Casos de sarampo, doença infecciosa aguda causada por vírus e bastante comum na infância, têm aumentado no Brasil neste ano, o que preocupa bastante os especialistas. Os mais recentes foram dois casos confirmados em São Paulo e outros 24 em análise pela Secretaria Municipal de Saúde. Paraná, Ceará e Bahia também registraram pacientes sob investigação.
Por ser transmissível geralmente através da tosse, espirros, fala ou respiração, por gotículas contendo partículas virais que permanecem em suspensão no ar em ambientes fechados, o médico e psicólogo Roberto Debski enxerga o sarampo como uma doença bastante contagiosa. Graças à vacinação, porém, no ano de 2016, o país tinha recebido a certificação de país livre da doença, conferido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS).
O que mudou de lá para cá, então? A pediatra Márcia Yamamura conta que, em 2019, o Brasil perdeu essa certificação de eliminação do sarampo conquistada três anos antes, muito por conta de uma cobertura vacinal baixa combinada ao intenso movimento de pessoas não-vacinadas ao país. Ou seja, migrações e a presença de casos vindos de outras regiões, junto com a ausência da vacinação por parte da população, acarretaram na reintrodução do vírus por aqui.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, somente 75% das crianças que deveriam ter sido imunizadas o foram em 2021, sendo que a meta almejada de cobertura vacinal, capaz de proteger também aqueles que não foram e não podem ser vacinados por outros motivos, é de 95%.
Sintomas, complicações e grupos de risco do sarampo
Estima-se que uma só pessoa infectada pelo sarampo seja capaz de transmitir a doença para 90% dos indivíduos próximos a ela (que não possuam a imunidade), ainda mais em ambientes fechados.
Apesar de a susceptibilidade do sarampo ser geral, ou seja, capaz de acometer adultos e crianças, Roberto ressalta que os principais grupos de risco são bebês de cerca de seis meses até adultos na faixa dos 30 a 40 anos de idade – entre eles, trabalhadores que possuem contato frequente com indivíduos estrangeiros vindos de países que não possuem uma política efetiva de controle da doença, como os que atuam em portos, aeroportos e no setor de hotelaria, estão ainda mais expostos.
Quando uma pessoa é acometida pelo sarampo, complementa o médico, em geral ela apresenta sintomas como:
- tosse e febre persistentes;
- vermelhidão e irritação nos olhos;
- corrimento nasal ou congestão nasal;
- mal estar intenso.
Os sintomas são inespecíficos, mas entre 3 e 5 dias após o quadro inicial podem resultar também em manchas vermelhas no rosto, que progridem para o resto do corpo, em direção aos pés, e permanecem por, pelo menos, três dias.
Ambos os profissionais afirmam que, geralmente, a evolução do sarampo é benigna, mas que a persistência da febre, ainda mais em crianças menores de cinco anos de idade, pode representar um sinal de alerta para possíveis complicações.
Nos casos em que o sarampo evolui, pode causar infecção nos ouvidos (otite), convulsões, lesões e inflamações no cérebro (encefalite aguda) e, até mesmo, a morte. Em geral, isso ocorre em pessoas desnutridas, recém-nascidos, gestantes e portadores de imunodeficiências. Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou 110 mil mortes relacionados ao sarampo, sendo que a maioria dos casos foram em crianças com menos de 5 anos.
O que resultou na queda da cobertura vacinal
Antes de mais nada, e considerando os tempos em que vivemos, é preciso ressaltar que a vacinação é a forma mais efetiva de proteção contra diversas doenças, incluindo o sarampo. Para Roberto, a prevenção das doenças e a promoção da saúde deveriam ser sempre prioridade dentro da medicina, já que são mais efetivas e menos onerosas, ajudam a melhorar os indicadores de saúde e, principalmente, salvam vidas.
Dito isso, na opinião dos profissionais, são diversos os motivos que fizeram com que a cobertura vacinal geral caísse no Brasil. Para Márcia, a queda dos casos de sarampo no passado gerou uma espécie de falsa confiança por parte da população, que acreditou que o vírus não era mais uma ameaça atual. Com isso, o comportamento de parte da sociedade foi de achar a vacina desnecessária.
Além disso, as informações enganosas e/ou de baixa qualidade (ou fake news), facilmente acessíveis nas redes sociais, bem como os movimentos antivacina que ganharam força nos últimos anos, também contribuem para a confusão e disseminação do medo em relação aos imunizantes.
“O período de pandemia do Covid-19 que temos vivenciado nos dois últimos anos trouxe o grande foco de preocupação para esta doença, com um desvio da atenção para as demais, que saíram das famílias e da sociedade. Também houve muitas discussões, polarizações e politização das vacinas, o que tem contribuído para uma falsa imagem e percepção de risco, não só para a Covid, mas também outras”, aponta Roberto.
Medidas para reverter o quadro
Para reverter o problema do sarampo é fundamental que haja uma maior conscientização dos responsáveis e famílias sobre a importância de seguirem o calendário vacinal do PNI (Programa Nacional de Imunização). Somente assim crianças, adultos e idosos serão completamente protegidos contra o sarampo e demais doenças infecciosas que possuem vacinas.
As campanhas de vacinação feitas pelo Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de saúde e demais órgãos competentes também auxiliam na educação e conscientização da população, assim como a orientação de médicos, pediatras, infectologistas e clínicos durante consultas, acompanhamentos e tratamentos. Fomentar ações de prevenção de doenças e de promoção de saúde por meio dos programas de Atenção Primária Básica à Saúde, sugere Roberto, também ajudam, e muito.
“Deve-se demonstrar que a vacinação ao longo das décadas contribuiu para reduzir os índices de morbidade e mortalidade de diversas doenças, e que essas ações devem ser mantidas e reforçadas, sempre com transparência e confiabilidade na comunicação, além do investimento dos órgãos responsáveis no fortalecimento do Programa Nacional de Imunização para prover uma entrega eficaz e de qualidade das vacinas”, frisa.
Como funciona a vacinação contra o Sarampo
Parte do calendário vacinal básico preconizado pelo Ministério da Saúde, a vacina contra o sarampo é distribuída pelo SUS para indivíduos de 1 a 59 anos de idade, e está disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e nas Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs). A Sociedade Brasileira de Imunizações considera a proteção contra sarampo para quem tomou duas doses ao longo da vida, e tudo precisa estar documentado no cartão vacinal.
Há duas vacinas combinadas que protegem contra o sarampo: a Tríplice viral, que protege contra os vírus do sarampo, caxumba e rubéola, e a Tetra viral, que protege contra os vírus do sarampo, caxumba, rubéola e varicela (catapora).
O esquema de doses funciona desta forma:
- Para bebês, a 1ª dose é ministrada aos 12 meses, e a 2ª dose aos 15 meses, quando é utilizada a vacina combinada à dose contra a varicela [tetraviral: SCR-V];
- Para crianças mais velhas, adolescentes e adultos até 29 anos não-vacinados ou sem comprovação, recomendam-se duas doses, com intervalo mínimo de 30 dias entre elas;
- Em indivíduos entre 30 a 59 anos, apenas uma dose é necessária, caso a pessoa nunca tenha sido vacinada anteriormente;
- Se a pessoa já foi vacinada apenas com 1 dose, completa-se a outra dose;
- Caso a pessoa não se lembre de ter tomado a vacina ou não, a orientação é de realizar as 2 doses;
- Quem já teve sarampo, com diagnóstico confirmado, é considerado imune;
- Recomenda-se um prazo de 30 dias após a vacina do sarampo para engravidar.
A vacina é contraindicada durante a gestação e para quem tem alergia a algum componente presente na fórmula, bem como para imunodeficientes, como os pacientes portadores do vírus HIV.
Em 2022, diz a médica, o Ministério da Saúde promove também a campanha de vacinação contra a gripe, mas pretende continuar reforçando a vacinação do sarampo em todas as crianças. Desta forma, o órgão sugere que sejam realizadas as vacinações de gripe e sarampo durante a mesma ida ao posto de saúde, a fim de otimizar e garantir a cobertura vacinal contra o sarampo.
Além disso, quando o assunto é Covid-19, crianças acima de 12 anos podem ser vacinadas contra o sarampo e a Covid simultaneamente. Já para crianças entre 5 a 11 anos que possuam alguma doença, imunodeficiência ou façam parte de comunidades indígenas, é recomendado esperar um intervalo de 15 dias entre uma vacina e outra (sarampo e covid), sendo priorizada a vacinação contra o coronavírus.