Continua após publicidade

Relato de parto natural e humanizado: como é dar à luz aos 44 anos

A bebê de Célia Berlim nasceu de forma humanizada por via vaginal: “Queria garantir que não sofreríamos nenhuma intervenção desnecessária”

Por Isabelle Aradzenka
Atualizado em 12 Maio 2023, 19h20 - Publicado em 12 Maio 2023, 16h46

Por ano, apenas 3% dos nascimentos no Brasil são de partos com mulheres entre 40 e 44 anos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dentro desse grupo, encontra-se Célia Berlim. Mãe aos 44, a empresária e professora de yoga deu à luz Nina em agosto de 2022. O parto natural e humanizado aconteceu depois de três perdas gestacionais, idas e vindas a hospitais, procedimentos de curetagem e comentários duros que, em sua maioria, faziam com que ela se sentisse ainda pior. A seguir, a mãe narra a experiência de trazer a filha ao mundo, o que modificou as “bases, valores e crenças” que tinha.

Tudo começou em 2016, com uma perda gestacional. Até então, eu não pensava em ser mãe e, honestamente, acreditava que a maternidade não era para mim. Mas passei a viver com esse desejo guardado a sete chaves. Foram anos de luto, tentando seguir em frente.

No período da pandemia, eu e meu marido, Derik, resolvemos deixar a vida correr solta e sem pressão. O resultado foram mais duas gestações que, por razões aleatórias, não seguiram adiante. Passaram-se 10 meses para que eu pudesse ressignificar os acontecimentos e acreditar que, se houvesse uma nova tentativa, daria certo. O sentimento de ser mãe gritava dentro de mim e, apesar do medo inicial, pois já estava com 43 anos, minha intuição dizia: ‘Vá em frente, você consegue!’

E foi assim. Em uma quarta-feira, antes do Natal de 2021, descobri a gravidez. Que misto de emoções! Os três primeiros meses foram de expectativa, medo, ansiedade, sono e muito otimismo. Os resultados dos exames se mostraram ótimos e, a partir de então, relaxei e pude concentrar minha energia em gerar o serzinho que habitava meu corpo.

Célia Berlim grávida andando na praia ao lado de cachorro
(Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

Humanização tem a ver com respeito

Na contramão da sociedade, meu pensamento era de resgatar o dom e o poder de parir como mulher, de escolher como minha filha chegaria ao mundo e de romper com o ciclo de cesáreas e de violências obstétricas que minha mãe vivenciou – e que perdura até hoje. Me tornei uma leoa forte, autoconfiante e determinada a ter um parto natural e humanizado.

Ouvia tantos absurdos! Escutei de um médico, em sua fala preconceituosa, que o que eu desejava era parir como uma ‘índia’ e que, na minha idade, a menos que eu fosse atleta, meu quadril não se moveria para minha filha passar.

Continua após a publicidade

“É impressionante como as pessoas se sentem à vontade para palpitar e invadir sua privacidade durante a gestação! Parece que você vira um bem público.”

No meu íntimo, tudo isso me fortalecia. Eu dizia a mim mesma: ‘Quero, sim, sentir a dor de cada contração e ir a fundo no meu ser’. Humanização tem a ver com respeito, acolhimento, empatia, cuidado e amor. É um resgate das raízes como mulher e do poder sagrado de gerar e de parir.

Busquei informação para proteger a mim e a minha filha, e garantir que não sofreríamos nenhuma intervenção desnecessária. Contratei uma doula, a Natália Pucci, que me acompanhou em tempo integral.

Conversei com amigas que haviam dado à luz, troquei de médico, fiz leituras e vi vídeos sobre gestação, parto, puerpério, primeiro ano de um bebê, realizei cursos online sobre humanização, fiz fisioterapia pélvica, spininng babies [exercícios específicos para a gravidez], yoga, funcional, trabalhei normalmente, namorei e me movimentei muito.

Quando completei 40 semanas de gestação, escrevi uma carta para minha filha e li para ela. Passei a noite chorando de emoção e me despedindo da barriga. Estava grata por aquela experiência.

Continua após a publicidade

O grande dia

Durante a gravidez, fui bastante ativa. Senti necessidade de me recolher apenas no oitavo mês – eu já estava bem pesada e com contrações de treinamento recorrentes. Nos últimos dias, os pródromos [contrações que podem indicar que o parto está chegando] vieram com tudo e meu tampão se soltou. Eu já estava com 4 centímetros de dilatação e sabia que, dali para a frente, entraria na ‘partolândia’.

Às 3h, na madrugada de 28 de agosto de 2022, a bolsa estourou e comecei a sentir as dores do parto. Foi tudo muito rápido, as contrações eram frequentes. Fiquei mais de uma hora no chuveiro com água quente nas costas, buscando relaxar. Estava difícil sair dali e eu já não conseguia mais ficar em pé. Permaneci jogada no banheiro da casa, nua, molhada, vendo o dia clarear e urrando como uma loba. Tempos depois, soube que havia acordado toda a vizinhança.

Natália, que já acompanhava tudo, chegou à minha casa antes das 7h e, como eu estava em trabalho de parto ativo, fomos para a Casa Cria de Parto, onde optamos por receber Nina. Lá, desmoronei nos braços das obstetrizes Letícia e Cibele. Não tivemos muito tempo para preparar a piscina ou para curtir o clima. As contrações estavam mais frequentes, a ocitocina havia tomado conta de mim e os batimentos da Nina estavam demorando para se regularizar após cada contração.

Célia abraçada com seu marido durante o parto
(Flávia Jacob / Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

Havia uma preocupação no ar. Letícia falava: ‘Nina precisa nascer agora. Não podemos esperar! Na próxima onda, faça a maior força que puder’. Eu estava mergulhada em mim e no parto. Parecia que um filme passava na minha frente. As falas, a agitação… Nada me abalava.

“Fui para outro estado de consciência. Eu estava na ‘partolândia’ e nada me tiraria o foco.”

Continua após a publicidade

Com muita calma, Letícia disse que tentariam mais um pouco. Caso Nina não nascesse, teríamos que ir para o plano B. E assim fizemos. Às 9h, chegamos ao Hospital Sepaco e a doutora Gláucia, obstetra do Coletivo Nascer, estava à nossa espera. Logo depois, a doutora Tiacuã, a pediatra, juntou-se ao grupo.

Célia em trabalho de parto no banco de trás do carro enquanto o seu marido dirige
(Flávia Jacob / Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

Tudo recomeçou. Ondas e mais ondas de contrações. A cada esforço, eu gritava: ‘Vem, Nina’! A cabecinha dela despontava, mas nada de descer. Não havia mais como esperar. Eu estava esgotada. Àquela altura, não podia ser anestesiada, pois isso atrasaria ainda mais o parto.

Doutora Gláucia me mostrou que Nina já estava a caminho e me guiou para senti-la com minha própria mão. Ela estava chegando, mas precisava de ajuda para nascer rapidamente. Com cuidado, carinho e maestria, a médica pediu autorização para ajudar minha filha a completar seu curso. Ela encaixou o vácuo [extrator] na cabeça da bebê e combinamos que, na contração seguinte, faríamos um trabalho em conjunto.

Dé me abraçava e segurava meu corpo por trás. Eu puxava um pano de um lado e a Nati do outro. Doutora Gláucia ajudava enquanto eu fazia a maior força que podia, e que nem imaginava ter! Naquela contração, às 10h40 de um domingo ensolarado, o parto foi coroado. Nina nasceu maravilhosa, com 47,5 centímetros e 2,985 quilos. Plena de saúde, esperta e olhando nos meus olhos. Foi das mãos da médica para as do pai e, depois, para mim. 

Célia Berlim e seu marido após o parto segurando Nina recém-nascida
(Flávia Jacob / Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

Graças a todas essas mulheres, minha filha nasceu em tempo, com carinho, respeito e acolhimento. Senti nelas uma força e uma união tão grandes que, apesar da dor, da exaustão e do plano B ter sido acionado, eu era apenas amor e gratidão. Nos abraçamos e choramos juntas.

Continua após a publicidade

“Não foi sofrido ou torturante. Eu estava em um ambiente seguro, com pessoas amorosas.”

Nina mobilizou em mim uma força e uma coragem que chegam a beirar a transgressão. As dores foram intensas, mas eu sabia que era através delas que viveria o maior amor da minha vida. Eu estava feliz, radiante e profundamente mergulhada nessa experiência divina que é poder gerar e parir um pequeno ser humano.

Tenho um sentimento genuíno de que tudo o que vivi até aquele momento foi apenas uma preparação para ser a mãe da Nina. A maternidade é a maior escola de autoconhecimento.”

Célia, seu marido e a equipe médica após o parto
(Flávia Jacob / Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

Parto vaginal após os 40 anos

O parto normal, em si, não apresenta risco aumentado às gestantes com 40 anos ou mais. “A idade, sozinha, não é indicativa de cesariana. Mulheres que estão com a gestação saudável podem seguramente ter parto vaginal”, explica Rômulo Negrini, coordenador médico da obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein. 

A questão da faixa etária é, na verdade, um fator de risco isolado para a gravidez, associando-se ao aumento das chances de aparecimento de doenças (pressão alta e diabetes, por exemplo), e de complicações, como pré-eclâmpsia.

Continua após a publicidade

São as condições clínicas e obstétricas descompensadas que podem levar à antecipação do parto e à indicação de cesariana. “Como as mães acima dos 40 anos estão mais suscetíveis a isso, elas acabam sendo mais submetidas ao parto cirúrgico”, diz o obstetra. No Brasil, 55% de todos os nascimentos são através de cesáreas, a segunda maior taxa do mundo, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Célia não desejava fazer parte dessa estatística, pelo menos não como acontece com tantas mulheres, vítimas de desinformação sobre o assunto. A decisão de como a filha chegaria ao mundo se tornou uma escolha poderosa para ela, assim como garantir que sua vontade seria ouvida: “Queria buscar a força das minhas ancestrais e honrá-las.”

Célia e Nina abraçadas em um parque
(Célia Berlim/Arquivo Pessoal)

REVISTA DIGITAL BEBÊ

Para celebrar o mês das mães, Bebê acaba de lançar o primeiro número de sua revista digital. A publicação será trimestral e, como parte desse momento especial, nossa matéria de capa traz uma linda entrevista com Morgana Secco, mãe de Alice, a menina famosa por falar as palavras difíceis, e da pequena Julia. A conversa aborda temas como a exposição nas redes sociais, a maternidade, e os caminhos que ela e o marido, Luiz Schiller, encontram para ajudar as filhas a criar suas próprias histórias.

Além do relato de parto, a edição conta também com uma reportagem completa sobre os cuidados essenciais com os recém-nascidos no inverno e uma matéria sobre a importância da educação antirracista. Por fim, Tainá Goulart estreia a coluna Diálogos de uma Mãe Solo, e você ainda encontra um guia cheio de dicas para escolher sua babá eletrônica (com opções de compra).

A edição número 1 da revista digital de Bebê está disponível no GoRead, acesse aqui!

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade