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Pós-pandemia e pós-maternidade: por onde recomeçar a minha carreira?

Depois de quase dois anos administrando a exaustão, mães procuram por carreiras mais flexíveis e empresas que entendam o conceito de acolhimento.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 8 Maio 2022, 11h55 - Publicado em 7 Maio 2022, 13h33
Mulher usando computador
 (Victoria Daud/Bebê.com.br)
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Em 2012, a empresária Fernanda Paixão começou uma transição de carreira, quando virou sócia do marido. Os negócios deram certo e, em 2019, ao expandirem para mais duas empresas, ela descobriu que estava grávida dos gêmeos João Pedro e Lorena, hoje com 2 anos e 10 meses. Por opção, a licença-maternidade foi curta e logo ela voltou ao trabalho em janeiro de 2020, mas aí veio a pandemia e a nova rotina fez mudar todos os planos outra vez. 

“Foi uma pancada forte, logo quando a engrenagem estava voltando para o eixo vivemos toda aquela experiência. Porém, o fato de estar trabalhando de casa e ter a chance de ficar com as crianças nos pequenos intervalos me fez mudar totalmente o ritmo e os planos futuros”, diz ela. E não foram mudanças pequenas: eles saíram do apartamento e decidiram ir pra uma casa em outra cidade. Hoje, em vez da pausa pro cafezinho, ela usa os intervalos para brincar com os filhos. Para ela, isso faz grande diferença tanto em seu próprio desenvolvimento como mãe, quanto no dos pequenos.

Fernanda não está sozinha nestas mudanças de carreira. Se pós-maternidade, muitas mulheres já repensam suas carreiras, pós-pandemia a situação é ainda mais complexa. Dani Junco, fundadora e CEO da B2Mamy, hub de inovação focado em tornar mães e mulheres líderes e livres economicamente, conta que a pandemia representou um desafio ainda maior para as mães. “Com as crianças em casa, a gente teve de se desdobrar ou deixar as nossas carreiras para que pudéssemos passar por isso, que agora parece arrefecer”, diz ela. A renda de mulheres e mães diminuiu, retrocedemos cerca de 30 anos e, por necessidade, tivemos de começar a movimentar esse dinheiro de outros lugares.

Ficou visível, então, o quanto é complexo administrar todos esses papéis – de mãe, de trabalhadora formal, de empreendedora -, principalmente quando não se pode contar com uma rede de apoio ou quando o pai não cumpre suas obrigações. Foi neste momento pandêmico também que, além das mudanças nas prioridades de carreira, surgiu também o empreendedorismo de necessidade, como solução temporária para aumentar a renda de acordo com as circunstâncias.

Mesmo ainda (muito) exaustas, várias mães têm o desejo de voltar ao mercado de trabalho, seja por meio de uma transição, seja pedindo por condições mais dignas nas empresas que já estão ou empreendendo. O caminho é longo, variado, mas possível.

Mudanças de prioridade

Para a psicóloga Carolina Medeiros, a pandemia e maternidade chegaram ao mesmo tempo: seu filho, Afonso, nasceu em setembro de 2020. Entre as dificuldades entre adaptar um trabalho online e lidar com as demandas da maternidade, ela passou a questionar se realmente queria continuar atendendo, e encontrou, como solução, focar na abertura de sua própria empresa, reduzindo a quantidade de atendimentos e priorizando o tempo de qualidade com o pequeno.

“Quando meu filho tinha quatro meses eu me mudei de Natal para São Paulo, mas como eu não tinha uma rede de apoio por lá decidi levá-lo para uma creche, que também acabou fechando durante a pandemia. Foi um momento superdifícil, 80% da renda da minha família vinha do meu trabalho e eu não podia mais fazê-lo como antes. A falta de uma rede de apoio é o mais difícil”, desabafa.

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Por outro lado, ela sentiu suas prioridades frente ao trabalho mudarem bastante depois da maternidade. “Hoje eu preciso ser muito mais firme em não perder tempo, em não trocá-lo por coisas que podem ser resolvidas com um e-mail. Às vezes, sinto que isso me coloca em uma posição de chata, de arrogante, mas eu só preciso ter uma comunicação mais assertiva com as pessoas”, complementa.

Um movimento similar ocorreu com a jornalista Giovanna Castro, mãe de Valentina, de nove anos. Durante a pandemia, ela aproveitou para colocar em prática uma vontade que já tinha há tempos, de empreender, em um momento no qual ela não via mais sentido ou oportunidades em sua área de atuação.

“Durante a pandemia eu fui repensando tudo, e comecei a dar mais atenção ao meu projeto (um curso de letramento racial para mães) do que ao meu trabalho, graças ao regime remoto. Até por conta disso eu passei a ficar bem mais tempo com a minha filha, uma coisa que sempre gostei. Ficamos muito juntas, o que me mostrou que eu preciso estar o mais perto dela possível”, comenta.

Acabou que Giovanna foi demitida e agora precisa que seu projeto – além do letramento, ela ainda conduz outro projeto que tem como foco formar professores com base nas relações étnico-raciais – gere renda para ela.

“Além de ser um trabalho que eu faço por conta da minha filha e de outras crianças pretas, ele também foi pensado para gerar renda. Mas a parte mais difícil de voltar ao mercado, nesse sentido, acho que tem sido um medo muito grande de vender [o projeto]. Muitas pessoas elogiam a minha iniciativa, falam que vai dar certo, mas sabe a ‘síndrome da impostora’? Quanto mais eu recebo elogios e validações, mais eu acabo ficando com medo. A necessidade da geração de renda, por outro lado, está me forçando a colocar isso em prática o quanto antes”, assume.

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Michelle Levy Terni, CEO da Filhos no Currículo, enxerga a pandemia como um catalisador de transformações pessoais e profissionais na vida, em especial das mães. Para ela, aquilo que já era considerado ruim dentro das casas ficou ainda pior, muitas vezes insustentável – vide as altas taxas de casamentos que chegaram ao fim, por exemplo.

Já dentro das empresas, fala ela, percebemos que se a companhia antes tinha uma cultura de não-acolhimento, isso ficou impraticável e, na pandemia, muito explícito.

“Agora, no pós-pandemia, o que a gente vem percebendo aqui na Filhos no Currículo é um movimento de questionamento por parte dessas mães, de optarem por um ambiente de trabalho que realmente acolha as suas necessidades: mais flexível, com uma cultura pró-família, que tenha bons benefícios… A gente percebe uma intenção dessas mães em buscarem oportunidades em empresas assim”, exemplifica.

Camila Antunes e Michelle Terni, cofundadoras da FIlhos no Currículo
Camila Antunes e Michelle Terni, cofundadoras da FIlhos no Currículo (Patricia Canola/Divulgação)

Dificuldades no processo

Para Tatiana Fanti, empresária fundadora da Prima Donna e mãe de duas crianças, falamos em ‘cenário pós-pandemia’, quando na realidade ainda estamos em um contexto pandêmico que continua afetando mulheres e mães. Muitas delas têm filhos ou estão entre os chamados grupos de risco, o que faz com que tenham de manter os mesmos cuidados recomendados há dois anos, trabalhando de casa e com os filhos fazendo aulas online.

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“A exaustão de dois anos segue acumulada, com a preocupação adicional do afrouxamento das regras, o que oferece mais risco de contaminação. Para quem é do grupo de risco (e falo isso porque sou mãe de um menino de dois anos com alergia respiratória e sem vacina), a exposição mais vulnerável ao vírus traz carga extra de estresse. Isso, claro, somado às preocupações que já existiam”, observa.

Tatiana Fanti, CEO da Prima Donna, mãe da Maria Eduarda e do Arthur
Tatiana Fanti, CEO da Prima Donna, mãe da Maria Eduarda e do Arthur (Tatiana Fanti/Arquivo Pessoal)

A realidade de Karla Sales Quintino Alvez, mãe de quatro crianças, conversa exatamente com isso. “Quando uma das minhas filhas completou seis meses, fui demitida após 15 anos em regime CLT. No ano seguinte nos isolamos, literalmente com medo do vírus. Dois dos meus outros filhos têm asma crônica, então não quis arriscar expor a minha família. Comecei a empreender online com mentorias e atendimentos virtuais. Foquei, também, em cuidar do meu emocional e meu desenvolvimento pessoal com formações pela internet. Tentei candidatura em alguns trabalhos remotos, mas sem sucesso, e como sou empreendedora social continuei com o apoio virtual ao meu público”, fala ela.

Tatiana, porém, enxerga também o aspecto ‘positivo’ de tudo isso: em um mundo hiperconectado, no qual pessoas que moravam juntas sequer conversavam de fato, houve mais aproximação, e o estreitamento de laços fez nascer uma nova dinâmica em muitas famílias: o maior tempo e as possibilidades do trabalho remoto trouxeram uma nova consciência de necessidade para as mães.

“É interessante como pudemos perceber mudanças diferentes em um mesmo cenário: a mãe que descobriu uma nova profissão ao empreender informalmente em algo que sempre quis e nunca teve tempo, a que entendeu que pode executar a sua função de maneira híbrida e, até mesmo, aquela mãe que nunca se imaginou em casa vivendo uma rotina intensa com os filhos, mas descobriu curtir esse processo. Muitas mães estão repensando como levar uma vida nova em que possam aliar as necessidades pessoais com o que devem fazer no trabalho”, corrobora.

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O que falta nas empresas

“Que a mulher tenha a liberdade para escolher se ela quer seguir o caminho do empreendedorismo, mas não que ela seja dispensada do ambiente corporativo e reste como única alternativa empreender”

Michelle Levy Terni, CEO da Filhos no Currículo

Uma pesquisa lançada pela Filhos no Currículo, feita entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, mapeou o que seria um ambiente de trabalho pró-família. Entre as iniciativas essenciais para tal, estão políticas, processos e alterações estruturais nas empresas, ou seja, ações de base que começam com jornadas de trabalho mais flexíveis, licenças estendidas, auxílio creche, um bom plano de saúde, entre outros. Porém, nada disso se sustenta sem um trabalho de transformação cultural de cada empresa.

O estudo ainda destaca a importância de lideranças mais acolhedoras e empáticas, principalmente no que diz respeito a uma recepção digna no retorno da licença-maternidade e preparação para a saída. É preciso que as companhias invistam, ainda, em apoio psicológico, com iniciativas que caminhem ao lado desses benefícios.

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A cada 10 mulheres que se tornam mães, 4 saem do mercado de trabalho e têm muita dificuldade em retornar à ativa nos dois primeiros anos da criança, diz Dani, que acredita em um movimento mais orgânico de repensar a carreira no pós-maternidade. Para ela, a pandemia apenas acelerou esse movimento que naturalmente acontece: você pode escolher entre empreender, mudar de área ou de companhia, tendo como pontos-chave a flexibilidade, a possibilidade de autonomia e um salário compatível com a presença de um novo membro na família.

Dani Junco_Fundadora e CEO da B2Mamy
Dani Junco, CEO da B2Mamy (B2Mamy/Divulgação)

O caminho para o sucesso – seja ele qual for

Na prática, para mães que desejam mudar de carreira ou começar a empreender, Michelle recomenda que elas comecem olhando para dentro, revisitando quem são, quais são suas habilidades – inclusive aquilo que exercem no exercício da criação dos filhos também pode agregar no currículo. É preciso trazer para fora essa percepção dos filhos como potência, e não barreira, reflete.

“Acho que a parentalidade como um todo é um laboratório de inovação para mães e pais serem esses conectores de pontas, esses gestores de projetos complexos, que qualquer pessoa que ocupa esse papel parental desenvolve. Aí que vem o conceito de que filhos agregam no nosso currículo e na nossa carreira”, considera.

O primeiro passo, arremata Tatiana, é entender para qual lado essa mãe pretende ir, ou seja, qual carreira quer seguir. Já o segundo envolve compreender se ela tem, de fato, habilidades e conhecimentos necessários para exercer determinada profissão da melhor forma. O investimento em cursos na área escolhida pode ser um caminho, bem como o networking com colegas de trabalho do passado que podem abrir portas ou novas pessoas da área em questão: “é preciso entender o máximo possível sobre o mercado em que essa mãe quer atuar, para não ser pega de surpresa e se decepcionar após ter realizado a mudança”.

O cansaço – ainda – permanece

Vale repetir aqui que, embora muitas mães queiram voltar ao mercado de trabalho ou apostar em uma transição de carreira, o cansaço e a sobrecarga, que aumentaram consideravelmente durante a pandemia, ainda estão presentes. Para várias delas, reaprender a não dar tanta importância a ele também conta no processo.

Giovanna, por exemplo, assume ainda não ter conseguido criar nenhum mecanismo para que se sinta menos sobrecarregada, principalmente no aspecto mental. O cansaço da dupla jornada, diz ela, é uma realidade, e seus momentos de lazer ainda são muito ligados ao tempo livre da filha – porém, quando possível, acresce, ela lê livros e escuta muita música, já que as canções são seu maior recurso para driblar a sensação de fadiga.

Mãe trabalhando com filho no colo

Fernanda, que tem planos de voltar a meditar e se exercitar, hoje passou a solidificar novas rotinas e dinâmicas de trabalho, que façam sentido dentro de sua realidade de horários. Ela prioriza pequenos intervalos para dar atenção às crianças, e tenta atendê-los sempre que chamam por ela. Passar muitas horas trabalhando direto, sem pausas, é algo que já não funciona mais.

Já Carolina considera imprescindível o ato de parar de dar ‘cartaz’ ao cansaço. “Essa é uma realidade difícil de falar, porque eu sou psicóloga e sinto esse cansaço, e é importante sentir e não guardar as emoções. Mas às vezes, quando eu estou sendo dominada pelo quanto a minha vida é cansativa, eu evito fazer muito alarde, ficar repetindo que estou cansada. Quando eu reclamo menos e transformo o cansaço em atitudes, isso me descansa”, finaliza.

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