“Ela não podia contrair o coronavírus, pois com o câncer seria fatal”

Em um relato emocionante, a mãe da pequena Laura, de apenas 5 anos, conta sobre os desafios de tratar o neuroblastoma da filha durante a pandemia.

Por Flávia Antunes
15 fev 2021, 10h00
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 (Marina Paz/Arquivo Pessoal)
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Desde o comecinho da pandemia, as famílias sentiram na pele os efeitos do isolamento social. Embora difícil, o distanciamento se mostrou uma forma efetiva de controlar a propagação do novo coronavírus e de proteger entes queridos. Principalmente, aqueles que fazem parte do grupo de risco ou que já têm alguma doença associada, como é o caso da pequena Laura, de apenas cinco anos, que foi diagnosticada em 2019 com neuroblastoma – um tipo de câncer comum na infância.

Se a batalha contra o quadro já era complicada, com uma rotina exaustiva de sessões de quimioterapia, ela se agravou ainda mais com o aparecimento da covid-19. Afinal, recém-recuperada de um transplante de medula óssea, e menina precisa tomar todos os cuidados possíveis para que não seja infectada pelo vírus.

Em um relato sensível e dolorido – sem deixar de lado a esperança de dias melhores -, Marina Isabelle Paz, fotógrafa e mãe de Laura, conta como foi (e está sendo) a montanha-russa desde o diagnóstico, até as “pequenas” vitórias no tratamento e os próximos passos que aguardam a família.

Leia o depoimento na íntegra:

Os primeiros sinais…

“Tudo começou em 2019, quando ela tinha três anos e meio. A gente tinha acabado de voltar de uma viagem e a Laura ainda era filha única. Ela vinha apresentando alguns sinais, mas que eram confundidos com qualquer outra doença da infância. Começou com uma dor no joelho e o pediatra disse que poderia ser uma sinovite transitória, que era normal da infância.

Depois, ela começou a sentir uma constipação e eu a levei na gastroenterologista, que falou que poderia ser por conta de uma má alimentação, mas ela sempre comeu muito saudável e nunca tinha tido problema. Em seguida, fomos ao ortopedista e ele disse que poderia ser por conta do crescimento – e foram três meses neste processo. 

Já em agosto, eu descobri que estava grávida. Comemoramos, porque queríamos muito o segundo filho e, neste mesmo dia, fizemos um churrasco. A Laura começou a reclamar de muita dor na barriga e achamos que fosse pela quantidade de carne que tinha comido. Pensamos que poderia ser apendicite, mas a médica decidiu solicitar um ultrassom e exame de sangue – algo que os outros médicos não pediram.

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Quando saiu o ultrassom, a médica disse que foi diagnosticada uma massa de aproximadamente 12 centímetros na região da barriga e o exame de sangue estava muito alterado, indicando uma anemia grave. A partir daí, ela disse que a Laura precisaria ficar internada para investigarem e que poderia ser um tumor, mas não sabiam se era maligno ou benigno. A internação era uma experiência desconhecida, ainda mais com essa agonia de não saber ao certo o que a minha filha tinha.

Depois da biópsia, veio o resultado de que era um câncer, mas os médicos ainda não sabiam o nome. Ela ficou internada por 15 dias e, neste meio tempo, eu estava passando muito mal, tive sangramentos e achei que ia perder o bebê, em grande parte causados pelo estresse.

Quando começaram a vir hematologistas e oncologistas para conversar com a gente, senti como se o chão tivesse se aberto e tivéssemos caído em um abismo por dias, porque era algo que não conseguíamos acreditar que estava acontecendo. O hospital chamou uma hematologista do GRAACC para avaliar o caso e fomos levados para lá de ambulância.”

“No momento em que desci da ambulância e vi o tapete escrito ‘combatendo e vencendo o câncer infantil’, a ficha foi caindo, percebi que realmente estava vivendo aquilo que mais parecia um pesadelo”

Enfim, o diagnóstico

“Lá se foram mais dias internada e em seguida saiu a confirmação de que era um neuroblastoma de estágio 4, que é o mais avançado, porque ele não está localizado só em uma parte e já espalhou pelo corpo – e, no caso dela, chegou até na medula óssea. Sendo assim, no dia seguinte ela já começou a quimioterapia.

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Foi tudo muito rápido, então foi difícil para a gente entender o que estava acontecendo. Eu pensava que era um pesadelo: que iria dormir, acordar e não estaria mais acontecendo. Além disso, o câncer infantil era uma coisa muito distante para nós, já que minha família é muito grande e nunca ninguém teve, nem adultos e nem crianças.

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(Marina Paz/Arquivo Pessoal)

Em um primeiro momento foi muito difícil para ela assimilar. Afinal, estava trancada no hospital há mais de 20 dias, sendo furada por agulhas a todo momento. Notei que ela se tornou uma criança completamente diferente de antes. Ficou muito estressada, sem entender muita coisa do que estava acontecendo.

Os médicos avisaram que ela provavelmente precisaria de um transplante de medula óssea e pensaram na possibilidade de ser com as células-tronco do irmão. Isso deu uma animada em mim e no meu marido, porque a gravidez pareceu ter ocorrido no tempo certo. 

Foi um ano e sete meses de um longo tratamento – a Laura fez no total 104 quimioterapias. Nesse meio tempo, eu ia com ela ao hospital com um barrigão, não abria mão de acompanhá-la. No fim, mesmo tendo coletado as células-tronco do irmão, os médicos conseguiram ‘limpar’ a medula dela, então optaram por fazer um transplante com o próprio tecido dela, chamado de transplante autólogo. Ela fez o procedimento em outubro e agora está se recuperando”.

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Isolamento – agora em dose dupla

“Quando minha filha começou o tratamento, fomos avisados de que ela teria que parar de ir à escola, por conta da imunidade baixa. Mas tirar tudo de uma criança do dia para a noite é muito difícil – ela fazia ballet, ia para a escola, fazia cursos… – e de uma hora para outra entramos em um mundo de hospital. Ainda sim, conseguíamos ir em um shopping aberto, passear um pouco, por exemplo. 

Mas então veio a pandemia e os médicos falaram que ela não poderia contrair o vírus de jeito nenhum, porque para crianças oncológicas seria fatal. Então nos trancamos em casa, indo e voltando do hospital apenas. Aos poucos, começaram a tirar a fisioterapeuta, o dentista e outras especialidades que eram menos essenciais, para diminuir o fluxo de pessoas. O GRAACC tomou todos os cuidados possíveis, mas lidar com essa doença na pandemia foi ainda mais difícil.

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Além disso, tinha a questão do transporte. Meu marido trabalha, então antes da pandemia íamos e voltávamos de Uber, mas depois ele tinha que se virar para nos levar e buscar, e mesmo assim nos sentíamos muito inseguros. Quem sai de um transplante de medula fica zerado de imunidade por muito tempo e, mesmo usando máscara, ficamos ainda com muito medo. Ela espirra e já achamos que pode ter algo a ver com o coronavírus”.

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A falta que a interação social faz

“O que mudou bastante para a Laura foi em relação às visitas. Mesmo no tratamento, minha família vinha em casa, brincava, animava o dia dela. Isso foi retirado de uma forma bruta e ela sente muita falta. 

Ela também demonstra sentir saudade de crianças da mesma idade. Pede para brincar, reclama de estar sozinha. Durante três meses, minha sobrinha fazia exames para passar um tempo com a Laura, mas começou a ficar complicado porque ela mora longe. Fazemos de vez em quando chamadas de vídeo, mas vimos que isso não faz bem para ela, porque fica com mais saudade.

Uma das coisas que a gente aprendeu nesse tempo de tratamento é que o emocional contribui muito para o andamento desse tipo de doença. Então a gente sempre tentou deixar o emocional dela lá em cima, mas na pandemia ficamos com poucas opções, por não podermos sair – e achamos ela mais cabisbaixa, mais quietinha…

Esse ano, ela não voltará para a escola presencialmente. Pagamos a quimioterapia, porque o convênio não cobre, mas mesmo com as despesas médicas achamos melhor matriculá-la na escolinha e ela está fazendo aula online – de música, inglês, educação física – então a manhã dela está sendo preenchida. Foi a melhor coisa que a gente fez.

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(Marina Paz/Arquivo Pessoal)
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Os próximos passos

“Depois do transplante, a Laura repetiu os exames e todas as lesões que ela tinha sumiram (na cervical, no joelho…), só que ainda apareceu um vestígio do tumor primário, e os médicos não sabem se é só uma massa morta ou se ainda há algumas células do neuroblastoma.

Sendo assim, ela vai tomar por seis meses uma quimioterapia oral e depois vai repetir todos os exames e, se descobrirem se a massa ainda está lá, vão discutir se optam por uma cirurgia (que está em um lugar muito delicado, por ser perto de vasos) ou se irá para a radioterapia. Então ainda temos outros passos pela frente.

É uma sensação de um pouco de alívio, porque agora só vamos uma vez por semana ao hospital. Se não fosse a pandemia, estaríamos vivendo uma vida mais normal, talvez ela poderia estar fazendo um passeio, visitando algum familiar – com todos os cuidados do pós-transplante.

Mesmo assim, nosso sentimento hoje é de gratidão e de alívio, por estarmos juntos em casa. Tem um peso ainda nas nossas costas, mas é bem menor. Mas claro que o medo sempre acompanha a gente, mesmo tendo fé de que ela ficará curada, porque vemos muitos casos de cânceres que voltam, por exemplo”.

Uma palavrinha para quem lida com o câncer infantil

Eu falo muito nas minhas redes sociais sobre o tema e sobre a importância de notar a doença cedo. Hoje, a maior chance de cura se dá com o diagnóstico precoce, mas o que mais acontece é a descoberta tardia. 

Meu conselho para as famílias que estão passando por isso é ter muita fé e focar nas coisas boas. Sei que cada um lida de uma forma, mas a tristeza pode ser transmitida para a criança. Eu sempre falo para as outras mães que foquem no positivo – que se blindem de notícias ruins, de casos negativos…festa-no-hospital-laura

Ela tinha um cabelo comprido, mas lidamos com o processo de uma maneira tão leve que, agora que os fios estão crescendo, ela diz ‘mãe, queria voltar a ser carequinha’. Além disso, a cada ciclo concluído, fazíamos uma festa – mesmo de dentro do hospital. No Halloween, por exemplo, fizemos a festa do ‘céu venceu’ e, mesmo não conseguindo falar por conta de lesões, ela saía oferecendo doces para as enfermeiras. 

Digo para não se entregarem para a doença. A palavra ‘câncer’ impacta muito, é difícil de ouvir, mas coloquei na minha cabeça que ela tem uma doença como qualquer outra mais grave e vamos tratar. Hoje, se você vir a Laura, vai notar que é uma criança muito feliz”. 

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(@marinaiisabelle/Instagram)
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