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Amamentação em tandem: “Todo dia penso em desistir, mas escolho continuar”

Mayara Pereira é uma mãe que decidiu seguir com o aleitamento da filha mais velha quando a caçula nasceu - mesmo enfrentando vários obstáculos

Por Da Redação
Atualizado em 31 ago 2022, 15h23 - Publicado em 24 ago 2022, 11h37

Amamentar é um dos maiores presentes que uma mãe pode dar a um filho – e os efeitos duram a vida toda. Porém, esqueça as fotos lindas das redes sociais. A amamentação nem sempre é fácil. Aliás, na grande maioria das vezes, é uma tarefa desafiadora. Por isso, ao longo deste Agosto Dourado, como é conhecido o mês dedicado à conscientização sobre o aleitamento materno, traremos relatos de mulheres que passaram por dificuldades, mas, com informação e apoio, chegaram lá!

Ela lutou para conseguir amamentar a filha mais velha, que tinha refluxo, e decidiu continuar oferecendo o leite materno a ela quando a bebê mais nova chegou. Apesar dos vários desafios, como o cansaço e a luta que é administrar e equilibrar as necessidades físicas e emocionais das duas crianças e as dela própria, Mayara Pereira, de 31 anos, faz essa escolha todos os dias. Em um depoimento inspirador, ela fala um pouco de sua jornada com a amamentação em tandem de Amora, 3 anos, e Alicia, 9 meses.

“Tive bastante dificuldade para manter a amamentação da minha primeira filha. Ela tinha refluxo e, em consequência, ganhava pouco peso, tinha o crescimento mais lento. Por isso, sempre fui assediada com a questão da complementação com fórmula. 

Mudei três vezes de pediatra, porque ou falavam que meu leite era fraco ou me davam medicamentos. Tomei, por algum tempo, um remédio controlado famoso que serve para esquizofrenia, pois o efeito colateral dele era o aumento da produção do leite. O médico receitou porque achava que eu tinha pouco leite e que, por isso, minha filha não ganhava peso. Cheguei a tomá-lo por algum tempo, até que comecei a passar mal. Dava muito sono! No período em que eu tinha que ficar acordada para cuidar da bebê, só queria dormir. Aí, parei e mudei de novo de pediatra. Então, cheguei a essa profissional com quem estou hoje, que aceita um pouco mais minhas decisões e é um pouco mais amiga da amamentação.

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Até a gastroenterologista em que eu levava a Amora tive que mudar, porque ela já estava com o encaminhamento pronto para eu pegar a fórmula especial para bebês com refluxo. Achei muito tendencioso fazer a indicação assim, com pouco incentivo à amamentação. Mas conseguimos! Minha filha mais velha hoje tem 3 anos e é uma criança que já está dentro da curva de crescimento, mesmo sem a complementação. Foi uma insistência minha continuar assim.

Sempre digo que entendo quem não consegue manter o aleitamento materno, porque há esse assédio e ele é muito grande. Vários dos profissionais que deveriam apoiar a amamentação e incentivar aquela mãe acabam deixando-a insegura.

Tudo isso fazia com que eu me cobrasse bastante para seguir com a amamentação da minha filha. Então, quando engravidei, não quis tirar. Pensei: ‘Ah, ela pode largar sozinha. Dizem que até o gosto do leite muda. Ela não vai querer mais. Por que eu vou tirar isso da minha filha?’ Esse era o meu pensamento. Decidi continuar amamentando, mesmo com a gestação. Só que Amora não largou.

Aí, Alicia nasceu. Hoje, ela está com 9 meses e sigo amamentando as duas, o que é muito desafiador. No começo, era bem difícil, porque a Amora teve ciúmes do ‘mamá’ e do colo que eram dela. Quando ela chegava da escola, eu tinha que dar atenção e pegá-la primeiro, dar o peito para ela antes, mesmo sabendo que a Alicia era a que mais precisava. Passei a controlar o tempo da amamentação dela porque tive perturbação, especificamente com a Amora. De vez em quando, ainda tenho.

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Descobri que ‘isso tinha nome’ depois. Quando a Amora era recém-nascida, nas mamadas da madrugada, eu sentia um incômodo em um seio específico. A vontade era de tirá-la do peito. Parecia um ardor, uma repulsa do corpo. Mas não tinha nada. Eu passava pomada, achando que estava machucado, porém não estava. Durou um tempo – não lembro exatamente quanto -, e, assim como veio do nada, do nada parou. Depois, pesquisando, descobri que tinha nome.

[A perturbação na amamentação é quando a lactente apresenta um sentimento de agitação, raiva, aversão e necessidade de retirar o bebê do peito na hora.]

Faço alguns combinados com a Amora: dou o peito, coloco o despertador no celular ou acerto que vou contar o tempo com ela, para reduzir um pouco a perturbação para mim e também para que ela entenda que tem um período para mamar.

Mulher amamenta bebê coberta com uma manta
Mayara e a filha mais nova (Pri Albuquerque/Arquivo Pessoal)

No entanto, preciso tomar cuidado. Não posso, de forma alguma, falar que vou tirá-la do peito para pegar a irmã, porque se ela vê a Alicia chorando, aí, sim, quer ficar no peito, quer meu colo. Tenho todo um cuidado de negociar com ela.

Até coloco isso na terapia, porque não é fácil a amamentação em tandem com uma bebê tão grudada comigo, como é a Amora. A Alicia acaba não me dando tanto trabalho para gerir tudo isso quanto a mais velha. Então, fico nesse confronto. É delicado, porque não dá para exigir muita maturidade dela, que é um bebê também.

Todos os dias eu penso em desistir, mas todos os dias escolho continuar. Quem diz que a amamentação é comercial de margarina não sabe como é, na real. Mesmo quando era só a Amora não era fácil, porque foi preciso resistência para continuar. Cheguei a ouvir que era melhor ter um bebê alimentado do que amamentado. E pensei: ‘Nossa, será que estou privando minha filha de se alimentar, porque quero que ela seja amamentada?’ É muito cruel o que se faz com as mães.

Além disso, quando eu tinha só a mais velha, doava leite. Com a pandemia, não mandava mais leite para a escola, já que ela ficava em casa, então, tirava e doava para o banco de leite do Hospital Cachoeirinha [na zona norte de São Paulo]. Depois que a Alicia nasceu, voltei a doar, porque eu tinha uma produção maior do que a demanda delas. Tinha duas estimulando e a Alicia ainda não mamava tanto. Dei uma pausa agora, pois estou mandando para a escola da caçula, mas tenho o cadastro salvo. Sempre que sobra ou que consigo tirar um pouco mais, separo para doar. É importante também.”

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Amamentação em tandem: quais os cuidados?

A palavra “tandem” vem do latim e significa “associação”. É usada para nomear, por exemplo, aquela bicicleta em que duas pessoas pedalam simultaneamente. Já viu? Pois é! E esse termo também é utilizado para classificar a amamentação da mesma lactante a dois filhos de idades distintas – como no caso de Mayara. Não é uma escolha fácil e quem deve fazê-la é a pessoa que amamenta.

“Tudo o que diz respeito à amamentação diz respeito à lactante e aos seus bebês. Então, a primeira coisa é que exista essa vontade de amamentar em tandem”, ressalta a pediatra Renata Cavalcante Kuhn dos Santos, do espaço multidisciplinar de saúde Casa Moara (SP). “O papel do pediatra é dar informação. O profissional de saúde não deve contraindicar, mas dizer que, sim, pode continuar, dependendo da realidade e da vontade dessa lactante”, pontua.

A especialista explica que, quando a mulher engravida novamente, a mama e a produção de leite se moldam às necessidades do bebê que vai nascer. “Durante a gestação, já ocorrem inúmeras mudanças nesse leite. Até o bebê mais velho sente a diferença de sabor. Passa a não ser um leite tão volumoso, conforme o decorrer das semanas, mas continua tendo todos os benefícios nutricionais e emocionais”, diz a médica.

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“Quando o caçula nasce, a mama o prioriza e, novamente, passa por todas as fases, exatamente como na primeira lactação: produção de colostro, apojadura… Dependendo da faixa etária da criança mais velha, ela terá uma necessidade específica. Se estiver predominantemente em aleitamento materno, além dos sólidos, é preciso ter um acompanhamento mais de perto. Se é uma criança mais velha, que tem um repertório nutricional maior e não está mais no aleitamento predominante, há outras fontes de cálcio. Tende a ser um pouco mais tranquilo”, afirma ela. “Já o bebê que acabou de nascer tem aquele leite materno como fonte exclusiva de nutrição. Desse ponto de vista, ele deve ser priorizado na amamentação”.

Amamentar em tandem é um grande desafio para a pessoa que amamenta e é ela quem deve escolher o que funciona ou não. “É ela quem decide se vai continuar amamentando o mais velho em livre demanda também ou se vai combinar certos horários, só para o sono ou só em casa”, exemplifica. É a lactante quem avalia, de acordo com seu desejo e suas possibilidades, quando e como desmamar a criança mais velha, levando em conta ainda os fatores emocionais – os dela e os das crianças.

O significado da amamentação começa a ser muito maior do que apenas nutritivo para a criança mais velha. E tudo bem, depois que o bebê nasceu, o mais velho querer mamar para se conectar à mãe. Existem várias formas de conexão e a amamentação é uma delas. Se a mãe estiver bem com isso, não tem problema. Se ela não estiver bem com isso, existem outras maneiras. O modo como ela vai fazer esse desmame gradual, esse limite da amamentação do mais velho, é algo muito pessoal”, aponta.

De qualquer forma, a mãe que amamenta em tandem (assim como a mãe que amamenta um único bebê ou múltiplos, por exemplo) vai necessitar de muita rede de apoio. “As pessoas ao redor devem ajudar e servir aquela lactante para que ela dê conta da necessidade do bebê ou dos bebês. O entorno precisa assegurar que não seja apenas atribuição dela fazer com que o aleitamento aconteça. O desgaste vai ser muito maior se a pessoa que amamenta estiver sozinha no processo”, completa a especialista.

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