“Fui do Sul à Bahia com meu bebê: filho não é empecilho, é parceria!”
Já imaginou rodar o Brasil de ponta a ponta com um bebê e um cachorro? Pois esta mãe corajosa encarou a jornada e te conta o que descobriu pelo caminho.
Ainda era madrugada do dia 1 de abril, quando Alessandra Toniazzo e o marido, o engenheiro mecânico Alexandre Carrard Rodrigues, fecharam a porta de sua casa em Horizontina (RS), colocaram o filho Benício, de nove meses, no banco de trás, e acomodaram a cachorra Boxer da família, Lulu, no carro. Com o porta-malas carregado com muitas comidinhas de bebê, eles partiram para uma aventura rumo à Bahia, que duraria, no total, 21 dias e 6000 quilômetros.
Se muitos pais já ficam receosos em pegar a estrada com uma criança pequena, quem dirá cruzar o país com um bebê, não é mesmo? Mas é exatamente esta vontade de viver o desconhecido e desbravar o mundo que move esta mãe de 37 anos. Com o marido, a jornalista já chegou a cruzar a Cordilheira dos Andes em um fusca, antes do nascimento do pequeno Beni, e nem cogitou mudar o estilo de vida viajante depois de se tornar mãe.
“Deixou de ser divertido? Pra nós não. Sabíamos que a nossa rotina de viagens iria mudar com a chegada dele, mas se não fosse pra mudar, a gente nem teria tido filho, né? Quando optamos por ser pais e continuar viajando, sabíamos que precisaria ter uma adaptação à esta nova pessoa que está descobrindo o mundo com a gente. Então, é tentar fazer o máximo pro Benício se sentir bem e feliz onde a gente estiver.”
É, pode parece um sonho distante poder rodar o Brasil todo, mas nada nesta viagem foi feito de maneira impulsiva, ainda mais porque estamos falando de uma família com um bebê pequeno. Até sair de casa, foi preciso muito planejamento, economizar grana por um ano, consultar pediatra, nutricionista, além de mapear todo o roteiro casando com a rotina do bebê.
“A gente diz que tem horário pra sair, mas não tem horário de chegada. Vamos sem pressa e respeitamos todas as necessidades do Beni“, explica Alessandra, dona do perfil @nacaronadaale, onde conta detalhes de suas andanças pelo mundo. E foram diversas paradas pelo caminho, cochilinhos embaixo de árvores e o ritmo do bebê ditando a jornada da família. E sorte: sem nenhum imprevisto pelo caminho.
A seguir, Alessandra conta porque a vontade de mostrar o mundo para o filho é maior do que o medo dos percalços – e do julgamento alheio – pelo caminho. “Queremos mostrar que a criança não é um empecilho que não te deixa fazer as tuas coisas. É uma parceria para fazer melhor!”, defende.
Confira o relato na íntegra:
“Meu projeto de viajar o mundo começou desde que me conheço por gente. Sempre fui muito inquieta, sempre quis conhecer pessoas, culturas, lugares diferentes e isso intensificou depois que eu comecei a namorar o Xande há catorze anos. A gente logo viu que tinha isso em comum! Na época, morávamos em Florianópolis, mas sempre encontrávamos um jeito de viajar no fim de semana, depois fizemos nossa primeira viagem internacional pra Argentina pegando quatro ônibus pra chegar em Buenos Aires. Também fizemos mochilão pela Europa, rodamos a América do Sul de fusca, dormimos na Cordilheira dos Andes… A gente sempre teve esse desejo, e ainda tem, de ver o mundo.
O tempo passou e depois de muito planejamento, conseguimos realizar mais um dos nossos sonhos, que era morar fora. Ficamos três anos nos Estados Unidos e voltamos pra nossa cidade no interior do Rio Grande do Sul. Neste tempo, até existia o desejo de ser mãe, mas priorizamos nossas carreiras. Só que aí veio a pandemia e com trinta e cinco anos, decidimos encarar a maternidade. Engravidei em 2020 e o Benício nasceu em julho de 2021. Foi um projeto muito bem construído, a gente se preparou pra isso, curtiu cada momento, apesar dos medos que a maternidade nos traz. Foi no momento certo!
Durante a gravidez, a gente sentiu que precisava pegar a estrada e encaramos uma viagem pro Espírito Santo, onde temos família, passando por Paraty e ficando uns dias em Santa Catarina e Rio de Janeiro. Era pandemia, mas a gente tomou todos os cuidados e não aconteceu nenhum perrengue. Foi bom porque foi um momento de bastante de conexão com aquele barrigão. Eu não enjoei, foi uma gestação muito tranquila, mantive a alimentação e atividade física sempre que podia”.
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Puerpério em casa ou viajando? Na estrada, claro!
“O puerpério é um momento da gente entender que aquela mulher antes da maternidade deixou de existir. Então se despedir de quem a gente foi pra dar as boas-vindas e conhecer esta Alessandra mãe não foi fácil. É um processo de autoconhecimento. Hoje com dez meses, sinto que eu ainda estou passando por ele, porque é intenso, é um mundo novo e tudo que é novo assusta, né? Por mais que a gente se prepare, por mais a gente leia sobre isso, é só vivendo o dia a dia que se descobre as dores, os medos e no fundo, as culpas também. A gente vai aprendendo a lidar com aquele sentimento se observando.
Mas o puerpério por mais que tenha sido difícil, não deixou a gente longe da estrada. Foi engraçado, porque pensamos que ficaríamos trancados dentro do apartamento só nós três, mas aconteceu um episódio na família e a gente precisou viajar oitocentos e cinquenta quilômetros pra Florianópolis.
Ou seja, em menos três semanas, o Benício já estava na estrada. Claro que conversei com a médica dele e tomamos todos os cuidados que aquele momento merecia. Foi muito gostoso pegar a estrada pela primeira vez em família! Depois daquilo, ele sempre esteve na estrada e nunca deu nenhum perrengue.
O que a gente começou a perceber naquele momento é que precisávamos nos adaptar. Se antes as nossas paradas eram só pra ir ao banheiro e pegar um lanche, agora essas pausas ficaram mais longas, com mais de uma hora, se fosse necessário, para trocar fralda, dar de mamar, coloca pra arrotar, deixa ele descansar, caminhar com a cachorra… A gente diz que tem horário pra sair, mas não tem horário de chegada. Vamos sem pressa e respeitamos todas as necessidades do Beni. Desde sempre“.
Os preparativos começam muuuuito antes…
“É complexo se organizar para a viagem. Financeiramente, começa muito antes. Em todas as vezes que viajamos, costumamos ter quase que 90% do que vamos gastar já guardados antes mesmo de sair de casa. Então pra guardar dinheiro, primeiro decidimos quanto queríamos gastar e depois nos programamos durante o ano para economizar e investir. Por exemplo, deixamos de pedir uma pizza ou comer fora, e passamos a cozinhar mais em casa pra guardar dinheiro e, na viagem sim, poder comer algo diferente.
Nestes 14 ano, viajar sempre foi algo muito presente, mas sempre tivemos que nos planejar. Em 2014, a gente decidiu que queria fazer uma baita viagem pela Europa, mas ela só foi acontecer em 2018. Demorou quatro anos pra gente guardar dinheiro pra ficar vinte dias na Europa com tudo pago antes de sair de casa.
E não só isso! Por exemplo, as comidinhas do bebê. Antes da viagem da Bahia, fui na consulta com a pediatra e com a nutricionista. Expliquei todo o plano para elas e aí traçamos alguns cardápios e como cuidar das comidinhas no trajeto.
Optamos por levar alguns lanches simples que ele já poderia comer na introdução alimentar: ervilha, tomate cereja, cenoura palito, muffin de banana e aveia, omeletinho. Tudo dentro de um cooler refrigerado, que a gente reabastecia nos pontos de apoio em que paramos até a Bahia, como hotéis e Airbnbs que já tínhamos reservado para a viagem. Lá a gente refazia as comidinhas e reorganizava tudo”.
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A jornada do Rio Grande do Sul para a Bahia
“A viagem da Bahia começou dia primeiro de abril e a gente foi por etapas. Saímos do interior do Rio Grande do Sul e fomos até Santa Catarina, onde reabastecemos de comidinhas frescas. De lá, seguimos pra São Paulo, Rio de Janeiro, Arraial do Cabo, Vitória e, finalmente, Trancoso.
A alimentação dele é uma das coisas que mais me preocupava, mas em todos os restaurantes fomos muito bem recebidos. Sempre davam um jeito de preparar um peixe sem sal, legumes grelhados, uma carninha… e a nutricionista já tinha nos orientado, então fomos lidando de forma leve e adaptando a nossa rotina.
Claro que a gente tentou se precaver de todas as maneiras. Sugiro, inclusive, que sempre antes de qualquer viagem, os pais falem com o pediatra. Eu perguntei para a médica dele o que precisaríamos dar em caso de diarreia, de vômito, de febre, de alergia…Até porque, passaríamos por cidades muito pequenas, onde não seria fácil encontraruma farmácia aberta de madrugada. A pediatra passou uma lista e a gente levou tudo, mas não precisou!
E sobre as malas, mesmo com um bebê, não foi complicado. A gente não costuma levar uma mala por pessoa, mas separado por trechos. Fiz três tipos: na primeira, roupas dos três para temperaturas amenas. Assim, até a segunda semana, nem precisei abrir as outras duas. Na segunda mala, só roupa de praia e na terceira, roupa de frio. Isso facilita muito! E na volta, lavamos algumas peças em lavanderia ou nas casa em que passamos para reorganizar as malas de novo”.
E o que fazer com imprevistos na estrada?
“Felizmente, nessa viagem pra Bahia não tivemos nenhum problema, tirando a nossa cachorra que teve uma diarreia e foi preciso parar no Guarujá (SP) para ir numa veterinária. Em outras viagens, só nós dois, já tivemos que trocar uma peça do Fusca, enfim… Mas aí é só lidar, né?
Planos são feitos pra serem mudados e os imprevistos fazem parte do caminho. Temos que lidar com os perrengues de forma divertida, porque se tu for perder a cabeça, ficar chateado, estraga a tua viagem inteira, que você esperou e planejou tanto. Não vale a pena, né? É entender que aquele momento também vai passar.
A gente tem a plena consciência de que estar na estrada é perigoso. Não só por nós, mas também pelos outros, né? Buscamos estar sempre bem descansados, levar café e estar bem atentos a tudo que acontece não só dentro do nosso carro”.
Pausas para o cochilinho garantidas!
“Sempre saímos de madrugada para o Beni ir dormindo. Seguimos com a rotininha dele na medida do possível, mas às vezes acontecem adaptações. Na Bahia, por exemplo, amanhece mais cedo e ele passou a despertar antes do que estava acostumado. Aí a gente brinca, vai pra praia e procuramos locais que tenham uma estrutura legal pra ele poder descansar, com sombra, sofá, num ambiente calmo.
Às vezes me perguntam o que mudou nas nossas viagens? Eu acredito que é uma questão de adaptação. Antes, podíamos tomar café tarde e só voltar pra dormir de madrugada. Hoje, jantamos bem cedo com ele e, às vezes, 20h30 já tá todo mundo na cama, porque também nos cansamos mais. Ou então, voltamos da praia, damos o jantarzinho dele, o banho, ele dorme e a gente pede uma comidinha pra nós.
Deixou de ser divertido? Pra nós não. É outro momento. Sabíamos que a nossa rotina de viagens iria mudar com a chegada dele, mas se não fosse pra mudar, a gente nem teria tido filho, né? Quando optamos por ser pais e continuar viajando, sabíamos que precisaria ter uma adaptação à esta nova pessoa que está descobrindo o mundo com a gente. Então, é tentar fazer o máximo pro Benício se sentir bem e feliz onde a gente estiver. A rotina dele não foi igual em casa? Não foi. Assim como a nossa também não. E está tudo certo! A questão é não desgastar a criança.
Outro detalhe é que não levamos o berço dele, a gente faz cama compartilhada nas viagens. Conversamos com uma psicóloga e com a pediatra antes de tomar esta decisão e optamos por adaptar algumas coisas justamente pra ele se sentir seguro. E deu certo: durante os 21 dias, ele não teve nenhum momento de choro extremo por insegurança ou por medo. Ele se sentiu tranquilo e feliz com aquilo que ele estava conhecendo junto com a gente”.
“Tu é louca, eu jamais faria isso…”
“Expor a viagem no Instagram foi uma decisão nossa justamente para ajudar outros pais a tomarem a coragem de viajar com os filhos. Queremos mostrar que a criança não é um empecilho que não te deixa fazer as tuas coisas. É uma parceria para fazer melhor!
Já ouvi alguns comentários dizendo ‘tu é louca, imagina, eu jamais faria isso’, mas entendo que cada família é diferente e mais: que cada bebê é diferente e não deve ser comparado com outro. Mas claro que o julgamento existe, tanto é que, tirando a nossa família (que já está acostumada e respeita nosso estilo de vida) e as médicas que consultamos, poucas pessoas sabiam da nossa viagem. Mas também tive surpresas: já me disseram ‘tu é louca, mas é uma inspiração!’.
Quem é próximo da gente não critica, pois confia e sabe da nossa responsabilidade, que a gente jamais faria algo que prejudicasse o Beni, respeitamos ele acima de tudo. Teve uma vez que fomos para uma viagem curtinha, de uma hora, que acabaram virando três, porque no meio da estrada ele começou a chorar e tivemos que mudar os planos. Se isso acontecesse nessa viagem pra Bahia, a gente teria mudado o caminho, o hotel, o destino… tudo para ver ele bem.
Não estou dizendo que qualquer criança vai conseguir viajar 12 horas só porque meu filho faz isso, mas se a família tem o costume de viajar, de estar na estrada, se é um desejo, isso naturalmente vai passando para a criança. Agora, se vocês querem começar este hábito agora, minha dica é ir aos poucos, comece num final de semana, viajando poucas horas num dia.
Ah! E principalmente, confie na sua intuição e não compare o estilo de vida de vocês com o dos outros. Chega de tanta culpa, tanta pressão. Se você gosta de viajar, sempre gostou, não leve a maternidade como um empecilho,colocando o problema onde talvez nem exista.
Faça um planejamento a longo prazo, confie no seu parceiro ou parceira, e, se for preciso, pare tudo pra dar um carinho, um colo, onde você estiver. Você está criando um cidadãozinho do mundo e a viagem pode dar a oportunidade de aprendizado, de conhecimento e a possibilidade de conexão entre vocês”.
E qual o próximo destino?
“A gente não tem um próximo destino fechado, mas esta viagem pelo Brasil de ponta a ponta só nos incentivou a querer ver mais do nosso país. Quem sabe de Kombi, quem sabe de Fusca, mas sem muito destino definido, mas pra curtir mesmo e conhecer, vai saber né?
Meu maior sonho é viver viajando e mostrar que é possível viver a maternidade assim também, contando para o meu filho e para as pessoas que quiserem ouvir, essas histórias que a gente vive pelo caminho.
Estamos tentando ensinar e mostrar pro Benício que quando a gente tem um objetivo e se dedica pra ele, conseguimos alcançar. Pode ser uma viagem, mas pode ser no dia a dia, na profissão ou no que ele quiser. Ele pode se tornar um viajante como nós ou não!
Através destas viagens também desejo ensinar o respeito com as diferentes culturas que encontrarmos pelo caminho, com as diferentes pessoas, o respeito pela crença, pela origem, pela cor, pelo gênero… Um dos nossos objetivos é que, viajando com a gente, ele entre em contato com o que é diferente do dia a dia dele, e que saiba respeitar isso.
E sem dúvida nenhuma, a viagem, seja ela pra uma cidade ao lado ou a 4000 quilômetros de distância, amplia os horizontes e mostra que o mundo é muito maior do que a rua da nossa casa. Com certeza, isso vai fazer com que ele cresça como pessoa, como ser humano. Assim como a gente também cresceu e evoluiu nas nossas andanças pelo mundo.
Talvez possa ter um momento que ele vai dizer ‘mãe estou de saco cheio de viajar’ e está tudo certo. Ele vai seguir o sonho dele e a gente vai apoiar, mas pelo menos, eu vou saber que a gente ofertou isso a ele. É como na introdução alimentar, sabe? A gente oferece, insiste um pouco pra ele encarar o novo e depois a opção é dele! E, quem sabe, na vida adulta, ele também decida seguir os nossos passos de viajantes”.