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Como conversar com as crianças sobre câncer em pessoas próximas

Entenda como abordar o assunto com os pequenos, caso os pais, algum parente ou amigo receba o diagnóstico da doença.

Por Ketlyn Araujo
9 out 2021, 10h00
Ilustração de mãe e filho se abraçando
 (Ilustração: Johanna Svennberg/Getty Images)

Escutar o diagnóstico de um câncer costuma vir seguido de um baque. É preciso um tempo de internalização emocional, de entendimento da nova realidade do corpo e de ajustes para iniciar o tratamento. Foi o que aproximadamente 700 mil pessoas tiveram que passar ao receber o diagnóstico da doença no Brasil, segundo levantamento mais recente realizado pelo Instituto Oncoguia (SP), por meio de uma pesquisa feita em 2020 em parceria com a farmacêutica Roche.

O estudo concluiu, também, que por consequência da pandemia de covid-19, o número de diagnósticos da doença caiu no ano passado em comparação a 2019, o que não é necessariamente uma notícia boa. Na verdade, o dado mostra que, provavelmente, menos pessoas realizaram exames preventivos ou de rotina.

No mês mundial de conscientização do câncer de mama, conhecido como Outubro Rosa, a discussão se amplia e, apesar dos avanços da medicina com relação a tratamentos, alguns tipos de câncer ainda não tem cura, e continuam sendo uma triste realidade presente em muitas famílias

Em meio às mudanças na rotina, ao estresse generalizado e ao medo constante de um quadro evolutivo grave, muitos pais e cuidadores podem sentir certa dificuldade em falar sobre a doença oncológica com as crianças, caso um deles, um membro próximo da família ou um amiguinho/a do pequeno seja diagnosticado com câncer. As melhores formas de abordar o assunto, porém, dependem de fatores diversos.

Antes de falar com o pequeno, é importante trabalhar essa realidade dentro de você

“Quando a gente pensa em como contar para as crianças sobre o câncer, é muito importante perguntar para esses pais como que é a relação deles com a consciência de que a vida é feita de altos e baixos. Existe um caminho muito ‘natural’ de esconder a verdade quando o adulto está com dificuldade de olhar para a experiência da dor com olhos de realidade”, aponta Mariana Clark, psicóloga especializada em acolhimentos e perdas.

Portanto, antes de iniciar o diálogo, é essencial que o adulto dê a si mesmo um tempo para compreender os fatos, e não acabar transferindo os próprios medos e inseguranças para a criança. Muitas vezes, complementa a profissional, os pais ou cuidadores também acabam imaginando cenários equivocados, e transmiti-los ao pequenos pode ser apenas prejudicial.

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Cada criança vai compreender de uma maneira diferente

Caio Henrique Vianna Baptista, psicólogo e psico-oncologista integrante do Comitê Multidisciplinar do Instituto Vencer o Câncer, explica que, nos tempos atuais, é complexo dizer exatamente com qual idade a criança consegue compreender ou não a dimensão de uma doença como esta.

Isso porque, diz ele, quando falamos sobre crianças na atualidade, devemos levar em consideração a gama imensa de informações às quais elas têm acesso, bem como os diferentes estágios do desenvolvimento infantil. Hoje em dia, completa, as crianças têm sido expostas a uma série de estímulos, capazes de fazer com que elas desenvolvam a fala e a interpretação de forma mais acelerada do que as de 30, 40 anos atrás, por exemplo.

Ou seja, cada criança vai compreender a notícia de uma doença como o câncer de maneira diferente. As mais novas podem ter uma maior dificuldade de entendimento do fato, mas isso não significa que elas não conseguem perceber falas, entonações e semblantes de tristeza ou preocupação em seus pais ou cuidadores.

“Não há uma idade exata para a comunicação de uma notícia relacionada a um adoecimento, isso vai depender da compreensão da criança, da cultura do adoecimento no âmbito familiar, dos costumes e hábitos e, acima de tudo, da necessidade que a própria criança vai demonstrar para entender o câncer”, confirma ele.

Não podemos nos esquecer, acrescenta Mariana, de que muitos filmes e desenhos animados, bem como livros e jogos de videogame infantis aos quais os pequenos têm acesso, estão repletos de situações ligadas à morte, a doenças terminais e a personagens ou animais de estimação que têm problemas de saúde, e que isso, assim como o câncer na família, não deve ser escondido da criança na intenção de protegê-la.

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Mas há, sim, diferentes formas de abordar o assunto de acordo com a faixa etária

Mesmo que a compreensão do câncer não esteja conectada à faixa etária da criança, as maneiras de conduzir o diálogo sobre o assunto devem, sim, respeitar a idade e a maturidade do pequeno.

“Às vezes toda essa experiência pode ser um marco na vida da criança e, por isso, uma boa comunicação afetiva poderá ajudá-la a enfrentar melhor a questão junto da família. Vale o uso de bonecos e da contação de histórias, mas também o auxílio de psicólogos e, em alguns casos, dos professores”, exemplifica ele, ao destacar a importância do professor para ajudar na conversa quando os diagnósticos de câncer são dados em coleguinhas da escola.

Mãe e filha
(Cottonbro/Pexels)

“Muitas crianças (nesta idade) já têm mais repertório, contato com filmes, jogos e desenhos que trazem questões ligadas ao adoecimento e hospitalizações, bem como vivências de outras pessoas de seu círculo social que podem ter passado por uma doença oncológica”, fala o profissional, que ressalta uma particularidade: crianças mais velhas podem trazer perguntas mais específicas sobre sintomas, reações a tratamentos e até possíveis desfechos, como a cura ou a morte.

Assim, responder a todas as dúvidas da criança é essencial e, caso os pais ou cuidadores não saibam a resposta, o ideal é buscar informações corretas e o suporte de profissionais habilitados.

Opte sempre pela verdade

Não cair na tentação de mentir para a criança na intenção de protegê-la, como já dito, é essencial ao falar com ela sobre câncer. Quando oferecemos mentiras e silêncio para uma criança, diz Mariana, provavelmente vamos despertar nela sentimentos como desamparo e desconfiança. Já quando oferecemos verdade e escuta, ganhamos a validação em troca.

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Quanto mais verdade existir, e quanto maior for a facilidade do pequeno atravessar essa dor junto com a família, maior a possibilidade dele falar sobre suas emoções negativas ao longo da vida, continua a psicóloga.

“Uma conversa na linha do ‘sim, está difícil para a mamãe ver alguém com câncer na família, mas isso faz parte da vida e a gente vai ficar tristes juntos, vai honrar essa pessoa’, é um bom exemplo sobre como dialogar. Nós somos feitos de emoções positivas e negativas, e só trazendo a verdade para essas crianças que a gente vai conseguir educá-las emocionalmente”, reforça.

Caso os pais ou cuidadores tenham muita dificuldade em conversar sobre o câncer sem recorrer às mentiras ou omissões, a ajuda de profissionais qualificados e especializados em oncologia e pediatria é sempre bem-vinda, reafirma Caio.

Nós temos a ideia, complementa ele, de que o pequeno pode ficar ‘traumatizado’ ou sofrer em excesso por conta das questões relacionadas ao tratamento contra o câncer e, quando pensamos em um adulto em tratamento que tem uma criança em casa, a tendência é de que os demais membros da família escondam o fato na intenção de ‘poupar’ a criança.

“No entanto, nos esquecemos de que a criança tem a capacidade de compreensão e interpretação dos sinais emitidos por seus principais cuidadores, desde as pequenas expressões às drásticas mudanças na rotina. Vale pensar, diante disso, que o sofrimento da criança pode residir no fato de ela não saber o que realmente está acontecendo, que pode gerar estresse, ansiedade e angústia”.

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O melhor recurso é a presença

Pai e mãe abraçando criança
(Ketut Subiyanto/Pexels)

Caso o câncer ocorra em um dos principais tutores da criança, como pais ou cuidadores, o melhor meio para fazer com que ela não se sinta desamparada, sozinha ou tomada pelo medo é mostrar-se o mais presente possível, opina o psico-oncologista.

Isso porque, enfatiza, a doença e o tratamento não devem ser capazes de tirar os papeis de amor e afeto familiar, ela não isenta pais de serem pais – ou filhos de serem filhos. Portanto, mesmo neste cenário difícil, é fundamental que brincadeiras e momentos em família continuem existindo, com tempo de qualidade e atenção voltada para as relações.

Dessa forma, frisa o psicólogo, a criança tende a se sentir mais segura e fortalecida para enfrentar melhor o adoecimento de um dos pais. Padrinhos, avós, tios, tias e demais familiares, bem como membros da equipe escolar, também são figuras capazes de ajudar a criança a passar por isso de maneira mais saudável.

Busque por ajuda psicológica

Por fim, vale lembrar que recorrer a um profissional da psicologia é recomendado desde a descoberta do diagnóstico do câncer, já que o impacto emocional da notícia pode atingir a família de maneira global (incluindo o pequeno) – o tratamento psicoterápico é feito na intenção de evitar repercussões psicoemocionais negativas, diz Caio.

Mas, em um cenário no qual a terapia não é possível de imediato, alguns sinais podem indicar dificuldade de aceitação da criança frente à doença, bem como medo e angústia expressados de diferentes formas: comportamentos ligados à raiva, rebeldia, choro constante, apatia e isolamento social devem funcionar como alerta para o auxílio psicológico infantil.

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No mais, como já foi dito, a presença dos pais, o olhar atento, a sensibilidade e a verdade como base central podem ajudar todos a atravessarem este difícil momento. Juntos e de mãos dadas.

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