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Saúde mental e impacto no bolso: como a pandemia mudou a carreira das mães

A pandemia de coronavírus fez com que o desemprego aumentasse no Brasil, e mulheres que também são mães se tornaram um dos grupos mais afetados.

Por Ketlyn Araujo
8 abr 2021, 18h58

A crise gerada pelo coronavírus não é apenas sanitária ou de saúde pública, mas também econômica. Isso é convertido em números quando reunimos dados sobre desemprego no Brasil, divulgados por alguns dos principais institutos de pesquisa do país: por consequência direta da pandemia e da necessidade de isolamento social, entre março e setembro de 2020 cerca de 879 mil trabalhadores brasileiros perderam o emprego, conforme informa o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de novembro. Entre eles, mais de 588 mil são mulheres, o que representa 65% dos demitidos.

Uma série de fatores contribuiu para que mais mulheres fossem afetadas no trabalho durante a pandemia. Um deles é o fato de que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mais mulheres costumam trabalhar em categorias que envolvem serviços como os de alojamento e alimentação, domésticos, de educação, saúde e sociais – os mais afetados no último ano. Se compararmos o terceiro trimestre de 2019 com o de 2020, ainda com base no Instituto, no ano passado houve uma queda de 7,5% no número de mulheres trabalhando, o que resulta em 45,8% delas, taxa mais baixa desde 1990. Em resumo, é como se perdêssemos 30 anos de evolução feminina no mercado de trabalho.

Como se não bastasse, o impacto é ainda mais evidente quando falamos sobre mulheres que também são mães. O levantamento ‘Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil’, realizado pelo IBGE, constatou que, no ano passado, somente 54,6% das mulheres entre 25 e 49 anos que têm filhos estavam trabalhando – por outro lado, a porcentagem de homens na mesma situação sobe para 89,2%. Ao pensar em mulheres mães negras e pardas, a ocupação é ainda menor, de apenas 49,7%.

Crise dupla: no mercado e no emocional

Deane de Sousa, mãe de um menino de um ano, foi demitida em setembro passado, logo que voltou da licença-maternidade. Ela, que era subgerente comercial e atuava no mercado de lojas e shoppings, sentiu o impacto do desemprego por conta das paralisações indefinidas desses tipos de serviços. Com tudo fechado, ficou cada vez mais difícil encontrar um emprego novo, já que não existia mais nem a possibilidade de entregar currículos.

Deane conta que não foi apenas a questão financeira que impactou sua rotina, mas a psicológica também. “Eu já havia tido crises de pânico devido à perda da minha mãe e da minha avó, mas tudo piorou com a pandemia. A gente fica mais presa em casa, sente mais e pensa mais besteiras. Havia noites nas quais eu não conseguia nem dormir por conta dessas crises”, desabafa ela, que segue desempregada.

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Foto de mãe com bebê no colo
(Deane de Sousa/Arquivo Pessoal)

Antes das coisas ficarem novamente mais restritas no Brasil, Deane chegou a arrumar um novo trabalho, mas uma semana após saber que tinha passado na entrevista de emprego, a empresa a informou de que precisaria encerrar as contratações por conta da piora da pandemia.

Ainda por causa do impacto da covid-19, a empresa na qual o marido de Deane trabalhava também encerrou as atividades, e ele ficou desempregado. Atualmente, os dois vivem da renda de uma casa alugada que a mãe de Deane deixou para ela quando faleceu, e mais o pagamento de alguns bicos que o marido da jovem tem feito. Ela tentou receber o auxílio emergencial do governo, mas diz que o dinheiro não foi pago, mesmo após o cadastro.

“Com esse dinheiro a gente vai sobrevivendo, e mesmo que não seja uma renda muito alta eu sei que há pessoas que nem isso têm. Como mãe, você necessita de um trabalho para sustentar seu filho, para dar a ele o que ele precisa”, diz Deane, e completa: “Com tudo fechado é muito complicado, você acaba tendo que cortar custos e, por mais que você fique em casa cuidando da criança, uma hora a fonte seca. Mas a minha força é o meu filho, eu sei que ele precisa de mim e, por ele, eu tento ser mais forte”.

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Sobrecarregadas e desempregadas

Apesar de muita gente ter se adaptado ao esquema remoto de trabalho, dados da plataforma Workana, responsável por conectar freelancers a empresas da América Latina, mostram que a desigualdade de gênero também ficou em evidência no home office: segundo o relatório de 2020 da empresa, 48,3% das mulheres em regime CLT estavam também cuidando dos filhos em casa, enquanto apenas 11,1% dos homens exerciam as mesmas funções.

Foi essa sobrecarga materna que fez a relações públicas Maria Schwab, mãe de uma menina de um ano e dois meses, pedir demissão. “Antes da pandemia e da gravidez, eu trabalhava de 9 a 12 horas por dia, e tinha planos de matricular a minha filha na escolinha para trabalhar menos. Quando voltei, depois da licença-maternidade, ou seja, uns dois meses após o começo da pandemia, até que nos viramos bem. Ela era pequena, dormia muito e ficava brincando, e por isso foi uma adaptação tranquila. Já quando ela começou a engatinhar, passei a ter dificuldade para dar conta do trabalho e cuidar de um bebê pronto para descobrir o mundo”, assume.

Ao perceber tudo isso, o sentimento que bateu em Maria foi de incapacidade: ela diz que se sentia incapaz de dar conta do trabalho, dos afazeres domésticos, do bebê e dela mesma, como se fosse a única responsável por tudo o que estava vivenciando naquele momento. Foi aí que, mesmo sabendo que as contas ficariam mais apertadas e que seria necessário cortar gastos, ela optou por pedir demissão e aceitar o suporte financeiro do marido para se dedicar exclusivamente aos cuidados com a criança.

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Maria relata que, durante os primeiros três meses pós-demissão, as coisas fluíram bem, e ela se sentia aliviada por ter o privilégio da escolha. Após esse período, porém, ela passou a se sentir um pouco perdida, além de cansada. “Sempre trabalhei demais, gosto de estar em contato com pessoas e fazia do meu trabalho um dos pilares da minha personalidade, então passei a me sentir vazia. Meu marido passava a maior parte do tempo trabalhando dentro do escritório, de portas fechadas em casa, e mais tarde voltou ao trabalho presencial”, conta ela, dizendo sentir falta de conversar com outras pessoas, mandar e-mails e fazer ligações. “Cheguei a sonhar durante várias noites seguidas que trabalhava muito, e acordava feliz. O que mais sinto agora é exaustão e a falta de poder trabalhar e ganhar dinheiro”, confessa.

O casal teve, ainda, de fazer cortes drásticos nas contas de casa. Os dois decidiram, por exemplo, cancelar o plano de celular e parar de pedir comida por delivery e aplicativos. Passaram também a fazer as compras em um supermercado mais barato e ela, por fim, retirou dinheiro de investimentos para auxiliar nas contas da casa, principalmente para o financiamento do carro.

“Eu, meus pais e irmãs estamos cumprindo o isolamento com rigor desde o início, e por isso meu marido tem sido minha rede de apoio, já que cada núcleo familiar está em sua casa. Minha irmã mais velha é da área da saúde, meu pai, minha mãe e minha outra irmã pertencem a grupos de risco. A rede de apoio realizada por eles hoje é emocional, por meio de mensagens, ligações e pequenos encontros de longe, com máscara, em lugar aberto e sem nenhum contato”, descreve ela, que enxerga uma retomada mais difícil e demorada para quem é mulher e mãe no mercado de trabalho pós-pandemia.

Outros caminhos para recomeçar

Dados de 2020 divulgados pelo Sebrae mostram que a crise no mercado de trabalho desencadeada pela pandemia também afetou mulheres empreendedoras. Pela necessidade de mais dedicação aos cuidados familiares e às tarefas domésticas após o fechamento das escolas, o número de mulheres donas dos próprios negócios, que em 2019 era de 34,5%, passou para 33,6% em 2020 (na prática, cerca de 1,3 milhão delas tiveram seus negócios impactados pela covid-19).

Mesmo assim, há quem tenha encontrado no empreendedorismo materno solução para driblar o desemprego. É o caso de Helen Couto, mãe de um menino de três anos e oito meses e membro do grupo Somos Empreendedoras de Niterói.

Ela, que trabalhava no setor de comunicações de uma empresa, foi demitida em setembro de 2020, mas havia decidido começar a empreender em junho do mesmo ano. Antes da pandemia, Helen, que é de Niterói, trabalhava presencialmente na cidade do Rio de Janeiro e no horário comercial de segunda a sexta, enquanto o filho passava o dia na creche.

“A demissão me afetou bastante, mas serviu para que eu me reinventasse e passasse a trabalhar com mais amor, fazendo cestas, buquês e roupas de mesa. Estamos vivendo com muitas incertezas, então às vezes dá medo de faltar algo para o meu filho, mas tenho conquistado cada vez mais clientes nesse período e tenho a possibilidade de ficar mais tempo com ele. Tenho certeza de que faço o melhor para nós”, assume.

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Mulher com cesta de buquê de flores
(Helen Couto/Arquivo Pessoal)

O marido de Helen, que também perdeu o emprego em abril passado por conta da pandemia, conseguiu se recolocar no mercado ainda em agosto, e atualmente também atua como sócio dela na empresa. Já a mãe de Helen faz o papel de rede de apoio, ao auxiliar nos cuidados com o menino, quando necessário.

Helen fala sobre o quão exaustivo é ter de dividir as tarefas domésticas e da empresa, além de se dedicar às necessidades da criança e às próprias – ela diz não abrir mão de malhar quase todos os dias, por exemplo. Por outro lado, reconhece o quanto é gratificante poder acompanhar o desenvolvimento e crescimento do filho mais de perto.

Já o empreendedorismo materno, para ela, é também uma maneira de ajudar o próximo. “Nunca é tarde para mudar e empreender, e devemos ajudar sempre. Fiz campanha de cestas básicas para doar na igreja, e agora os retalhos que sobram dos jogos americanos que faço para vender estão virando máscaras que serão doadas para moradores de rua”, finaliza.

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