Crianças podem ter transtorno bipolar? Especialistas explicam!

Conversamos com profissionais da psiquiatria para responder, a seguir, às 7 principais questões quando o assunto é Bipolaridade infantil.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 23 jan 2023, 11h24 - Publicado em 30 mar 2022, 19h58
Blocos de madeira com rostinhos representando emoções com fundo azul
 (skodonnell/Getty Images)
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Cerca de 140 milhões de pessoas no mundo convivem com o diagnóstico do Transtorno bipolar. Os dados são de 2019, e foram coletados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Este 30 de março, inclusive, é marcado como Dia Mundial do Transtorno Bipolar, data diretamente relacionada ao aniversário do pintor Vincent Van Gogh, que somente após a sua morte foi diagnosticado como um possível portador da bipolaridade.

E já que o objetivo da data é de ampliar o debate sobre este transtorno na sociedade, conversamos com especialistas para entender se crianças e adolescentes podem ou não receber o diagnóstico da bipolaridade, bem como quais as principais causas e tratamentos para a condição nestas faixas etárias.

A seguir, Beatriz Fonseca, psiquiatra da infância e adolescência da Clínica Revitalis; Philipe Diniz, psiquiatra do Hospital Adventista Silvestre; e Wimer Bottura, psiquiatra, psicoterapeuta e presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina, respondem às dúvidas mais comuns sobre o Transtorno bipolar em crianças e adolescentes.

1. O que caracteriza o Transtorno bipolar?

Como o nome já diz, o Transtorno bipolar em adultos é marcado por dois pólos – um pólo depressivo e um pólo maníaco. “Na depressão que envolve a bipolaridade, ela não se diferencia muito da ‘clássica’, que é marcada por sintomas como tristeza e mudanças de humor, falta ou perda do prazer e de interesses, cansaço, alterações de apetite, de sono, da libido, sensação de culpa, pessimismo, automutilações, desejo de morrer ou pensamentos suicidas, negativismo, lentidão dos pensamentos e movimentos. Já a mania, nestes casos, representa o humor eufórico, agitado, pensamentos acelerados, sensação de poder e grandiosidade. Isso pode levar a gastos excessivos, diminuição da necessidade de sono e agitação psicomotora, ou seja, a pessoa fica nas alturas e, normalmente, não tem muita consciência sobre o que está acontecendo”, explica Philipe.

Segundo ele, existem ainda, estados de bipolaridade que são mistos, chamados de ciclotímicos, onde há uma variação rápida de um extremo para o outro. “No geral, porém, o bipolar clássico alterna o comportamento periodicamente, e cada pólo desses pode durar semanas”, diz o psiquiatra, ou serem muito rápidas, como pontua o psiquiatra Wimer: “Muitas vezes essas oscilações acontecem no mesmo dia, são brutais e podem resultar em suicídio, alto risco de comprometimento da vida financeira. É um transtorno que, se não tratado, causa muito dano à pessoa e à família. Todos nós estamos sujeitos a oscilações de humor, o problema do transtorno é que essas oscilações se retroalimentam, e a pessoa acaba perdendo o eixo”.

Beatriz ainda aponta que, na psiquiatria, o humor é diferente do que se chama na linguagem leiga de ‘bom humor’, ‘mau humor’. Ele está ligado ao nível de energia que o indivíduo coloca em suas ações. “O importante de entender no diagnóstico da bipolaridade é que falamos de um comportamento que mudou: a pessoa era de um jeito e passa a ser de outro, e essa mudança a prejudica na sua própria performance“, explica.

2. Quais são as principais causas relacionadas à bipolaridade?

“De forma geral, há uma forte base genética. Sabemos que, em famílias nas quais há um paciente bipolar diagnosticado, existe 10 vezes mais chances de outras pessoas também apresentarem transtornos de humor – quanto mais perto for esse parentesco, mais forte também é a possibilidade de o indivíduo apresentá-lo”, diz a psiquiatra Beatriz, que indica buscar tratamento especializado quando o transtorno for notado.

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mae-depressao
(Atipati Netiniyom / EyeEm/Getty Images)

Há ainda indivíduos que, ainda que não haja o histórico familiar, acabem desenvolvendo a bipolaridade. “Essas pessoas têm um funcionamento cerebral diferente, com maior permeabilidade da membrana dos neurônios, o que causa alterações na transmissão de serotonina, dopamina e noradrenalina. Alguns estudos, ainda, tendem a buscar causas externas como possíveis origens, mas nenhum deles comprovou isso até hoje”, identifica Philipe.

3. Afinal, crianças podem ter Transtorno bipolar?

Sim, embora menos comum do que nos adultos e é estritamente necessário que ela seja avaliada por médicos especializados em infância, como neuropediatras e psiquiatras infantis. “Existe a bipolaridade infantil, mas o quadro clínico é um pouquinho diferente e o diagnóstico é mais complexo”, explica Beatriz e Wimer concorda: “Na criança, nós temos de olhar para isso de uma forma diferente, porque o diagnóstico não é feito com exame laboratorial, mas sim pelo comportamento, o que faz com que a margem de erro seja muito grande”.

Mas será que existem sinais que denotam o transtorno? “Neste caso, ele se caracteriza, também, por uma euforia muito grande, uma apatia, uma oscilação de forma extrema. Porém, deve-se compreender que muitas dessas oscilações não se devem ao transtorno bipolar, mas sim ao próprio dia a dia da infância”, explica o presidente do comitê de adolescência. 

“Em uma criança pré-púbere, por volta dos 9 ou 10 anos, não acontece uma mudança de comportamento, mas sim uma flutuação de humor. Ela é uma criança que é irritadiça, que pode chegar à agressividade, que às vezes está mais quieta, mais isolada. Às vezes, ela pode parecer zangada à toa, mas são também mais emotiva, que às vezes escutam uma música e choram, o que é algo raro. Pode ser, ainda, que ela seja uma criança distraída, tenha dificuldade de concentração, e isso pode dificultar o diagnóstico”, indica Beatriz.

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Criança triste sentada na calçada da rua
(tatyana_tomsickova/Thinkstock/Getty Images)

4. A bipolaridade em crianças é algo raro?

“Na psiquiatria infantil, o diagnóstico muitas vezes é bem sutil, considerando que a criança é um ser em formação e é esperado que haja mudanças de comportamento. Nem sempre é fácil identificar quando algo está fora do esperado”

Beatriz Fonseca, psiquiatra da infância e adolescência

Não é exatamente raro, mas mais difícil de diagnosticar. “Muitas vezes a criança é tratada como hiperativa e na verdade ela é bipolar, e a gente só vai se dar conta disso depois de algum tempo – às vezes, um tempo longo -, para que ela mude de fase e possamos identificar o que acontecia”, diz Beatriz.

“Quanto mais precocemente, mais incomum é de acontecer, mas não é impossível. Por isso, é necessário recorrer a uma avaliação médica para diferenciá-la de outras questões comuns da infância”, diz Philipe, que ainda pontua que se trata de um transtorno que costuma se manifestar na terceira década de vida, por volta dos 20 e 30 anos.

5. Qual o momento de procurar por ajuda especializada?

Alguns sinais como uma flutuação de humor muito intensa, que prejudique a rotina, a convivência e a performance da criança devem ser observados, mas não são suficientes para fechar um quadro. “Reforço que este é um diagnóstico que precisa ser feito com muito cuidado. É preciso avaliação psicológica, da genética, do uso de medicamentos que eventualmente a criança utiliza para outros problemas (que também podem causar o estado de euforia, por exemplo). Além disso, a orientação familiar, na minha opinião é a coisa mais importante: não é suficiente que os pais levem a criança ao médico – muitas vezes é preciso passar por mais de um profissional para confrontar informações e ideias – e contem uma história, é preciso que a família e seu funcionamento sejam observados”, salienta Wimer.

“Crianças com TDAH que não respondem bem ao tratamento para isso também podem levantar suspeitas de transtorno bipolar, bem como aquelas com mais sintomas de humor do que, efetivamente, de hiperatividade e desatenção”, conclui Philipe.

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Pai e filho na terapia
(NoSystem images/Getty Images)

É importante então que os profissionais façam uma avaliação familiar para ver como funciona a dinâmica em casa, características dos pais que podem influenciar crianças com sintomas sugestivos de bipolaridade, mas sem que ela necessariamente a possua. Também é importante que o especialista infantil possa investigar outros casos de bipolaridade na família, já que, como pontuamos acima, o transtorno que conta com um traço genético importante.

“Nós temos que ficar muito atentos para as doenças induzidas pelo comportamento familiar: uma criança apresenta oscilação de humor, a família já acha que é bipolaridade, procura por um profissional que, sem aprofundamento, dá o diagnóstico e já sai medicando, e aí nós criamos uma doença que poderia não existir”, diz Wimer.

6. Bipolaridade na infância tem cura?

A psiquiatra da infância e adolescência, Beatriz, explica que, se os pais esperam uma cura como simplesmente tomar um antibiótico quando se está com uma bactéria e estar ‘curado’, não, a bipolaridade não funciona assim. O que existe é tratamento sempre com supervisão de especialistas e é muito importante ter um diagnóstico preciso, caso seja necessário entrar com medicamentos.

“Dependendo do quadro, tanto em adultos quanto em crianças, você pode usar antidepressivos, estabilizadores de humor e neurolépticos (se a pessoa tiver alteração de percepção e delírios). Mas você também tem a psicoterapia, que não trata o transtorno em si, mas ajuda o paciente a lidar com ele e a reconhecer quando a crise vem“, indica ela.

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No caso da bipolaridade na infância também é fundamental oferecer orientação familiar, como já pontuado, sobre como lidar com o transtorno, assim como orientação às escolas e outros profissionais que estejam avaliando o quadro de maneira multidisciplinar para que todos trabalhem no mesmo intuito.

7. Uma criança sem transtornos pode se tornar um adulto bipolar?

Primeiro, é preciso entender que a bipolaridade é um diagnóstico que pode demorar – às vezes até a adolescência ou na vida adulta -, porque é preciso uma análise multidisciplinar intensa, como já foi pontuado. Uma vez confirmado o quadro, é um tratamento de cuidados a longo prazo e quanto mais precocemente for detectado, melhor o prognóstico.

Mas vale pontuar que não é um transtorno que necessariamente se manifeste na juventude. “Qualquer pessoa pode se transformar em um adulto bipolar, porque o transtorno não dá obrigatoriamente sinais na infância ou na adolescência, pode ser que ele comece somente na vida adulta”, esclarece o psiquiatra Wimer.

O importante é, por fim, se manter atento ao comportamento do filho ou filha. “Na dúvida, se houve qualquer mudança, se o seu filho não está bem, busque ajuda para que haja um olhar profissional e o auxílio correto para que essa criança possa se desenvolver cada vez melhor”, conclui Philipe. E Wimer deixa um último recado: tome cuidado também com a estigmatização de pessoas com diagnóstico precipitado ou o uso leviano da palavra “bipolar”, porque isso causa dano às pessoas.

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