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Mães contam ofensas vividas em entrevista de emprego e licença-maternidade

Quatro mulheres relatam situações de desrespeito a que foram submetidas dentro do mercado de trabalho por terem optado pela maternidade.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 12 ago 2021, 19h06 - Publicado em 23 jul 2021, 17h12

A pandemia causada pelo coronavírus foi responsável por mudança significativas e, muitas vezes, negativas quando o assunto é mercado de trabalho. Mulheres e mães, principalmente negras e periféricas, foram as mais afetadas pelo fechamento de estabelecimentos e vagas, o que, como mostramos aqui, culminou em um impacto severo na renda e na saúde mental da população.

Mas a verdade é que não é de hoje que o mundo corporativo desrespeita constantemente quem vive a jornada dupla, de cuidados com a criança e trabalho formal. Não são raros os relatos de insultos e até de assédio moral sofrido por mães em entrevistas de emprego, durante a licença-maternidade e no período de retorno aos escritórios.

A seguir, quatro delas dividem suas experiências por meio de depoimentos sinceros, revoltantes e que mostram, cada vez mais, a necessidade de transformação da maneira que o mundo corporativo enxerga e dá suporte às mulheres que escolhem viver a maternidade.

Nathália Nin, mãe da Cecília, de 1 ano e 3 meses: 

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“Fui demitida logo depois da minha licença-maternidade. Como estávamos no meio da pandemia e a minha filha tinha quatro meses, optei por ficar com o seguro-desemprego. Cinco meses depois, quando o seguro acabou, comecei a procurar por um trabalho novo.

Na primeira entrevista que participei, a recrutadora, que era uma mulher da área de recursos humanos da empresa, me perguntou se eu tinha filhos e, de forma bem evidente, quem ia cuidar da minha filha caso eu conseguisse a vaga. Fiquei perplexa e respondi que tinha tanto uma rede de apoio quanto uma creche para deixar a bebê. Não fui contratada.

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Em uma outra entrevista, para uma agência de marketing pequena, o recrutador, que era também o dono da empresa, me perguntou como que eu faria para ir para o trabalho, já que tinha uma filha. Na hora fiquei irritada com a pergunta, e só consegui responder a ele: ‘vou pegar o metrô’. Depois disso, ele fez questão de repetir a questão, também reforçando sobre quem ficaria com a minha filha durante o expediente.

Esse tipo de questionamento não deve ser algo com que o recrutador tem de se preocupar, até porque se eu estou procurando emprego é sinal de que já me organizei e pensei sobre os cuidados com a minha filha durante a minha ausência.

Penso, também, que a sociedade não está preocupada com o bem-estar da criança, mas sim com o fato da mãe, uma profissional independente, ficar ausente do trabalho. O dono da agência de marketing que citei até quis me contratar, mas eu neguei.

Hoje em dia eu trabalho como social media em uma empresa de consultoria de disciplina positiva. A dona do negócio também é mãe, e entende muito bem a questão de conciliar a maternidade com a profissão. Ela nunca me perguntou nada do tipo sobre a minha filha, que está com 15 meses”.

Fernanda Machado, mãe da Isabela, de 1 ano e 9 meses:

“Engravidei quando estava há dois anos trabalhando em uma agência de comunicação. Sabia que seria difícil por conta do temperamento e da personalidade da minha chefe, mas não tinha noção da proporção do problema.

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Logo nas primeiras semanas de gestação comecei a enjoar muito e não conseguia ficar nem sentada, só vomitava. Precisei tirar uma licença de 15 dias, e minha chefe não aceitava o que estava acontecendo. Ao longo da gestação fui bombardeada com cobranças excessivas: eram ligações a toda hora para dizer que meus clientes seriam prejudicados, demandas sem sentido e reclamações por eu não poder fazer trabalhos externos. Ela fazia de tudo para menosprezar a qualidade dos meus resultados e dizer que meu trabalho era inferior ao dos demais, mesmo eu sendo a funcionária mais experiente da empresa.

O ápice foi quando ela me chamou para conversar sobre uma equiparação salarial que estava acordada antes da descoberta da minha gestação, e disse que isso não poderia ser feito, porque eu tinha engravidado e minha gravidez prejudicava muito a empresa. Ela justificou todos os gastos que teria e disse que a culpa era minha, mas que isso não era assédio, ‘porque agora tudo é assédio’.

Em um desses dias de ligações ininterruptas para o meu ramal e cobrança de atividades impossíveis de serem realizadas em tais condições, eu caí no choro no banheiro e passei mal. Mesmo assim, ela continuava me chamando e reclamando. Depois de tudo isso, tive um pico de estresse e fui afastada por 15 dias do trabalho pelo meu psiquiatra e pelo obstetra.

Quando voltei, tudo continuou e, em um outro dia em que passei mal novamente, ela não me deixou ir embora do prédio. Na manhã seguinte, fui internada com pré-eclâmpsia. Fiquei no hospital por duas semanas e ela ainda me mandava mensagens querendo saber quando eu voltaria a trabalhar. Só que foram mais dois meses deitada em casa tentando controlar a pressão para que o bebê nascesse bem”.

Camila Pagamisse, mãe do Gabriel, de 17 anos, do Daniel, de 10 anos, e da Catarina, de 2 anos:

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“Engravidei aos 22 anos, no último período da faculdade. Não faltei um dia sequer durante a gravidez, não perdia as aulas e, inclusive, meu filho nasceu 12 dias antes da apresentação do meu TCC e mesmo assim não deixei de apresentar o meu trabalho para a banca.

Conversando com o meu marido, decidimos que eu ficaria com meu filho nesse primeiro ano, e depois retornaria ao mercado de trabalho. Estava super animada na primeira entrevista de emprego que fiz depois desse período, já que a vaga era para trabalhar na área que tanto desejava, e o local era próximo da minha casa, coisa de dez minutos.

Quem me entrevistou foi o responsável pelo departamento da empresa, ou seja, a pessoa a qual eu seria subordinada caso contratada. Estava cheia de esperanças para falar sobre os meus objetivos, projetos, qualidades e qualificações, mas nada disso interessou a ele. A primeira pergunta, assim que notou a minha aliança, foi: ‘Tem filhos?’. Respondi que sim, que tinha um filho de um aninho.

A fisionomia dele mudou e, usando um tom irônico, ele logo perguntou: ‘Vocês estão passando por necessidades? Porque não há outra justificativa para uma mulher deixar um filho de um ano em casa para trabalhar’. Logo eu, que adoro conversar, fiquei sem reação, e a resposta foi um ‘não’ engasgado.

Caí na besteira de tentar justificar meus sonhos e projetos profissionais, mas já notava a falta de interesse por parte dele. Me senti péssima, saí de lá desnorteada, e foi nesse exato momento que caiu a ficha de que o mercado de trabalho já é bastante cruel com mulheres, mas consegue ser ainda pior quando elas são mães.

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Além de dar conta do trabalho como qualquer outro funcionário, a mulher que é mãe precisa provar que ela é capaz de mais, diariamente. Não consigo entender como as pessoas não enxergam que uma pessoa que é responsável por outras vidas, que se organiza para dar conta da rotina, ainda precisa provar que sua vida pessoal não vai interferir nas suas obrigações profissionais.

Hoje eu sou mãe de mais duas crianças, e após me aventurar por um tempo no mercado de trabalho formal, decidi investir na criação de conteúdo digital, falando sobre maternidade”.

Roberta Costa*, mãe de dois meninos

“Eu fui contratada há seis anos por uma grande empresa, multinacional, para basicamente assumir um cargo de liderança e transformar uma área de marketing da marca para focar em mulheres no Brasil. Um tempo depois eu engravidei, e nesse primeiro momento a empresa estava passando por uma crise, que levou a uma reorganização na qual a minha chefe direta foi mandada embora. Fui transferida do Rio de Janeiro para São Paulo, e lá tive uma nova chefe que me tratou muito bem no período pré-licença-maternidade, ela queria que eu rendesse como funcionária.

Eu estava me sentindo culpada por ter acabado de chegar no time e já estar fazendo muitas horas extras, me matando de trabalhar, e no momento em que eu saí de licença-maternidade começou o meu primeiro pesadelo. Quando eu estava no terceiro mês da minha licença, essa chefe começou a me telefonar, me ameaçando e dizendo que eu não tinha que ir para o Rio de Janeiro visitar a minha família e postar fotos do meu filho, porque isso estava incomodando os diretores que viam as minhas redes sociais. Depois, ela passou a dizer que era melhor que eu já começasse a procurar emprego, porque como a empresa estava enfrentando essa crise, era possível que eu nem voltasse.

Com três meses de amamentação o meu leite secou, e eu precisei tomar remédios para continuar amamentando, que era algo que eu queria muito fazer. Essa minha chefe da época não tem noção da dimensão do que eu enfrentei, e continuava me ligando para fazer uma espécie de bullying comigo enquanto eu estava ausente. Por ela ser minha superiora, e por essa ser a primeira vez que eu saía de licença, eu me senti muito desconfortável de ‘cortá-la’ e de colocar um limite no que estava acontecendo – eu tinha medo de ser demitida, de não ser bem vista na empresa (fui uma das primeiras mães daquele grupo).

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Depois de certo tempo eu descobri que ela tinha feito algo parecido com outra funcionária que também era mãe, então foi bem doloroso. Quando eu voltei a trabalhar, ela me tratou muito mal por eu dedicar o meu tempo ao meu filho, mesmo trabalhando todas as horas necessárias de acordo com o contrato.

Guardei para mim mesma o que aconteceu, conversei com pessoas muito próximas, mas não achei que a empresa naquele momento era receptiva para esse tipo de crítica. Isso quase custou o meu emprego, porque eu fiquei muito desmotivada com o trabalho. Certo tempo passou, mudei de chefe e acabei assumindo a liderança de um projeto de diversidade dentro da empresa, que estava passando por uma reestruturação.

Assumi essa liderança de maneira voluntária, redesenhei tudo o que acreditava que eles precisavam fazer para os funcionários do ponto de vista de mulheres em cargos de liderança, de mães no mercado de trabalho, justamente por ter vivido uma experiência muito ruim lá dentro. Em paralelo a isso, eu era responsável por divulgar, através das ações de marketing, o quanto a empresa passou a se preocupar com os direitos das mulheres.

Acabou que eu engravidei de novo, e a essa altura a empresa já tinha passado por outras crises, às quais eu sobrevivi. Quando eu estava de licença novamente, soube que a empresa seria vendida para uma distribuidora e, durante esse período, resolvi me desconectar do trabalho, até por conta da pandemia. Decidi que não viveria todo aquele estresse novamente.

Na volta da minha licença-maternidade, tive um acidente doméstico, caí da escada, me machuquei e rompi todos os ligamentos do meu pé, mas achei que isso não seria um problema, já que estávamos todos trabalhando de casa. Foi quando voltei para o trabalho, e percebi que tudo aquilo que eu havia orientado a equipe a não fazer tinha ido por água abaixo: eles me mandaram embora sem que isso fosse legalmente possível (teoricamente eu estava imobilizada e tinha sido afastada pelo INSS) e falaram que eu não poderia continuar na empresa por uma questão de ‘formato’ – mas os vi fazendo isso com várias outras mães lá dentro.

Mandei uma carta para o presidente da empresa, porque eles não só me desligaram como também cortaram todos os meus benefícios e dos meus filhos, o mais novo com cinco meses na época. Expliquei para ele a situação, ao dizer que a empresa costumava se comunicar muito bem com mulheres fora do ambiente de trabalho, mas que no momento em que uma mãe voltava para o escritório, em meio a uma pandemia, ela era desligada e tinha todos os benefícios cortados.

Não recebi nenhuma resposta, minha mensagem foi ignorada, mas vejo isso como um descaso generalizado. Foram duas experiências bem traumáticas, e acho que o mercado não está preparado para mulheres que são mães. A ideia de mulher bem sucedida ainda é vinculada àquela que grita, que se coloca de maneira agressiva. Falta empatia, falta aceitar a vulnerabilidade, falta muita coisa, e isso é muito triste.

Vejo um movimento grande acontecendo, de maior receptividade em empresas e de mulheres em cargos de liderança, e acho isso ótimo. Mas muita coisa ainda precisa ser feita na base, porque quem está lá em cima, tomando as grandes decisões, muitas vezes veio de uma outra cultura. Tomara que isso mude”.

*O nome e sobrenome da entrevistada foram preservados para segurança da fonte.  

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