Amamentação

Saúde mental da mãe que amamenta: precisamos falar sobre isso

Muito se comenta sobre os desafios físicos da amamentação, mas a verdade é que ela também exige bastante da cabeça e das emoções!

por Da Redação Atualizado em 5 ago 2022, 15h40 - Publicado em
5 ago 2022
15h16

Curso de gestante, chá de bebê, enxoval, plano de parto… Ao longo dos nove meses de gravidez, mães e pais se organizam para a chegada do recém-nascido de várias formas. Muitos até buscam se informar sobre a amamentação, pois os benefícios dela são amplamente conhecidos. Mas quase ninguém se prepara, de verdade mesmo, para a profundidade da entrega e da doação, não somente física, mas emocional que a prática exige.

Não é simples passar pelo puerpério – com todas as alterações hormonais, recuperando-se de um parto vaginal ou de uma cirurgia cesariana, acostumando-se às mudanças do corpo, com um ser humano frágil e totalmente dependente para cuidar – e nutrir. Tudo isso exige muito da saúde mental. “A gestante, por vezes, está ali, no máximo, pensando em como será o parto e preparando o enxoval para receber esse bebê, mas deixa a amamentação para pensar quando for a hora”, afirma a psicóloga Fernanda Lopes, especialista em parentalidade pelo Instituto Gerar (SP). “E, quando essa hora chega, as dúvidas vêm junto com dor, insegurança, medos e uma cobrança para que se aprenda rápido, muito rápido, como alimentar o bebê, como identificar a fome, como acalmar…”, explica.

Para ela, é fundamental educar, ainda na gestação, sobre o que existe no puerpério e entender quais são os sinais de que uma mãe deve procurar ajuda. Esta é a melhor forma de se preparar. “Precisamos de democratização ao acesso a um pré-natal de qualidade, com uma equipe multiprofissional que converse com essa família gestante – afinal, a responsabilidade não é só da mulher ou da pessoa gestante -, e a prepare para as demandas que vão chegar junto com o bebê”, diz.

Fortaleça-se com informações

Quanto mais você aprende sobre o assunto, mais segura se sente diante dos desafios. Saber o que esperar é a melhor maneira de se preparar para o que está por vir. Converse com as pessoas, faça perguntas, ouça amigas ou familiares que passaram por isso, mas sabendo que cada experiência é única. Muna-se de conhecimento (sempre de fontes confiáveis).

Você não é só um par de seios. Seu filho não é só um corpo que precisa ganhar peso. Há muito mais envolvido no binômio “mãe-bebê”, que precisa ser visto de maneira integrada e humana. “Se for possível, tenha próximo a você profissionais que apoiam a amamentação e saibam orientar em caso de dificuldades”, recomenda Fernanda, que é também uma das idealizadoras da Semana de Apoio à Amamentação Negra, no Brasil.

“Se você não está informada o suficiente sobre como a amamentação acontece, sobre como o bebê será amamentado muitas vezes ao dia – e não na base do relógio, de 3 em 3 horas -, que o leite é produzido a cada mamada e que, quanto mais o bebê suga, mais leite vem… Enfim, se você não tem informações adequadas, alguém que apresente mitos como o de que seu filho está chorando porque seu leite é fraco, acende o alerta do medo, da dúvida e da insegurança, em um momento tão sensível”, explica a psicóloga. Ela ainda faz uma comparação: se seu corpo leva um empurrão, mas está com os pés bem apoiados no chão, é muito mais difícil derrubá-lo. Ele pode até envergar, porém se recompõe. “Ou seja, uma boa base feita de conhecimento é fundamental para balançar, mas não cair, quando algo acontecer ou ameaçar seu processo de amamentação”, completa.

Deixar o ritmo fluir também é importante, afinal, não é possível ter controle sobre tudo. Se as coisas andam bem com a saúde da criança, confie nela e no seu corpo.

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Entregue-se, mas saia do casulo

Os primeiros meses costumam ser complicados, dada a mudança tão brusca. E a solidão, muitas vezes, atropela e sufoca as mães. “O início com o bebê é um convite para uma dança de poucos participantes, e isso também é um retrato da nossa sociedade ocidental burguesa: a criança chega e os cuidadores se apartam do convívio social, até mesmo dentro das próprias casas. Quer coisa mais solitária que a cadeira de amamentação em um quarto? Ao final do dia, você já decorou tudo que há nas paredes”, diz a especialista.

Pode ser que, no início, a mãe até prefira ficar mais reservada, por causa da adaptação. E esse momento precisa ser respeitado. Não force. “Mas, de acordo com seu tempo e com sua necessidade, conforme ganhar segurança com a amamentação, saia dessa cadeira! Vá para a sala, vá dar uma volta na pracinha, volte a circular em outros espaços. Amamentar não precisa ser sinônimo de isolamento. A amamentação sempre foi parte da vida cotidiana e, como tal, deve estar inserida nos mais variados contextos”, lembra Fernanda.

Há mulheres que não se sentem à vontade em amamentar enquanto estão na rua ou em público. E não devemos culpá-las! Ainda hoje, em pleno século 21, vemos e ouvimos, com muita frequência, casos de mães importunadas, olhadas, fotografadas ou sendo constrangidas por pessoas pedindo que se cubram ou dizendo que elas não podem oferecer o seio para a criança em certos lugares.

“A rede de apoio é fundamental no sentido de fortalecer a lactante sobre suas escolhas e seus direitos, assim como o acesso à segurança, para que ela não corra o risco de ser violentada nessas situações”, ressalta a pediatra Tiacuã Fazendeiro, que é a outra idealizadora da Semana de Apoio à Amamentação Negra. “O que todos nós, enquanto sociedade, precisamos fazer é defender os direitos das mulheres à segurança e à autodeterminação“, complementa.

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E por falar em apoio…

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(Alina Kotliar/Getty Images)

Embora só a mãe tenha os seios e o leite, amamentar não é uma missão exclusiva dela. Todo mundo tem uma função para que o processo dê certo e seja sustentável, sem sobrecarregar ainda mais a mulher. “O parceiro ou a parceira são fundamentais! É importante que ambos se eduquem para a amamentação”, diz Fernanda.

“Pai não é rede de apoio”, lembra a psicóloga perinatal Allana Pezzi, do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre (SP). “A mãe, o bebê e o companheiro ou companheira são um núcleo familiar. Ambos os adultos precisam compartilhar as responsabilidades. É um contrato para a eternidade”, explica ela. O pai ou a outra mãe devem estar alinhados com a lactante, para apoiar, fortalecer, fazer o que for necessário para manter o aleitamento de maneira tranquila e saudável. “Esse(a) parceiro(a) ainda pode funcionar como um filtro para os palpites, para as visitas…”, indica. Ou seja, uma barreira para que a mãe não tenha que lidar com estresses desnecessários, quando a prioridade é outra.

A companhia também é importante. “Quando o pai volta a trabalhar, principalmente com a licença-paternidade curtíssima, na maioria dos casos aqui no Brasil, a mãe se sente ainda mais sozinha, sente falta de uma conversa adulta. O(a) parceiro(a) tem o papel de estar ali, de perguntar não só do bebê, mas da mãe, de ouvi-la, de falar de outros assuntos”, recomenda a psicóloga perinatal.

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Além disso, é importante ressaltar que a chegada do bebê traz muito mais responsabilidades do que apenas o aleitamento. “Tem as trocas, o banho, o sono. Isso sem falar nas demandas com a vida cotidiana, que seguem existindo: comida, roupa, arrumação da casa. Tudo isso pode e deve ser feito por quem está ao redor da pessoa que amamenta. O parceiro ou parceira não é rede de apoio, mas sim parte participativa do processo”, afirma Fernanda.

A rede de apoio também é essencial para o estabelecimento e para a continuidade da amamentação. “Composta por avós, tios, amigos, família estendida e profissionais de saúde, entre outros, é como se fossem braços que abraçam essa família em construção e podem servir de sustentação para que esse pequeno núcleo que está se formando tenha mais suporte e passe por isso com mais leveza”, diz a psicóloga. Associadas a isso, ela cita como essenciais as garantias sociais: emprego, licença remunerada, moradia, segurança alimentar, saúde, educação, entre outras. “Tudo isso também deve entrar para apoiar a pessoa que amamenta. Sem direitos não há amamentação possível”, diz.

Profissionais de saúde são importantíssimos quando falamos de apoio à amamentação. Infelizmente, diversas famílias não têm acesso à assistência de qualidade e muitos pediatras, obstetras e enfermeiros não estão atualizados com as boas práticas em prol do aleitamento materno. “Quando o profissional orienta fórmula como primeira e/ou única opção, não lança mão de parcerias com outros profissionais, não considera o desejo da família nas orientações, não oferece possibilidades de escolha. Há grandes chances de que a família não esteja recebendo o cuidado mais adequado”, aponta Tiacuã. A recomendação, portanto, seria, se possível, buscar novas opiniões, inclusive de consultoras de amamentação e em bancos de leite.

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Os sinais de alerta

Tristeza, frustração e até raiva. Será que é normal ter esses sentimentos em um momento que deveria ser tão pleno como aquele em que você segura seu recém-nascido nos braços e o amamenta? “Muito normal”, tranquiliza Fernanda. “É normal ter qualquer sentimento em relação a tudo: ao filho, à amamentação, ao relacionamento, ao trabalho… É normal, esperado e, mais do que isso, é bonito! Quer coisa mais linda do que a ambivalência afetiva que nos faz humanos, cheios de contradições? Pessoas são feitas disso. E mães são pessoas! Apesar de quererem nos encaixotar como coisas inanimadas”, comenta. Por isso, respire e acolha suas emoções!

E quando esses sentimentos saem de controle? Como saber se continuam sendo esperados e normais ou se cruzaram uma linha tênue, sinalizando que você precisa de ajuda, como no caso de uma depressão pós-parto? “O que indica que algo está errado é justamente a falta dessa ambivalência afetiva. Quando tudo é ruim o tempo todo. Ou, pior ainda, a sensação de não ter nenhum prazer”, diz a psicóloga. O sentimento, segundo ela, é de um grande vazio, que se espalha e se manifesta em uma constante raiva ou em uma imensa apatia. “Geralmente, os cuidados com o bebê não são prejudicados. A pessoa consegue dar conta, mas carregando o peso desse vazio enorme e da falta de perspectiva e sentido”, resume. Coloque a culpa ou a vergonha de lado e busque ajuda!

Desmame: quando tudo chega ao fim

Outro ponto que mexe com o emocional de quem amamenta é o desmame, seja ele precoce ou depois de meses ou até de anos. “É o encerramento de um ciclo que não é fácil. Por mais que a mãe, às vezes, sinta que é o momento de parar, ela também sente dificuldade de se desconectar daquele vínculo. É preciso entender que existem outras formas de carinho e de nutrição emocional. Beijos, abraços, momentos juntos…”, explica a psicóloga perinatal Allana.

Embora o aleitamento materno seja uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) até 6 meses de forma exclusiva e até 2 anos ou mais de maneira complementar à alimentação, a decisão de quando parar deve partir da mãe e do bebê. “Não há data para encerrar a amamentação. Quem define isso é quem amamenta. Somos um país com índice de desmame por volta dos 54 dias de vida do bebê. Ou seja, bem pouco! Na maioria dos casos, não é uma escolha das famílias, mas sim a opção possível diante das condições sociais, que não garantem os direitos básicos a todos”, ressalta a especialista. Ou da falta de informação de qualidade. Ou da falta de apoio.

Amamentar não vai ser prazeroso o tempo todo. Não se cobre isso. Apesar dos desafios, no entanto, não há recompensa maior do que a saúde do seu bebê – e a sua também. Pense nisso e lembre-se sempre de que você não está sozinha!

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