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A cada duas crianças com câncer, uma não recebe diagnóstico, diz estudo

Levantamento considerou dados do mundo todo e estima que mais da metade dos casos de câncer infantil não é descoberto a tempo para o tratamento

Por Chloé Pinheiro
1 mar 2019, 16h04

Mais raro, o câncer infantil pode passar despercebido nos serviços de saúde. Um estudo recentemente publicado no periódico The Lancet, um dos mais importantes do mundo, dá uma nova dimensão a esse desafio. Os autores calculam que ocorram 400.000 novos casos da doença nos pequenos ao ano, o dobro da estimativa oficial atual, 200.000.

“Nosso modelo sugere que uma em cada duas crianças com câncer são não diagnosticadas e podem falecer sem receber tratamento”, disse Zachary Ward, cientista que assina o estudo, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em comunicado à imprensa. O texto ressalta ainda que, se nada for feito, a estimativa é que três milhões de casos passem batidos entre 2015 e 2030.

O diagnóstico precoce é a principal arma para combater a doença em crianças, uma vez que não há prevenção para a faixa etária. “Diferente dos tipos de tumor mais comum em adultos, como mama e próstata, em que há uma lesão pré-câncer, nas crianças ele surge de forma mais agressiva, e a única coisa que é possível fazer é diagnosticar a tempo”, explica Cecilia Maria Lima da Costa, diretora de Oncologia Pediátrica do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.

O que atrapalha o diagnóstico

Primeiro, falta informação. “Como o câncer infantil não acontece com frequência, antigamente os médicos nem eram treinados na faculdade para detectá-lo”, aponta Cecilia. O conhecimento sobre o tema avançou, mas ainda há dificuldades. “Pela falta de experiência real, o profissional nem sempre consegue reconhecer a doença”, completa a oncologista.

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Isso ocorre em parte porque os indícios dos tipos de câncer mais comuns nos pequenos são muito genéricos. “Uma leucemia, por exemplo, pode se manifestar com febre, palidez, aumento de ínguas no pescoço. Só que, na maioria dos casos, as crianças têm esses sintomas e não têm a doença”, explica Cecilia. Outro ponto que dificulta o tratamento é a falta de acompanhamento médico constante durante toda a infância.

No primeiro ano de vida, o desenvolvimento do bebê é acompanhado pelo médico, mas depois os pais só costumam levar ao pronto socorro quando algum problema específico aparece. “Cada vez que a família vai ao hospital, é atendida por um médico diferente, que começa uma nova investigação, e assim recebemos pacientes que estão indo de médico em médico há meses sem receber o diagnóstico”, aponta Cecília.

“O ideal seria que os filhos fossem acompanhados até os 18 anos pelo pediatra, pois ele saberá identificar problemas progressivos, que merecem investigação”, emenda a especialista, que concorda com o achado do estudo norte-americano sobre o subdiagnóstico do câncer no mundo, e aponta mais motivos para a lacuna no Brasil. “Há cidades onde a população não tem nem clínico geral disponível, que dirá pediatra”.

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Como a conta foi feita

Até agora, os estudos sobre a incidência do câncer na infância contabilizavam os registros de casos ocorridos nos país. Só que, segundo os autores do novo levantamento, 60% dos países do mundo não mantêm esses registros, ou possuem dados que cobrem apenas uma pequena parcela da população.

O trabalho recém-publicado usou um novo modelo, que considera os dados dos países que fazem o registro adequado de casos e combina esses números com pesquisas da Organização Mundial de Saúde. Na conta, os pesquisadores também consideraram um ajuste para subnotificação de casos em países onde o sistema público de saúde possui muitas fragilidades.

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Entender melhor qual é a prevalência da doença nos pequenos é importante para o combate à doença. “Estimativas corretas ajudam o governo a estabelecer prioridades de saúde pública e planos efetivos de diagnóstico e tratamento a todas as crianças com câncer”, concluiu Ward.

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