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O que os professores querem que você saiba sobre as aulas na pandemia

Neste ano letivo atípico, quatro educadores contam como se reinventaram e quais foram os principais desafios e estratégias adotadas.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 15 out 2020, 19h37 - Publicado em 15 out 2020, 18h44

Fazer o pequeno parar quieto na frente da tela do computador, arrumar um tempinho do dia para reproduzir as atividades da escola, lidar com o chororô quando seu filho não está disposto a interagir… Nesses mais de seis meses sem aulas presenciais, os pais enfrentaram dificuldades (e não foram poucas!) no ensino em casa das crianças.

Mas assim como para as famílias a nova dinâmica foi desafiadora, não podemos esquecer da pessoa que ocupa o outro lado da câmera: o professor. Acostumados com a presença física, que é tão fundamental quando falamos do aprendizado de crianças em idade pré-escolar, os educadores tiveram que se reinventar, criando novas estratégias para manter o vínculo com os alunos e transmitir aprendizados.

Buscando entender o outro lado da história, conversamos com alguns profissionais da rede pública e privada. Eles contaram quais foram as principais dificuldades que encontraram no ensino à distância, do que sentem mais falta do ambiente presencial e compartilharam até algumas vivências fofíssimas com os pequenos durante a pandemia, que tornaram o trabalho mais divertido e gratificante.

“Vejo essa dificuldade como crescimento, porque estou aprendendo a fazer coisas que, se não fosse por este momento, não procuraria me aventurar”

Andréia Rosa de Jesus Santos é professora de uma turma de alunos de dois anos e outra de cinco, nas escolas municipais Nei Francisco Marcatto e no Anexo Jequitibá, em Embu das Artes, e contou como conseguiu se adaptar lidando com famílias que nem sempre tinham acesso ao meio virtual.

“No início, foi mais complicado, porque eu não tinha muita experiência na parte de informática. Primeiramente, as aulas iriam acontecer por aplicativos de vídeo, mas meu público é bem carente e poucos têm acesso a isto, então acabamos decidindo fazer por Whatsapp, que é um recurso que todos têm.

Mesmo assim, o retorno varia muito. As crianças de dois anos, por exemplo, dependem totalmente dos responsáveis, porque não conseguem fazer nada sozinhas. Já na turma de cinco anos, é mais interessante: alguns pais dão feedback, mostram que concluíram a atividade. Mas não consigo atingir a todos, porque algumas famílias não têm internet ou celular, ou os pais voltaram a trabalhar e não tem quem auxilie o filho.

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Sobre as atividades, começamos mandando imagens ou vídeo explicando as propostas, mas agora achamos melhor mandar apostila xerocada. Eu mesma tento de várias formas: às vezes faço vídeos contando histórias que eles gostam, uso aplicativos que mostram a imagem do livro enquanto eu leio a história… Fui me adaptando como pude.

(Andreia Rosa/Arquivo Pessoal)

Estamos trabalhando com as crianças da faixa etária de cinco anos conteúdos como alfabeto, vogais, cores, formas geométricas, cuidados com a saúde e datas comemorativa. Com os vídeos que me enviam, consegui perceber uma melhora no aprendizado – lógico que não se compara com o presencial, mas teve algum resultado sim. 

Em relação à volta as aulas presencial, aqui não divulgaram nenhum documento falando sobre o retorno, então continuamos no modo remoto. Do que eu mais sinto falta no ambiente físico é o contato. Porque para os pequenos é preciso estar junto, pegar na mão (meus alunos são muito amorosos) e, querendo ou não, os pais não foram preparados para ensinar. 

No final, todo mundo acaba aprendendo de alguma forma. Vejo essa dificuldade como crescimento, porque estou aprendendo a fazer coisas que, se não fosse por este momento, não procuraria me aventurar.”

“Quando eu terminava de gravar (as aulas), vinha um sentimento de muita solidão e angústia”

Márcia Oliveira é educadora do espaço ekoa, lecionando para crianças da Educação Infantil, e durante a pandemia viveu momentos desafiadores e também gratificantes. No entanto, a maior dificuldade mesmo não foi montar atividades criativas, mas sim desmontá-las, notando a ausência de crianças brincando presencialmente no lugar.

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“A ideia dos educadores era produzir conteúdos com propostas, brincadeiras e atividades que costumavam ser feitas no dia a dia e enviar a produção para as famílias, para que na medida do possível reproduzissem em casa. Temos uma preocupação muito voltada ao cuidado e ao autocuidado. Queríamos que as crianças se sentissem seguras, acolhidas, não se sentissem abandonadas pelas professoras e que conseguissem vivenciar um pouco do que tinham no espaço presencial.

Para mim, foi extremamente difícil no começo, porque nosso trabalho é pautado na presença física, no acolhimento, no aconchego, na interação com as famílias… Passado o primeiro mês, quando a ficha caiu e percebi que o tempo em casa seria maior do que o imaginado, precisei pensar em novas estratégias além dos vídeos.

E foi quando começamos a fazer os encontros online, síncronos. Através deles, conseguimos ter uma escuta, um espaço para que nos mostrassem o que estavam fazendo, como estavam reproduzindo em casa. Foi um momento em que consegui respirar um pouco, porque ficar longe é muito difícil. 

(Espaço ekoa/Divulgação)

Mesmo com o encontro ao vivo, sempre deixamos as famílias muito à vontade, porque sabíamos das dificuldades. Não nos incomodávamos se as crianças se ausentavam do vídeo ou se não respondiam às perguntas que fazíamos. Respeitamos o espaço delas, porque sempre priorizamos a questão do vínculo.

Senti mais dificuldade com os bebês, porque muitas famílias levantaram a questão do uso de telas, então buscamos outras alternativas para nos mantermos por perto, produzindo conteúdos voltados para as famílias (como dicas de alimentação e de livros), e então começamos a ter mais resposta.

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Talvez um dos momentos mais marcantes tenha sido o primeiro encontro online que fiz com a minha turma, em que houve um silêncio absoluto, tanto das mães quanto os filhos. Por alguns minutos, ninguém conseguia falar nada. Então uma das crianças olhou e disse com um sorriso no rosto: “Marcinha, você tá aí!”. Ela se deu conta que eu não tinha desaparecido.  

Já os momentos mais desafiadores eram quando gravava vídeos em casa. Porque eu organizava os espaços e ficava na expectativa de mostrar para as crianças, mas não tinha quem interagisse com o lugar. Assim, quando eu terminava de gravar, vinha um sentimento de muita solidão e angústia, por ter que desorganizar o espaço.

Aqui estamos na segunda semana de retorno, voltamos com 20% da capacidade. O espaço teve uma reforma considerável para receber as crianças e sempre priorizamos – mas agora ainda mais – a vivência ao ar livre. Esse retorno foi um renascimento pra gente, reencontrar as crianças é algo muito precioso.”

“Como conquistar essas crianças e mostrar para os pais que o inglês também faz parte do currículo e tem importância?”

Professora de Língua Inglesa para alunos do Ensino Fundamental I na rede municipal de Guararema, Suéller Oliveira da Costa revelou que aproveitou o período para se aventurar em novos métodos de ensino, mas que nem sempre conseguia a adesão esperada dos pais por conta da disciplina da qual dá aula.

“A turma de seis anos é a mais participativa. Desde o início da pandemia, faço vídeo-aulas para eles e me desafiei a experimentar a contação de histórias, mesmo não sendo minha especialidade. Comecei a contar histórias em relação a projetos temáticos ligados com as atualidades – o primeiro foi sobre o coronavírus, explicando em inglês os protocolos e participando de uma campanha de conscientização toda online; já o outro foi sobre as queimadas, porque Guararema é muito envolta de natureza e estavam tendo picos de queimada.

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(Suéller Oliveira da Costa/Arquivo Pessoal)

Além das duas aulas semanais, tenho um grupo de pais e criei um canal do Youtube, onde eu disponibilizo as aulas de todas as turminhas. O Whatsapp também foi super eficaz, porque permitiu a aproximação deles – é por onde mandam as fotos e vídeos dos registros que fazem em casa.

Aliás, é por meio desses feedbacks que acompanhamos o aprendizado e até como eles estão se sentindo no dia – às vezes me enviam vídeos mal-humorados e tento entender se está tudo bem. Mas também tem criança que quer pegar o celular para falar comigo, outra que manda mensagem no domingo para contar que ganhou um gatinho, é muito divertido.

Na realidade, do que mais sentimos falta mesmo é o afeto, do estar junto, daquela festa que os pequenos fazem quando a professora entra na sala… No meu caso, a oralidade também fez muita falta, porque no presencial as crianças vão repetindo as palavras em inglês conforme eu falo e cantamos muito em sala, algo que ficou difícil no online. 

Outro dilema que enfrentei foi: Como conquistar essas crianças e mostrar para os pais que o inglês também faz parte do currículo e tem importância? Alguns foram bem sinceros, dizendo que precisavam dar prioridade para o português e matemática, que são as matérias básicas, porque não dariam conta de tudo, e fui bem compreensiva.

No geral, apesar das dificuldades, até que estamos tendo uma boa interlocução com as famílias e observando muito progresso (crianças que aprenderam a ler, outras recitando o alfabeto, por exemplo). Temos também a preocupação de levar os livros para a casa dos alunos que não têm acesso ou que moram muito longe da escola. 

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Nós, professores, voltamos para a escola, mas os alunos não voltarão este ano. Acho que quando for a hora, irão retomar com muito amor para dar. Porque imagino o quão difícil têm sido dentro das casas, somente com as mesmas pessoas e sem os amigos, que são essenciais na formação e no crescimento deles.”

“As crianças têm tanta imaginação, que é possível levá-las para qualquer lugar, principalmente usando a tecnologia a nosso favor”

Usar inteligência artificial para tornar as aulas mais divertidas? Sim! A professora Amanda Batistucci, da Maple Bear São Bernardo do Campo dá aula para crianças a partir de de dois anos e não mediu esforços para manter os pequenos entretidos durante o processo.

“No começo foi bem desafiador, de um dia para o outro tivemos que nos adaptar 100% em uma nova forma de ensinar. Tivemos alguns treinamentos e foi aí que eu comecei a perceber que não tem nada que não possa ser ensinado no ambiente virtual. As crianças têm tanta imaginação, que é possível levá-las para qualquer lugar, principalmente usando a tecnologia a nosso favor.

Por isso, comecei a procurar novas tecnologias e a pensar o que poderia trazer de novo para os alunos prestarem atenção, porque a concentração deles é muito pequena. Comecei a pensar em jogos que poderia criar online e então passei a usar a inteligência artificial.

Tudo começou quando eu me questionei: “como posso fazer para usar personagens de histórias infantis na minha aula?” Então meu marido, que trabalha com tecnologia, desenvolveu um software que detecta o movimento corporal e facial e transmite para um boneco. Assim as crianças assistiam e achavam que estavam falando com o Sulley, do Monstros S.A., ou com uma coruja que se mexia. 

(Amanda Batistucci/Arquivo Pessoal)

O carinho e amor que recebemos é muito gratificante, e como o tempo tecnológico é reduzido, não é possível aproveitar tanto quanto era na escola. Mas em relação à dinâmica, acredito que me adaptei bem, me esforcei bastante.

Ontem, por exemplo, fizemos pizza na aula. E meu aluno estava tão feliz, que falava “eu trouxe orégano fresco!” e colocava em cada um dos tomatinhos. Então dá para notar o desenvolvimento deles mesmo online, nós nos divertimos e também aprendemos. 

Na volta às aulas, acredito que meus alunos vão ter um pequeno choque vão precisar de uma adaptação. Porque é gostoso ir para a escola, mas também é bom estar no conforto de casa com a família. Mesmo sendo uma experiência bacana, não vejo a hora de voltar e de estar com eles na escola.”

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