Capacitismo é, por definição simplificada, o nome dado ao ato de discriminar pessoas com deficiência (PCD) – seja ela física ou mental – ao enxergá-las com um olhar de superioridade, como se fossem incapazes ou tivessem menos valor dentro da sociedade. De acordo com a psicóloga e terapeuta integrativa Bianca Panvequi, portanto, usar do capacitismo é manifestar um preconceito social por suposição.
Mas nem sempre é fácil identificá-lo no dia a dia, já que, como acontece com outros tipos de preconceitos, como machismo e racismo, muitas vezes ele é minimizado ou ignorado. “É capacitismo quando a sua família te questiona sobre estar preparado para ter um relacionamento com uma pessoa com deficiência, quando casas de shows e outros espaços públicos não possuem infraestrutura para quem é PCD, e muitas vezes, as colocam nos piores lugares”, explica, na prática, Sonny Pólito, que tem deficiência visual e é um dos fundadores da Inclue, startup que permite treinamento ao varejo e atendimento inclusivo para PCD.
Outros exemplos no dia a dia, diz Sonny, são mostrados quando uma pessoa PCD vai prestar vestibular ou concurso público, e o responsável por aplicar a prova não possui nenhum tipo de treinamento na intenção de auxiliar quem tem deficiência. A ausência ou pouca oferta de brinquedos que representem crianças com deficiência, enxergar a acessibilidade como luxo (e não obrigação), e considerar vagas e cotas para quem é PCD como privilégio são atos igualmente capacitistas.
Além disso, este preconceito também é manifestado na linguagem, por meio de expressões e termos altamente ofensivos para quem é PCD, mas muitas vezes naturalizados. Para que isso mude, basta um esforço para compreender o porquê, manter uma postura vigilante e substituir palavras preconceituosas por termos neutros.
A seguir, selecionamos algumas das principais expressões capacitistas para você eliminar do vocabulário imediatamente – e ensinar as crianças de casa a fazerem o mesmo.
Chamar uma pessoa com deficiência de “coitado (a)”
Bianca explica que chamar uma pessoa com deficiência de “coitadinho” ou “limitado” é algo que ainda está bastante presente na nossa sociedade, mesmo sendo um ato extremamente ofensivo. “A pessoa com deficiência pode, sim, executar suas tarefas diárias e realizar suas próprios vontades da maneira como conseguir e se sentir melhor. Eles precisam de incentivo, e não de quem os enxergue com dó ou pena”, fala a profissional.
“Fazer perguntas mais intimas também é ofensivo quando você não tem liberdade ou algum vínculo próximo com a pessoa com deficiência em questão. Neste caso, não estamos falando necessariamente sobre palavras ou frases, mas sim de um preconceito velado e da falta de informações sobre o assunto, que infelizmente ainda existem por parte dos adultos”, complementa ela.
Chamar alguém de ou se autodefinir como “retardado”
O retardo mental ou deficiência intelectual é um transtorno neuropsiquiátrico, que necessita de diagnóstico médico. Trata-se de uma condição manifestada logo no nascimento ou nos primeiros anos da infância.
Portanto, usar do termo para se autodefinir quando fizer algo de “errado”, ou chamar alguém de “retardado” para xingar ou ofender aquela pessoa é outra forma de manifestar o preconceito frente quem é PCD, reforçando essa falsa ideia de superioridade.
Usar a expressão “fingir demência”
Assim como o retardo mental, a demência também é um diagnóstico médico dado a pessoas que sofreram ou vêm sofrendo com o declínio geral das habilidades mentais (como memória, linguagem e raciocínio). Não é difícil, portanto, entender que, ao usar o termo “fingir demência” para falar sobre uma situação na qual você fingiu não compreender o que estava acontecendo, é mais uma forma de expressar o capacitismo.
Substitua “fingir demência” por um simples “se fingir de desentendido”, expressão que não ofende ninguém.
Falar “deu uma de João-sem-braço”
Imagine o seguinte cenário: você está em um restaurante, contando uma história sobre uma pessoa preguiçosa, que se fingiu de desentendida para tirar vantagem de determinada situação. Para falar sobre esse indivíduo você, então, diz que ele “deu uma de João-sem-braço”. Quando você repara nas mesas ao seu redor, nota a presença de uma pessoa com deficiência, que não tem um braço, olhando para você de maneira bastante desconfortável.
A situação acima explica por si só a necessidade de tirar a expressão, ainda que popular, do seu vocabulário e das crianças, já que o termo é outro exemplo de capacitismo na linguagem, colocando pessoas que não têm deficiência como melhores do que quem é PCD. Substituir a frase não é complicado, basta usar “preguiçoso”, dizer que alguém “fugiu da responsabilidade” ou “se fez de desentendido”.
Perguntar “você está cego/surdo/mudo?”
Quando alguém não ouviu o que você disse, não pergunte se aquela pessoa “está surda”, quando alguém não conseguiu ver algo que você tentou mostrar a ela, não pergunte se ela “ficou cega” e, quando alguém não respondeu algo que você perguntou, não diga que ela “está muda”. Aqui, batemos na mesma tecla de que quem tem deficiência auditiva, visual ou de fala não é inferior e, portanto, não deve ter sua condição apontada como algo errado.
Substitua as perguntas capacitistas por “você prestou atenção no que eu te disse/mostrei?”, ou por “você poderia me responder o que te perguntei?”. Simples assim.
Usar a expressão: “Em terra de cego, quem tem um olho é rei”
Apesar de ser uma expressão bastante difundida ao longo dos anos, o ditado “em terra de cego, quem tem um olho é rei” é mais uma forma de demonstrar que pessoas sem deficiência visual são superiores e podem tirar vantagem de quem é PCD – neste caso, de quem não enxerga.
O dito popular, caso você deseje muito usá-lo, pode então ser reformulado por “no meio da ignorância, domina quem sabe pouco”.
Falar que alguém está “muito autista”
Falar sobre você mesmo ou se referir a alguém dizendo que aquela pessoa está “muito autista” para definir um comportamento de ausência, distração e isolamento é outro termo extremamente capacitista e preconceituoso.
Isso porque o autismo não é uma condição temporária, um estado de espírito: adultos e crianças dentro do espectro autista enfrentam, em diferentes níveis, alterações na capacidade de comunicação, nas interações sociais e no comportamento – e devem ser vistos e respeitados em toda sua complexidade.
Portanto, elimine o “estar muito autista” da sua fala. Substitua a expressão por “estou menos sociável” hoje, “ele está em um dia mais introspectivo”, “ela não está no clima de interagir com ninguém”.
Dizer que a sua empresa/projeto/atividade não vai dar certo, pois vocês não têm “perna/braço suficiente para tal coisa”
Sonny chama a atenção para o fato do capacitismo ser representado, também, pelo hábito que muitas empresas têm de contratarem pessoas com deficiência apenas na intenção de cumprirem a lei de cotas para PCD. Ao mesmo tempo, é bastante comum encontrarmos, em ambientes corporativos, gente que use a frase “não temos braço suficiente” ao se referirem à ausência de funcionários para a realização de determinado feito ou projeto em equipe.
A expressão também é preconceituosa e precisa ser revista, pois dá a entender que quem vive sob a condição de não ter um ou mais membros do corpo é incapaz de obter sucesso na vida. Vale trocá-la por “não temos um número de pessoas suficiente para resolver esse problema”, “não temos recursos para executar a tarefa”, e por aí vai.
Ensinando às crianças o respeito a quem é PCD
Para que crianças saibam respeitar pessoas com deficiência, o papel dos pais e responsáveis é de ensinar o vocabulário correto e abrir o diálogo sobre o assunto ainda na infância, sempre com naturalidade e de maneira direta. Mostrar aos pequenos que as diferenças existem, sim, mas que nem por isso elas são indicativo de superioridade ou inferioridade, diz Bianca, é igualmente essencial.
“Cada pessoa é única e, com as crianças, o melhor a fazer para tocar no tema da deficiência é abordar o assunto de forma lúdica. Investir em bonecos e bonecas, contar histórias e recorrer a outros materiais, como filmes e livros, possibilitam uma compreensão ainda melhor sobre a condição de quem é PCD”, exemplifica a psicóloga.
Conviver, compreender e incluir
Para Sonny, o capacitismo só tem fim quando espaços públicos e privados forem, de fato, ocupados por pessoas com deficiência, que devem ter oportunidades de serem incluídas na sociedade de maneira igualitária e por meio da acessibilidade.
“Só existe inclusão com convivência. É preciso mais empatia, é necessário sentir a necessidade do próximo e ver o quanto você pode ser capaz de preparar o seu produto ou serviço para atender a todos de forma igual. É preciso que a gente tenha mais pessoas com deficiência nas empresas, na televisão, nos meios de comunicação, nos negócios. Dessa forma, todos podem participar da sociedade de maneira mais igualitária, para que a convivência realmente diminua o preconceito”, finaliza.