Gravidez na adolescência: “Minha maior preocupação foi como iria estudar”
Elida Santos conta como foi passar por duas gravidezes e ainda encontrar força - e apoio - para continuar os estudos e conquistar uma vaga na universidade.
Foi aos 13 anos, enquanto cursava o oitavo ano, que Elida Santos descobriu sua primeira gravidez. Foi um choque e a interrupção de alguns sonhos, mas com o apoio de sua mãe e do pai do bebê, a adolescente conseguiu manter a sua rotina de estudos na escola municipal de Santa Rosa de Lima, interior de Sergipe, até o nascimento do pequeno Bryan, hoje com 3 anos.
Conciliar o cuidado do filho com a escola não foi simples para a família, mas foi aos 15 anos, quando descobriu sua segunda gestação, que a situação complicou ainda mais. “Eu não conseguia pensar na ideia de ter outro filho, até que a barriga começou a crescer. Eu fiquei com muita vergonha, não pensava em nada, só chorava e não reagia”, desabafou Elida, que estava no primeiro ano do ensino médio integral no Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo. Abalada, foi quando a jovem decidiu abandonar os estudos.
Elida faz parte das quase 12 milhões de garotas, entre 15 e 19 anos no mundo todo, que experienciam uma gravidez na adolescência, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e não é incomum que elas optem por largar a escola por conta da dificuldade de conciliar estudos com os filhos.
No caso da estudante sergipana, a rede de apoio foi um diferencial. Percebendo a situação, parte do corpo docente do colégio optou por visitar a jovem em sua casa e apoiá-la perante à situação. A instituição faz parte do modelo pedagógico de ensino médio integral (modalidade com foco no projeto de vida de cada aluno para evitar a evasão escolar) e já admitia que mães estudantes levassem seus filhos pequenos durante a aula, diferente dos demais colégios da região. Segundo o diretor Almir de Melo, em 2019 havia cerca de nove mães matriculadas.
Com o nascimento da filha mais nova de Elida, Maria, hoje com 2 anos, o colégio implantou a eletiva “Bebê a Bordo” em sua carga horária. Assim, além de ser disponibilizado um espaço para as estudantes deixarem os filhos no período da aula, também havia instruções de cuidados básicos para as mães.
E o apoio rendeu frutos. Elida, hoje com 18 anos, deu continuidade aos estudos e passou em terceiro lugar em Engenharia de Produção, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), no começo de 2022. Em uma conversa exclusiva com o Bebê.com.br, a jovem relembra sua trajetória, da maternidade à universidade. “Isto significou muito pra mim e me deu uma grande esperança de que eu posso mudar minha vida e a vida dos meus filhos através dos estudos”, comemora.
Confira o relato na íntegra:
“No período em que descobri a minha primeira gestação, com 13 anos, eu estava com a expectativa de vida lá em cima, sonhando com mil coisas. Minha prioridade sempre foi os estudos, mas eu tinha os meus hobbies também, como qualquer outra adolescente.
Eu morava com minha mãe, meu pai não era tão presente (nós tivemos momentos muito conturbados). Nessa época, já fazia alguns meses que eu estava em um relacionamento amoroso e durou um tempo até eu descobrir que estava grávida. Por volta dos três meses de gestação, eu falei o que estava sentindo para o pai da criança e a gente resolveu fazer um teste de gravidez de farmácia, então descobrimos.
Eu não me senti nada confortável para contar à minha família. Muitos já suspeitavam do meu comportamento e acabavam questionando ‘você está grávida? Se você estiver, vai acontecer isso ou aquilo…’, não esperavam nem eu responder. Então, eu não conseguia dar esse passo. O pai da criança que acabou contando para minha mãe e, a partir daí, ela começou a espalhar a novidade para todo mundo.
Eu jurava que, tanto o pai do bebê quanto a minha mãe teriam outra reação. Estava esperando um surto ou algo do tipo, mas eles foram essenciais nessa hora. A minha maior preocupação foi pensar em como eu iria estudar e o que a minha vida seria dali para frente”.
“Eu sabia que ia ser difícil, mas não tinha noção do quanto”
“Em casa, a minha rede de apoio era somente minha mãe e o pai da criança e durante a gestação eu continuei indo para a escola, estava na 8° série do ensino fundamental. Apesar da rotina de consultas, eu ainda conseguia ver os meus amigos e ter uma vida normal de adolescente. Eu me senti muito acolhida pelos meus colegas dentro da escola e o apoio deles foi até maior que o da família.
No período do parto, com 14 anos, eu precisei ficar afastada cerca de três meses das aulas, então os professores enviavam algumas atividades para casa. Mas depois do bebê nascer, foi muito mais difícil.
Primeiro, eu tive problemas na amamentação, porque a criança não conseguia fazer a pega correta e fiquei de três semanas tentando alimentá-la. Depois, eu tive mais dificuldade ainda na hora de voltar à escola, já que o colégio não aceitava levar o bebê nas aulas. Por isso, acabei passando alguns dias a mais do que esperado em casa, pois eu não tinha com quem deixá-lo.
Quando eu consegui voltar, eu deixava o bebê com o meu irmão de 11 anos e, às vezes, com a esposa do meu tio até a minha mãe chegar do trabalho. Esse período se estendeu até finalzinho de 2018, antes de eu entrar no ensino médio”.
“Quando os primeiros sinais da segunda gravidez começaram a surgir, eu tapei meus olhos”
“Quando eu fui para o ensino médio da rede estadual, eu deixava o Bryan na creche e, à tarde, a avó paterna o pegava. Nessa época, eu senti uma mudança muito grande em relação ao acolhimento da equipe gestora da escola, em comparação ao que que tive no fundamental. Eu me senti mais apoiada pelos professores, pelo diretor e os demais funcionários. Eles me ajudavam a administrar o período como mãe e o momento no colégio.
Só que, logo na metade do primeiro ano, com 15 anos, os primeiros sinais da segunda gravidez começaram a surgir. Nessa época, eu não conseguia nem pensar na ideia de ter outro filho, de que eu poderia estar grávida de novo, então eu meio que tapei meus olhos para o que poderia estar acontecendo.
Eu não conseguia aceitar a gravidez, até que a barriga começou a crescer. Eu fiquei com muita vergonha de sair na rua e de ir para a escola, daí eu me fechei em casa e passei a não querer sair mais. Eu tive depressão, só chorava e não reagia. Vivia estressada e não queria fazer nem o teste, nem os exames.
Todo mundo estava chocado, pois eu não tinha mais contato com os amigos. Eles mandavam mensagem e eu simplesmente não queria responder. Um desses dias, o diretor junto com uma colega minha e minha ex-professora de inglês chegaram em casa para conversar comigo.
Eles me disseram que iriam me apoiar e que a escola iria me acolher. Depois disso, eu consegui passar a aceitar um pouco melhor a gravidez e eles me levaram para a minha primeira consulta. Eu fui começando a rotina exames com o acompanhamento da minha mãe e me senti mais motivada a voltar a estudar”.
“Sonhava com a faculdade, mas sabia que ia ser difícil e tentava colocar meus pés no chão”
“Depois do nascimento da Maria, eu deixava o meu filho mais velho na creche pela manhã e conseguia ficar com a menina o dia todo no colégio. Foi quando a professora Gleide Soares, de educação física, teve a ideia de criar a eletiva ‘Bebê a bordo’ na escola após a minha segunda gravidez.
Na disciplina, ela ensinava, por exemplo, massagens para a gente fazer na criança e desenvolver o vínculo de mãe, já que estudávamos o dia todo e, de certa forma, não tínhamos este tempo para se doar aos filhos. Assim as coisas foram se tornando mais leves. Se antes, a escola não aceitava nem que eu levasse o bebê, quando fui para o ensino médio, percebi que além de acolher as mães, eles também acolhiam os filhos delas.
Nessa época, eu sonhava muito em ingressar numa faculdade, mas sabia que ia ser difícil e tentava colocar meus pés no chão. Mas aí passei a ter acolhimento e comecei a achar que seria possível, então comecei logo a correr atrás dos meus objetivos”.
“Quando saiu o resultado, eu só sabia chorar”
“No segundo ano, a gente foi pego de surpresa pela pandemia do coronavírus e tivemos que encerrar as atividades na escola. Com isso, as coisas complicaram. Eu não conseguia dar conta de tudo e me preparar para o ENEM. No final de 2021, as aulas voltaram ao presencial, mas eu não pude retornar, já que a creche estava fechada e eu não poderia levar os meus filhos para o colégio por conta da Covid-19.
A maioria dos meus estudos para o ENEM foram à distância, mas também cursei três meses de aula presencial em um projeto preparatório. Quando saiu o resultado da aprovação, eu só sabia chorar. Todos vibraram comigo e minha história teve uma grande repercussão pela região. Isto significou muito pra mim e me deu uma grande esperança de que eu posso mudar minha vida e a vida dos meus filhos através dos estudos.
Hoje, as crianças estão estudando na creche em tempo integral. Eu já fiz a pré-matrícula na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e estou aguardando o início das aulas. Ainda não sei direito como é que vai se dar isto tudo, já que a universidade é na capital e eu moro no interior. Tirando este problema, estamos bem felizes e nos preparando”.