19, então evito sair com ela, mesmo no playground do prédio. Deixo para fazer supermercado e todas as tarefas de rua quando ela não está aqui. 

A dinâmica da quarentena mudou muito com o tempo. Se o primeiro mês foi até meio divertido, vendo o lado bonitinho da convivência forçada, depois você começa a perceber que as crianças estão ficando mais estressadas, ela está mais arredia e estamos os dois sem paciência. 

Tento distraí-la, inventar atividades, temos uma hora da brincadeira do dia, quando criamos juntos alguma coisa, seja um teatrinho, uma história, tirei os quadros da parede para pendurar seus desenhos de sulfite, um mural da quarentena. Mas não forço muito atividades escolares e respeito quando ela não quer fazer algo ou falar com alguém por vídeo chamada. 

Estamos aprendendo a lidar com a situação. Quando sinto que estou sobrecarregado com faxina, atividades dela, cuidados da casa e não está dando mais, faço concessões como o uso do tablet, por exemplo. 

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O que percebo é o seguinte. Quem já tinha uma boa intimidade com os próprios filhos está levando a situação melhor do que o pai que não ficava sozinho com a criança, ou tinha uma empregada para fazer as coisas, nunca tinha dado banho… Então também é uma oportunidade para criar mais vínculos com os filhos. Ainda hoje há uma falsa ideia de modernidade, mas a mulher continua sobrecarregada com os cuidados dos filhos e somos um país muito machista e misógino, que delega tudo para os outros.  

Ouvi muito ‘nossa, como você ajuda’, mas não estou ajudando, o trabalho é dos dois, porque o filho é dos dois. O homem não é cobrado disso e, por outro lado, a mulher assume muitas coisas para si e fica um ciclo vicioso do pai pensando que não sabe fazer direito, as mães cada dia mais infelizes e atarefadas, então também precisamos ceder para que o outro faça as coisas do seu jeito e aprenda a cuidar.”

“Peguei Covid-19 e precisei ficar um mês sem ver minha filha”

Andrei Brienne, administrador de Cuiabá/MT, tem 25 anos e é pai da Valentina, de 3 anos. 

Andrei e a filha Valentina
(Reprodução/Arquivo Pessoal)
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“Eu sempre quis ser pai, então quando descobri que minha namorada estava grávida fiquei muito empolgado, nunca cogitei nada que não fosse me dedicar completamente à minha filha. A Valentina tinha completado um ano quando eu e a mãe dela nos separamos. Desde então, procuramos dividir os cuidados e gastos igualmente, além de tomar todas as decisões sobre ela em conjunto. 

Hoje ela mora com a mãe, mas vem bastante para a casa onde moro com meus pais. A quarentena foi um período importante para nós. Primeiro, porque ficamos mais tempo juntos e gosto muito de estar com ela. Com a pandemia, não precisei me prender somente aos finais de semana e passei a buscá-la mais vezes para passar os dias com a gente, agora chegamos a ficar juntos cerca de cinco dias na semana. 

Depois, há 45 dias, começou um surto de Covid-19 aqui em casa. Meu pai adoeceu primeiro, depois minha mãe, minha irmã e eu, que não cheguei a ter sintomas, apenas testei positivo. Toda família se recuperou bem, ninguém precisou ser internado, mas, por garantia, ficamos 30 dias isolados, sem poder ver a Valentina. 

Foi bem complicado lidar com a distância, foi a época mais pesada da quarentena. Sempre fazíamos vídeo chamada, tentando manter o máximo de contato possível, a mãe dela compartilhando tudo que ela fazia, mas não era a mesma coisa.

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Quando acabou esse mês de isolamento, ela veio para cá e passou dez dias direto conosco. Deu para matar a saudades e para perceber que ela estava sentindo falta. Se por um lado a quarentena foi complicada para ela no sentido de não poder fazer qualquer tipo de atividade com ela lá fora, por outro ela parece estar mais carinhosa, especialmente depois desse período longe. 

Ela conversa mais, quer estar mais junto, abraça, beija muito a gente, chama para fazer as coisas, então creio que conseguimos aproveitar bem esse momento. Eu sempre busquei ser presente e me sinto incomodado porque as pessoas elogiam algo que não é mais que a minha obrigação. 

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(Reprodução/Arquivo Pessoal)

Hoje percebo que isso ocorre porque a maioria dos pais não exerce esse tipo de paternidade, o que é uma pena porque a figura paterna é essencial na vida da criança. Ser pai me trouxe muito mais responsabilidade, afeto… Eu tenho dificuldade para demonstrar e falar sobre meus sentimentos, sou contido, mas com a chegada da Valentina isso ficou mais aflorado.” 

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