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“Não sabia que estava grávida”: é possível não perceber uma gestação?

Mudanças no corpo podem não ser percebidas ou até mesmo negadas por mulheres que não planejavam um bebê naquele momento.

Por Nathalie Ayres
12 jan 2021, 12h54
Explore os mitos e verdades sobre viajar de avião grávida
Explore os mitos e verdades sobre viajar de avião grávida (Arte: Juliana Pereira / Foto: RossHelen/Getty Images)
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Programas de televisão há algum tempo exploram as histórias de mulheres que só descobrem que terão um filho na hora do parto. Os casos, além de curiosos, despertam admiração: como as tantas mudanças pelas quais o corpo passa durante a gestação não foram notadas em 9 meses? Esse tipo de quadro é chamado de gravidez silenciosa e pode sim acontecer, no entanto especialistas divergem sobre o quanto isso é comum e não há estatísticas oficiais sobre o tema.

São diversos os fatores que podem levar uma mulher a não perceber uma gestação: desde uma inexperiência com o assunto até a negação psicológica do que está acontecendo. Conversamos com especialistas para entender melhor esses fatores.

Cadê a menstruação?

Algumas mulheres apresentam sangramentos durante a gestação, que são diferentes da menstruação, mas podem ser confundidos com ela. “Algumas pacientes podem manter um fluxo menstrual nos primeiros três meses, mas geralmente é diferente do que a paciente está acostumada”, explica a ginecologista Karen Rocha de Pauw, especialista em Reprodução Humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Ela explica que podem ocorrer alguns sangramentos também durante a gravidez, como o de colo do útero, descolamentos pequenos de placenta e até rachaduras uterinas pelo estiramento. “Mas sempre que questionamos a paciente, ela alega ter sido um sangramento diferente da menstruação usual”, reitera a especialista. Até porque, se eles forem tão volumosos quanto uma menstruação, poderiam indicar um abortamento.

Outras mulheres podem simplesmente não estar acostumadas a menstruar com frequência ou quantidade, até por algum problema de saúde. “Determinadas doenças aumentam o intervalo entre as menstruações, que levam aos chamados ‘atrasos’. A principal são os ovários policísticos com ciclos menstruais muito longos”, explica o ginecologista Maurício Abrão, professor associado de Ginecologia da FMUSP, responsável pelo Setor de Endometriose do HC e Chefe do Setor Avançado de Ginecologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

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E o crescimento da barriga?

Para Abrão, o crescimento da barriga pode ser mais difícil de perceber em mulheres com obesidade, em que alterações no corpo como aumento e expansão do abdômen não sejam perceptíveis. “Problemas de coluna (cifose), doenças intestinais que aumentam o volume abdominal e cirurgia plástica de abdominoplastia também podem influenciar na percepção visual da gestação”, enumera Pauw.

Isso também pode ocorrer na gravidez de mulheres que tenham uma musculatura abdominal mais forte, pois ela “briga” com o crescimento da barriga da gestante. Isso pode acontecer com atletas de alto rendimento, já que seu corpo também pode parar de menstruar. “Nesses casos o bebê cresce igual, mas para ‘dentro’, a musculatura não faz com que o crescimento do bebe seja influenciado”, tranquiliza a ginecologista. Abrão ressalta também, que casos de baixo crescimento fetal poderiam passar despercebidos.

E os outros sintomas?

Apesar de o crescimento da barriga e a ausência serem os sintomas de gravidez mais exuberantes, outros também são comuns e característicos, como náuseas, vômitos, intolerância a cheiros, cansaço, sono intenso e aumento na vontade de fazer xixi. Mas fora de contexto, eles podem passar por outras causas. “Algumas mulheres podem associar esses sintomas à dieta ou ao estresse, e não necessariamente à gestação”, explica a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo, especializada em perdas e lutos, relação mãe e filho, relações amorosas e angústias geradas pelo meio.

Ela fala sobre como uma pessoa que não está necessariamente esperando ter um bebê pode confundir os sinais do corpo, por não estarem procurando por eles da mesma forma que quem está ativamente tentando engravidar. Até porque, eles não são uma regra. “Existem gestações que no início podem passar como assintomáticas, isso normalmente se deve a baixos níveis de progesterona”, contextualiza o ginecologista Abrão.

Algumas gestantes também são mais tolerantes a esse hormônio, o que faz com que mesmo que estejam na quantidade correta, a gravidez seja menos sintomática e mais fácil de ser vivenciada. “Quem tem ovário policístico e quadros similares tende a ter menos progesterona e menos sintomas”, cita o especialista.

Falta de conhecimento também é comum

Abrão entende, em sua experiência, que mulheres menos favorecidas economicamente, e por isso com menos acesso à educação, experienciam mais a gestação silenciosa. “A pouca informação, como é o caso de muitas adolescentes e meninas no Brasil, também pode ser um fator importante nessa não discriminação da situação”, explica a psicóloga Patrícia Guillon, coordenadora da Pós-Graduação em Abordagens Multidisciplinares da Saúde Mental na Infância e Adolescência da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Pauw lembra um caso que viveu em um plantão de obstetrícia: “Certa vez uma adolescente de 17 anos chegou com o pai falando que fazia 10 dias que a menina não ia ao banheiro e precisava de uma lavagem, pois estava com muita dor de barriga. Ao examiná-la imaginei na hora que estava grávida, mas a barriga não estava tão grande. Qual não foi a surpresa quando, em menos de cinco minutos, nasceu um bebê de três quilos totalmente saudável”.

Mesmo em mulheres com mais acesso à educação, a dificuldade prévia de engravidar pode ser um fator de negação desta realidade. “Outra paciente minha, que já tinha feito três ciclos de fertilizações e nunca conseguiu engravidar, veio ao consultório achando que estava com tumor de ovário, pois sentia uma bola na barriga. Fizemos um ultrassom e descobrimos uma gestação de 6 meses”, relata a ginecologista.

Perceber, mas negar, também é uma realidade

Existem mulheres que apresentam problemas de saúde mental que também impedem o reconhecimento dos sintomas da gravidez: depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtornos que envolvem a imagem corporal e algumas psicoses podem apresentar uma distorção das percepções do próprio corpo. “Isso ocorre por uma dificuldade em reconhecê-lo ou por uma história de vida delicada, que faz com ela trate seu corpo com superficialidade”, considera a psicóloga Baldo.

Ou muitas vezes há esse reconhecimento, mas o medo de estar grávida em um momento em que isso não era esperado pode atrapalhar. “A mente é muito poderosa, se ter um filho pode ser um problema ou algo que a pessoa nem queira cogitar, ela simplesmente “apaga” as sensações da gravidez. Vemos isso muito com adolescentes que estão tendo uma gestação indesejada, geralmente de famílias muito austeras”, explica Pauw.

No entanto, é importante não julgar essa mulher. “Não querer ser mãe naquele momento não significa que ela não pensa na maternidade, apenas que aquela hora não era a mais adequada no plano dela”, considera Baldo.

Quais as consequências de passar a gravidez sem saber sobre ela?

Existem comportamentos considerados adequados para uma gestação visando manter a saúde do bebê e que acabam não sendo seguidos nesse tipo de situação. “É comum que essas mulheres relatem que carregavam peso, faziam exercícios intensos na academia, consumiam bebidas alcoólicas, e isso pode até acarretar em sentimento de culpa”, enumera Baldo.

Sabemos que o consumo indiscriminado de álcool na gestação pode acarretar em uma série de problemas, até danos cerebrais e problemas de crescimento. Não há muita documentação científica sobre o assunto, no entanto, os casos que surgem na mídia normalmente têm um final feliz, com o bebê ficando em observação e seguindo saudável.

Além dos problemas causados por estes comportamentos, perder a rotina de exames pré-natais podem acarretar no não-diagnóstico de doenças congênitas (como anomalias na formação do coração ou mudanças no crescimento fetal) ou mesmo quadros gestacionais (tais quais a pré-eclâmpsia, diabetes gestacional).

Há também a saúde mental dessa mulher no pós-parto: essa situação propicia o surgimento de uma depressão, já que a mãe precisará se acostumar com algo que ela não imaginou ou aceitou nos últimos 9 meses. “É importante que essa mulher geste o bebê fora de seu corpo, o que pode levar de 1 a 2 meses”, pondera Baldo.

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