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Como explicar o abandono paterno para crianças

Honestidade, acolhimento e muita conversa são capazes de tornar o luto do abandono um processo menos complicado.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 13 abr 2022, 15h36 - Publicado em 13 abr 2022, 11h56
Menina sentada sozinha vendo janela
 (Catherine Falls Commercial/Getty Images)
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Triste realidade não só no Brasil, mas em escala global, o abandono paterno é uma questão que atinge famílias e, se não trabalhado, pode despertar sobrecarga e sentimentos de culpa na mãe que se torna solo – são 12 milhões de mulheres nesta situação no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, e na criança, que pode sentir impactos da ausência do pai inclusive na vida adulta.

É importante salientar, porém, que crianças são diferentes, complexas e frente a uma situação de abandono paterno podem agir de múltiplas formas – considerando, principalmente, a faixa etária e a compreensão que ela é capaz de ter da situação. O ambiente familiar e escolar no qual estão inseridos também influenciam a reação dos pequenos, bem como o apoio (ou ausência dele) dos demais membros da família e amigos próximos.

Meliane Gomes Lima, psicóloga da Vibe Saúde, explica que, geralmente, a partir dos seis anos de idade as crianças começam a ter maior extensão do vocabulário, o que por consequência contribui para o conhecimento diante de algumas situações mais complexas. Ela ressalta que a idade para entender uma situação da dimensão do abandono paterno vai variar de criança para criança, e está ligada diretamente ao desenvolvimento cognitivo. Identificar o momento para falar com ela sobre o abandono, então, é responsabilidade do tutor da criança, junto com a equipe profissional que a acompanha.

Já Eloize Franco, psicóloga e coordenadora da clínica multidisciplinar Arte Psico, diz que a partir dos dois a três anos de idade a criança já é capaz de compreender o meio em que vive e, portanto, é possível orientá-la sobre o abandono, desde que a família atue de acordo com as limitações que ela naturalmente apresenta.

Cuidado para não transferir a culpa para a criança

Com a questão da idade em mente, explicar para a criança sobre o abandono paterno, de maneira honesta, é fundamental para que ela possa começar a compreender a realidade dentro dela. As especialistas orientam a importância de, neste caso, sinalizar para a criança que a culpa não é dela.

“Fazer uso de palavras claras para a fase na qual a criança está inserida será de extrema importância. É comum que elas já verbalizem sentimentos de rejeição, mesmo que de maneira infantilizada, ao apresentar ciúmes excessivo, insegurança, instabilidade de humor e carência intensa – tudo de acordo com a faixa etária”, exemplifica Meliane, ao recomendar, ainda, que, quando conversar com o pequeno sobre o abandono, a pessoa responsável explique que, apesar da tristeza e dor que vêm com os fatos, há também outras fontes de amor e carinho dentro do próprio ambiente familiar.

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Eloize sugere um diálogo pautado pela honestidade, explicando de maneira clara ao pequeno sobre o contexto no qual ele está inserido e que a relação que ele tinha com o pai não será mais a mesma, mas que isso não precisa, necessariamente, ser algo ruim.

Não alimente fantasias ou falsas promessas

Crianças, naturalmente, tendem a fantasiar situações, como de que o pai irá voltar. Apesar de ser difícil, nestes casos, é essencial que a mãe sinalize os acontecimentos reais de sua vida e sempre responda a todas as dúvidas do pequeno com sinceridade e sem necessidade de crueldade ou fantasia.

Evite falar que o pai viajou, que foi embora por motivos de trabalho ou que ele “já volta”, por exemplo. Tudo isso, frisa Meliane, tende a criar expectativas vazias na criança, o que contribui para um aumento da ansiedade e das frustrações, já que o retorno não vai acontecer. O caminho, então, é intervir de forma calma e acolhedora, mencionando que a pessoa escolheu ir.

“Não manter o contato direto poderá ser uma alternativa que vai amenizar o sofrimento e a ansiedade contínuos. Claro, tal ‘regra’ sempre vai variar de pessoa para pessoa e, por esse motivo, é válido ter o acompanhamento de um profissional de saúde mental para viabilizar a maneira a qual será feita essa comunicação”, complementa.

Os demais membros da família são igualmente importantes no processo

Para que a criança não sofra ainda mais, familiares e amigos próximos da família, além da mãe, devem atuar no processo do abandono promovendo acolhimento, escuta, respondendo dúvidas – desde que todos na família digam a verdade e com falas similares – e, principalmente, respeitando os sentimentos da criança, instrui Eloize.

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“Eles também podem ajudar a criança criando oportunidades para que ela possa socializar, isto é, por exemplo, ao levá-la para passeios nos quais ela possa interagir com outras crianças. A família deve, ainda, ser uma rede de apoio para as mães, auxiliando nos cuidados e no desenvolvimento do pequeno”, diz a psicóloga, ao enfatizar, igualmente, o papel de bastante importância dos demais homens da família: pode ser que a criança tenha identificação com tios avós, irmãos ou primos e, por conta disso, eles devem ser bons exemplos.

familia reunida em torno de bebê
(10'000 Hours/Getty Images)

Ser um bom ouvinte e, obviamente, não fazer bullying ou piadas que contribuam para o trauma da criança frente ao abandono paterno, fala Meliane, é extremamente significativo. O papel da família será importante para que essa criança perceba que o ambiente familiar é seguro, e que ela está rodeada de proteção, amor e compreensão.

“A partir destas ações essa criança irá visualizar uma família participativa, e vai entender que ela poderá ter confiança em seus familiares diante de diversas situações as quais, inconscientemente, poderá ser exigida a figura paterna, que estará ausente”, explica.

Observe possíveis mudanças de comportamento 

Como já dito, cada criança é de um jeito, ou seja, elas podem apresentar reações variadas diante do abandono paterno. Algumas, diz Eloize, podem simplesmente não apresentar problemas comportamentais, enquanto outras podem se tornar mais agressivas, perguntar de forma insistente sobre o pai, fantasiar com a figura paterna, apresentar problemas como isolamento, dificuldades na escola, baixa autoestima, medos excessivos, inseguranças e, ainda, falta de confiança em outras pessoas.

É comum que as mudanças de comportamento sejam detectadas, a princípio, no ambiente escolar, o que pode desencadear, também, perda de foco nas aulas e baixo rendimento. Crises de ansiedade, irritabilidade e perda do apetite, enumera Meliane, são aspectos preocupantes.

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Busque ajuda profissional

Ao notar qualquer um dos sinais apresentados acima, dizem as psicólogas, o adulto responsável pela criança deve procurar ajuda profissional. Caso ela frequente a escola, é importante que a família pergunte à coordenação se alguma mudança ou alteração de comportamento foi observada desde que o abandono aconteceu.

Porém, exatamente por não ser possível prever qual será a reação da criança ao passar pelo abandono paterno, é recomendado que o auxílio psicológico seja buscado assim que a situação ocorrer. Quanto antes a criança tiver o amparo de um especialista adequado e começar a trabalha as emoções de maneira correta, opina Meliane, menor será o prejuízo para ela diante das consequências do abandono, muitas vezes inevitáveis. Reforçamos, aqui, a importância de um profissional especializado em crianças.

Mãe,filho e terapeuta
(EF Volart/Getty Images)

Além do auxílio psicológico para a criança, muitas vezes é crucial que a mãe também procure por ajuda, principalmente na intenção de trabalhar a culpa materna e a sobrecarga após o abandono. Para Meliane, a culpa é um sentimento que passa a ser alimentado de acordo com o contexto de vida de cada pessoa, e ter uma visão clara do que ocorreu, com acompanhamento profissional, será fundamental diante do processo de luto.

“É importante que as mães, em um primeiro momento, reconheçam que a culpa não é delas, mas sim da figura paterna em questão. Para isso, uma rede de apoio que a mãe confia e que vai auxiliar no desenvolvimento da criança é de extrema importância, mas se o sentimento persistir é preciso procurar ajuda psicológica”, complementa Eloize.

O foco é na criança!

Para além da terapia, propõe Meliane, estabelecer uma forte comunicação familiar, além de respeitar o luto do abandono que a criança está vivendo é importante, assim como reforçar seu convívio social com familiares e amigos, deixando que ela adquira confiança, que deve ser fortalecida sempre que possível. É normal que esta seja uma época de autodescobertas e de enfrentamento, e mostrar apoio emocional é essencial – caso precise de ajuda para tal, recorra ao terapeuta para alinhar, junto com ele, possíveis meios de lidar com a situação para a criança, de acordo com a cognição dela.

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As mães podem passar segurança e limites aos filhos, diz Eloize, e isso é possível ao dar bons exemplos e reforçar comportamentos positivos: fale sobre as qualidades da criança e suas habilidades, e mostra que existem outras pessoas na família – tios, avós, irmãos, primos – que também a amam muito. Nessas horas o foco atencional deve ser todo na criança.

Por fim, do mesmo modo, livros didáticos e que tragam histórias sobre separação, desenhos e brincadeiras lúdicas com o tema familiar, desde que sempre trazendo contextos reais, conversas claras e objetivas, são recursos ricos.

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