Desde o início da descoberta da gravidez, na teoria, gestantes já sabem que o período pós-parto, conhecido como puerpério, costuma ser uma das fases mais difíceis da maternidade. É nesse momento que mães têm de lidar com a nova rotina, ao passo que sentimentos como solidão e autocobrança tendem a surgir, atrapalhando o aspecto psicológico.
Se essas mães estão inseridas no mercado de trabalho, o fim do puerpério pode vir ainda acompanhado por um sentimento de angústia ao se darem conta de que a licença-maternidade, que no Brasil dura quatro meses, também está com os dias contados. A volta ao trabalho, em muitos casos, desperta o medo da separação entre a mãe e o bebê, falta de confiança em deixar a criança sob os cuidados de terceiros, e um receio de que o bebezinho perca o vínculo materno.
“É importante pensar na maternidade como uma nova experiência identitária da mulher, e somente isso já causa o que a gente chama de crise existencial: quando esse bebê nasce, a mulher mergulha, no geral, em uma atmosfera na qual ela e o bebê se bastam, em que ela compreende tudo o que ele deseja”, explica Renata Soares, psicóloga clínica e perinatal e sócia-idealizadora do Instituto Duo, espaço de acolhimento e atendimento psicológico a gestantes, puérperas, bebês e crianças.
A especialista conta que, apesar das experiências nas relações maternidade e trabalho serem individuais, a principal angústia após o fim da licença-maternidade está ligada ao fato dessa nova mãe não estar mais presente o tempo todo para cuidar do bebê.
“Existe toda uma fantasia de que ela é suficiente, somente ela basta para o bebê: ‘Como é que meu bebê vai ficar sem mim? Será que ele vai se adaptar com a minha ausência? Será que as pessoas vão saber cuidar dele como eu cuido?’. A mulher passa a trazer para si essa nova identidade, ela não consegue mais se enxergar sem o lugar de mãe, e acaba ficando com dificuldade de se separar desse papel que exerce nos cuidados com a criança”, completa.
Era esse o principal receio de Renata Sanches, mãe de Leone, que está com 1 ano de idade, antes de voltar ao trabalho, mesmo que em esquema de home office por conta da pandemia de coronavírus. “Eu tinha muito medo de perder o vínculo criado com ele. Me dava pânico ver aquelas notícias de que o bebê chamava a babá ou avó de mãe. Meu sonho sempre foi ser mãe, não queria que ele enxergasse outra figura nesse lugar que não fosse eu”, desabafa.
A boa notícia é que a maior parte dessas angústias tem base em medos irracionais, que podem ser resolvidos mediante uma rede de apoio de confiança, informações adquiridas com médicos e especialistas e, quando possível e necessário, acompanhamento psicológico. A seguir, algumas pensatas e ideias sobre como tornar o fim da licença-maternidade um período menos angustiante.
Mobilizar uma rede de apoio – e confiar nela – é essencial
Natalia Almeida, mãe da Manuele, que está com 7 meses, destaca a importância do papel do pai ou parceiro durante o puerpério e no fim da licença-maternidade.“Meu noivo trabalhava com eventos e ficou desempregado logo no início da pandemia, então ele vivenciou todo esse período comigo. Ele me apoiava e dividia as dores e alegrias da maternidade/paternidade, e ocupou muito bem o lugar de pai, acordava de madrugada para trocar fraldas e me acalmar enquanto eu chorava amamentando”, conta ela, que também teve auxílio da mãe nos cuidados com a criança durante os primeiros 15 dias pós-parto, mas parou de receber visitas por conta da pandemia.
Para Julianne Batista Ribeiro, mãe da Sarah (de 1 ano e meio), esse suporte do companheiro também foi essencial, já que era o marido dela o responsável, entre outras coisas, em dar banho no bebê e colocá-la para dormir durante o expediente.
Renata Sanches opina que, além do pai, é essencial que a rede de apoio dessa mãe que volta ao trabalho, ainda que de casa, seja totalmente de confiança. “Mesmo bem pequena, resumida em mãe, sogros e irmão por conta da pandemia, sem eles eu não teria conseguido mudar de casa e nem passar pela volta ao trabalho com a consciência tranquila”, diz. Ensinar para essas pessoas como funciona a sua rotina com o bebê e cobrar empatia tanto deles quanto dos colegas de trabalho, portanto, é fundamental.
É o que ensina a psicóloga Renata Soares, ao destacar que, para todo bebê que nasce, é preciso um “cuidador de referência”, geralmente representado pela mãe, e mais essa rede de apoio, atuando tanto no cuidado do bebê quanto no auxílio à saúde física e psíquica dessa mulher, geralmente mais vulnerável no aspecto mental.
“No geral, a primeira grande ausência de uma mãe é o retorno dela ao trabalho: onde ela se ausenta por mais tempo e passa a ter outros interesses e dedicações. A forma de mobilizar a rede é encontrar pessoas nas quais essa família possa confiar, seja uma babá, um centro de cuidados (uma creche, um berçário), ou que ela possa contar com pessoas que possam intercalar com ela esses cuidados que giram em torno da afetividade, da alimentação, do sono, da inserção da rotina, dos estímulos que são fundamentais para o bom desenvolvimento de qualquer criança”, exemplifica.
Outra dica é mobilizar a rede de apoio antes mesmo do bebê nascer, já inserindo essas pessoas no planejamento da rotina. Isso porque, se essa rede se mostra presente desde a gravidez, a insegurança da mãe sobre terceirizar os cuidados com a criança tende a diminuir. Caso contrário, ou seja, se a mãe está completamente isolada no puerpério e período pós-licença, só ela é realmente capaz de entender os sinais que o bebê dá quando precisa de algo e, consequentemente, acaba se sentindo insegura.
“Isso facilita para que não apenas o bebê possa reconhecer esse outro como cuidador, como também para que essa mãe perceba que ele é capaz de desenvolver a habilidade de entender esse bebê dela. Quanto mais cedo incluir terceiros nessa relação, melhor – para a mãe e para o bebê”, fala Renata.
Na situação em que vivemos, Natalia ressalta ainda, a importância de manter contato – mesmo que virtualmente – com profissionais que possam ajudar a mãe nesse período, como pediatras, nutricionistas, fisioterapeutas e outros especialistas que compartilham informações através de consultas e dos próprios perfis nas redes sociais.
Trabalhar de casa: pontos positivos e negativos
Graças à pandemia de coronavírus, muitas mães acabaram trabalhando em esquema de home office após a licença-maternidade terminar, o que em alguns casos ameniza um pouco a angústia de voltar à ativa. Julianne que é assessora de imprensa conta, porém, que não foi um período tranquilo – e enxerga um cansaço que dura até hoje:
“A partir de março do ano passado (até hoje) passei a trabalhar de casa, e a Sarah fica junto comigo o tempo todo. Eu sei que tenho o privilégio de acompanhar minha filha de perto nessa fase importante, mas não é tudo tão bom assim. Conciliar meu trabalho, que exige muito de mim em período integral, com os cuidados com ela e os afazeres da casa não é nada fácil, e minha própria cabeça me faz surtar às vezes”, confessa.
Ela reconhece que dar conta de tudo é impossível, mas diz buscar fazer suas atividades mantendo uma ordem de prioridade. O lado bom de trabalhar de casa após a licença, para ela, é a possibilidade de continuar com a amamentação, que foi acontecendo de maneira mais natural exatamente por causa do home office.
Para Natalia a questão da amamentação foi igualmente positiva graças à possibilidade de trabalhar de casa, já que a agência de comunicação da qual é funcionária estabeleceu o home office desde março de 2020. Ela, que teve dificuldade para que a filha se adaptasse ao leite materno, conta que hoje em dia consegue conciliar trabalho e maternidade, usando até mesmo as reuniões à distância como momentos para amamentar.
“Minha maior preocupação era a amamentação, fiquei muito angustiada, com medo de ser dispensada por não ter a mesma disponibilidade de antes para o trabalho, mas quando voltei foi um alívio, de imediato minha amamentação foi apoiada e está funcionando superbem. Foi fundamental o esquema home office, como a minha filha só aceita o leite no peito não sei o que faria se tivesse que voltar presencialmente”, completa.
Já Renata, profissional de relações públicas, reconhece a importância do trabalho remoto como forma de estreitar os laços com o filho e conhecê-lo ainda melhor, e hoje em dia alterna os cuidados com a mãe. Ela, que pretende colocar o menino na escola quando sentir segurança para tal, não consegue imaginar, por exemplo, como seria estar longe na primeira vez que o bebê se alimentou, engatinhou ou andou.
Renata Soares enxerga mais vantagens do que desvantagens em relação ao trabalho remoto por consequência da pandemia. Para a psicóloga, quanto mais tempo a mulher puder acompanhar seu filho de perto, mais condições de um ambiente de afetividade e individualidade aquela criança tem. Ou seja, o home office em tempos de Covid tem permitido que muitas mães fiquem com seus filhos até, por exemplo, os 9 meses (ou mais) e não apenas até os 4.
O que isso quer dizer? Que um bebê de 4 e um bebê de 9 meses apresentam diferenças muito relevantes no desenvolvimento, o que dá à criança outras possibilidades de percepção do mundo, de capacidades e habilidades. Logo, a tendência é que a mãe sinta mais segurança em permitir que ele esteja com outras pessoas, minimizando a angústia da separação – estar em contato com outros também é essencial para o desenvolvimento infantil e para que a criança explore novos núcleos que vão além do familiar.
Na impossibilidade de home office, vale usar de outros recursos
Sabemos que a realidade de muitas mães brasileiras impede que elas trabalhem de casa após o fim da licença-maternidade, mesmo durante a pandemia. É nesses casos que vem o receio do não-reconhecimento do filho em relação à mãe, o que Renata assume ser possível de se trabalhar de diferentes formas. A psicóloga diz que, mesmo na ausência física da mãe por estar fora de casa durante o expediente, ela pode se fazer presente: por meio de ligações ou chamadas de vídeo e, quando estiver de volta do trabalho, focar no tempo de qualidade com o filho. Isso vai garantir a sensação de pertencimento dessa mãe com a criança, mesmo que ela não esteja fisicamente ali o dia todo.
“À medida em que a mãe percebe que o bebê tem mais recursos de comunicação, de entendimento sobre o mundo, ela vai sentir mais segurança. Considerando que, no geral, as mulheres voltam ao trabalho por volta do 4º ou 6º mês, essa criança já vai ter minimamente construído um vínculo forte com essa mulher não somente pelo cuidado, mas também pela inserção de rotina, pelo afeto, pelo toque e cheiro”, ressalta a especialista ao explicar que, independentemente de uma presença direta e ininterrupta, essa ideia de uma quebra de laço não existe, já que o vínculo já foi estabelecido desde a gestação.
Conte com auxílio psicológico
Além do já conhecido pré-natal médico, existe também o pré-natal psicológico, um complemento do acompanhamento “tradicional”, que permite que a mulher possa conversar com psicólogos e terapeutas sobre o que ela espera daquela gestação, quem é esse bebê que está chegando na vida dela, como está a relação do casal e como ela planeja a vida após o nascimento da criança.
Em consultas que podem ser feitas presencialmente ou online, a psicologia perinatal surge como alternativa de acolhimento para que a mulher se coloque individualmente na sua construção de maternidade.
“Existe um número elevado de mulheres mentalmente adoecidas com a chegada da maternidade (quadros depressivos graves, situações de ansiedade, burnout…), e algumas chegam a, de fato, adoecer pensando nessa condição de voltar ao trabalho”, diz Renata. Alterações no sono, tristeza profunda, crises de choro, ansiedade generalizada e recusa social são alguns dos chamados sintomas psicossomáticos, ou seja, sinais que o corpo dá para mostrar que, no caso daquela mulher, o sofrimento psíquico vai além das questões de adaptação na nova rotina com a criança.
A especialista vê a terapia perinatal como um fator de proteção e saúde para a mãe, já que favorece o bem estar e permite à mulher desmistificar questões relacionadas à maternidade, permitindo que ela adoeça menos.
Mudanças internas e externas
Após a licença-maternidade e alguns meses de volta ao trabalho, é comum que muitas mães acabem reavaliando suas prioridades, ainda mais depois de um 2020 conturbado como o que vivemos. Foi o que aconteceu com Natalia, Renata e Julianne.
“Eu sempre fui muito dedicada ao trabalho, sempre foi uma parte muito importante da minha vida. Mas nesse último ano minhas ambições mudaram, e agora eu prezo mais pelo tempo com a minha família. Eu diria que fiz uma redefinição do que é sucesso para mim: é me sentir bem com o trabalho que desenvolvo, mas desde que ele não tome todo o meu tempo. Eu quero tempo para cuidar da minha filha e para curtir todas as fases da maternidade”, diz Natalia.
Renata Sanches leva como aprendizado do período de licença-maternidade o fato de ter entendido que não é possível que estejamos no controle de tudo, e tudo bem. “Nada foi como eu esperava, especialmente por conta da pandemia, mas quando eu entendi que era melhor tratar tudo com leveza, isso melhorou”, assume ela, que passou a valorizar mais ainda sua própria independência.
“Depois que o Leone nasceu eu me vi sentindo falta de ser a Renata que é algo além de mãe. Eu amo o meu filho mais do que tudo, mas ele veio para me mostrar que eu gosto do que faço e da minha independência, e que sou boa nisso. Antes eu aceitaria um novo emprego baseada em questões como oportunidades de crescimento e salário, e hoje, o ponto 1 é sobre como isso afetará meu filho”, completa.
Já Julianne passou a valorizar muito mais o próprio tempo, no sentido de produzir mais e melhor quando está trabalhando, além de agradecer pela oportunidade de trabalhar em um ambiente que não a reconhece apenas como mãe.
“Antes eu me doava 24 horas por dia ao trabalho, se preciso. Agora eu não posso e nem quero mais fazer isso. A maternidade exige muito de nós, e realmente não é fácil confiar o filho tão pequeno aos cuidados de outra pessoa. É preciso refletir e elencar as prioridades, e se a opção for por dar uma pausa na carreira por um tempo, tudo bem também!”, acredita.