Um resmungo, um pedido de colo – no caso de crianças maiores – e até um chorinho podem surgir dos bebês quando os deixamos muito sozinhos ou negamos uma atividade que ele estava acostumado a fazer. Nessa hora, alguns pais tentam se desdobrar para entreter e dar atenção ao pequeno, e mesmo assim não conseguem fazer com que ele ou ela se interesse pelo ambiente e as atividades à sua volta.
Se a situação não soa incomum por aí, provavelmente já passou pela cabeça dos pais que o desinteresse da criança pode estar ligado a um sentimento bem conhecido pelos adultos: o tédio. Mas como sabemos que os pequenos não se comportam da mesma forma que nós, fazer esta associação pode não ser tão simples quanto parece.
Afinal, o que é o tédio?
Flávia Oliveira, pediatra e neonatologista pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que, quando falamos do tédio, estamos nos referindo a uma situação em que não há interesse pelo que está ao redor, junto à sensação de falta de propósito e até desmotivação (algo muito comum na vida moderna, aliás).
Por isso que, quando nos referimos às crianças menores e aos bebês, não podemos falar em tédio da mesma forma que os adultos, já que a noção de “falta de propósito” ainda não se manifesta de igual modo nos pequenos. A pediatra explica que o que pode acontecer com eles, na verdade, é um excesso de estímulos dos pais na rotina que, mais tarde, irá gerar uma “falta” ao bebê.
“Eles não têm essa dimensão do tédio. Na realidade, quem conduz o dia do bebê somos nós, então, se é um bebê que está acostumado a ficar o tempo todo com pessoas interagindo, é claro que ele vai transformar isso em um padrão de comportamento”, esclarece Flávia. Logo, podemos concluir que bebês e crianças pequenas podem sim sentir tédio, mas que ele está mais associado a uma estimulação abundante desde cedo dos pais e de seus cuidadores.
“O bebê acaba manifestando este tédio resmungando, sempre solicitando colo ou a presença de alguém e não conseguindo desempenhar nada por si. São os momentos dos dias que você vai perceber que, quando você o coloca junto aos brinquedos, ele não consegue se distrair com o que tem à sua volta e precisa da atenção de alguém para que consiga ter alguma interação com o meio ambiente”, complementa Marisa da Matta Aprile, pediatra e membro do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
O tédio é, na verdade, positivo!
Flávia pontua que, na rotina moderna, como estamos o tempo todo desempenhando alguma função, ocupados e elaborando multitarefas, é comum encararmos o tédio como algo “ruim” e uma questão de improdutividade. E isto pode se estender para o dia a dia dos pequenos também.
“Hoje, procuramos dar para as crianças muitas atividades. Todo mundo quer estimulá-la para que ela tenha um bom desenvolvimento e faça as aquisições rapidamente. A partir daí, pode vir uma grande enxurrada de interações neste bebê”, explica Marisa. A pediatra ainda complementa que, com isso, o bebê passa a se acostumar com o excesso de atividades e estímulos e, por algum momento, pode começar a perder a possibilidade de brincar sozinho.
“Nós achamos que a criança pequena tem que estar fazendo alguma coisa o tempo todo, mas é importante o bebê ter momentos sem fazer nada. Tudo que ele está aprendendo é muito intenso nos primeiros anos de vida e ele precisa de um tempo para assimilar”, completa Flávia.
Para aquele bebê que não consegue desempenhar nenhuma atividade sem que alguém esteja estimulando ou criando para ele, ficar entediado é uma experiência boa que o ajudará a desenvolver a criatividade. “É importante você deixar alguns intervalos na rotina da criança para brincadeiras que não estejam programas. É bom que eles criem os seus próprios brinquedos e que eles imaginem livremente, criem oportunidades de brincadeiras”, pontua Marisa.
Estimulando o tédio no bebê
Deixar coisas à mão para que o pequeno possa brincar de uma forma diferente é bom para que ele explore o universo e crie conexões a mais. No futuro, elas irão estimular a sua criatividade e independência! “Para ajudar a sair do tédio, é interessante oferecer alternativas de atividades para a criança. No fim, quando ela ficar sozinha, ela conseguirá fazer coisas que são agradáveis sem necessidade de o adulto estar oferecendo estas atribuições”, esclarece Marisa.
Brinquedos feitos em casa, sucata, caixinhas e até potinhos plásticos ou utensílios que utilizamos na cozinha são ótimas opções para ajudar o bebê a explorar interações diferentes. Sem falar que em momentos que ele estiver bem e calmo, sem chorar, deixá-lo brincando um pouco sozinho – supervisionando de perto sempre, é claro – também será benéfico.