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Maternatípica

Poliana é mestranda em comportamento infantil, autora do instablog @meubebeeoautismo e mãe atípica de Soph e João.
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Não, as telas não causam autismo!

Muito mais do que demonizar ou espalhar conceitos distorcidos, é preciso orientar às famílias das situações em que telas devem ser evitadas.

Por Poliana Martins
11 fev 2022, 14h00
Criança segurando celular
 (Arte: Victoria Daud / Foto: Ippei Naoi/Getty Images)
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Uma das grandes preocupações da atualidade entre pais e profissionais engajados com o desenvolvimento infantil é quanto ao uso de telas e seus impactos no desenvolvimento dos bebês e crianças pequenas. Uma preocupação justificada, uma vez que as sociedades brasileiras e americanas de pediatria recomendam que bebês menores de 2 anos não sejam expostos a telas, ainda que passivamente. Entre 2 e 5 anos de idade a recomendação é que as crianças utilizem apenas 1 hora de tela por dia. Mas quais malefícios as telas podem de fato causar para o desenvolvimento?

Nos primeiros dois anos o bebê percebe e aprende sobre o mundo pelos sentidos. Significa dizer que a palavra “maçã” não significa nada para um bebê que acabou de nascer. Mas após segurar a fruta e sentir seu formato redondo, sua temperatura fria e sua firmeza; cheirá-la e perceber o aroma doce; prová-la e notar a crocância acompanhada de um sabor cítrico o bebê começa a aprender o que é maçã. Repetida essa experiência diversas vezes, ouvindo de seus cuidadores a palavra “maçã” acompanhada da experiência “maçã” o bebê passa a ter uma representação cognitiva do que é a fruta, ele apreende (e aprende) maçã.

Não tem como negar que o meio ambiente possui uma variabilidade de estímulos e riquezas de experiência que um programa de TV, por mais “pedagógico” e adequado que seja jamais conseguiria reproduzir, pois trabalha apenas a estimulação visual e auditiva. Ver uma poça d’água na tevê acompanhado da palavra “água” nunca se compararia à experiência de colocar o pé na poça (gelada, densa, profunda, rasa, quente, barrenta, morna, agradável ou não, molhar, secar, evaporar). Essa é uma das razões mais genuínas pelas quais é dever de todos nós protegermos à infância do excesso de exposição a telas.

Num mundo em que os adultos vivem cada vez menos em redes comunitárias e se isolam em apartamentos fechados, os bebês perdem a oportunidade de conhecer. E, sim, inegavelmente todos perdemos em termos de desenvolvimento cognitivo. Quanto mais tempo “de tela” a criança tem, menos tempo de exploração, trocas sociais e brincadeiras sensório-motoras ela terá. Uma criança que passa 2 horas vendo desenhos terá 2 horas a menos disponíveis pra explorar e vivenciar o mundo.

Outro ponto muito relacionado à modernidade é que utilizamos as telas como chupeta eletrônica, inclusive eu, inclusive para os próprios adultos. Quero dizer que toda vez que nossos filhos ficam entediados em casa, ou começam a nos importunar no shopping, no almoço de família, ou no carro, recorremos às telas como ferramenta do que chamamos de regulação emocional.

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Não é novidade que desde que o mundo é mundo adultos tentam regular crianças por todas as estratégias possíveis: balançando, amamentando, dando chupeta, brincando, cantando com a criança. E qual o problema de recorrer às telas para fazer isso? Absolutamente nenhum, desde que não seja a única ou a principal ferramenta desse processo de ensino. Isso porque quando você – balança, canta, brinca – com seu filho para que ele aprenda a lidar com o tédio/tempo de espera/frustração, ele também estará aprendendo uma variabilidade de formas de se regular sozinho nas vezes em que precisar. Mas quando as telas passam a ser o único recurso que utilizamos nessas ocasiões, como a criança vai aprender a, por exemplo, esperar na fila do mercado sem muita impaciência?

Pouca clareza, muito desamparo

Enquanto pesquisadora que não apenas estuda o desenvolvimento, mas atua junto a crianças com atraso e dificuldades de aprendizado, compreendo a preocupação das sociedades de pediatria, mas sinto falta de clareza na comunicação científica e pra ser mais contundente, sinto falta de ciência feita por mulheres e para mulheres. Me parece que a postura adotada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é a de aterrorizar e controlar pelo temor, mas sem esclarecer as nuances envolvidas:

  • A realidade do cuidado infantil mostra para as famílias que a exposição moderada a telas não causa atraso no desenvolvimento e isso faz com que a escolha de expor as crianças permaneça.
  • O discurso demonizador de telas se dirige apenas para mães, as principais (senão únicas) responsáveis pelo cuidado. Quem fica com a criança para que a mãe lave o cabelo ou cozinhe um arroz? Qual a estrutura de amparo que essas mesmas sociedades propõem para essas mulheres?
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A preocupação da ciência é sempre de propor a melhor solução de saúde pública possível, para que a comunidade faça escolhas informadas. Nenhuma delas imune a riscos e todas elas dentro de contextos sociais e individuais que não podemos ignorar.

O que estou dizendo neste texto é que sabemos que dar macarrão para nossos filhos não é a melhor escolha de saúde e que mandar Danoninho no lanche da escola também deve ser evitado. Mas que se essas escolhas forem feitas de forma pontual e não como regra, dificilmente prejudicaremos o desenvolvimento ou saúde dos pequenos.

O mesmo raciocínio precisa ser feito quando o assunto é tela. Porque os estudos que tratam dos atrasos gerados por telas em bebês consideram uma exposição moderada (+2 horas por dia). Não é sobre um uso pontual; um xixizinho que você precisou fazer de tarde; aquela parte da viagem que você estava cansada ou mesmo os dias em que você queria chorar em paz.

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Desconheço estudos robustos que demonstrem que exposição a telas modifique o cérebro per si. O que acontece é perda de oportunidade de aprendizado e efeitos de exposição a conteúdos inadequados – esses me preocupam profundamente.

Na primeira infância as telas prejudicam o sono porque mantém nossos cérebros estimulados quando precisamos relaxar; podem gerar atrasos no desenvolvimento de linguagem em contextos de uso excessivo (2h ou mais horas por dia); podem impedir o aprendizado de ferramentas de regulação emocional e diminuir habilidades sociais se a exposição acontece em momentos inadequados.

Por isso, muito mais do que demonizar e proibir é preciso orientar às famílias das situações em que telas devem ser evitadas (numa birra, no almoço de família e na fila do mercado) e conteúdos que são ou não adequados. O uso de telas precisa ser mediado pelo adulto que esteja com a criança e acontecer o mínimo possível. É fundamental que as crianças sejam estimuladas, tenham a possibilidade de explorar o mundo sensorialmente, conversem e brinquem com seus pais e pares da mesma idade e aprendam a lidar com as emoções negativas que são partes da vivência humana.

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Mas pode fazer seu arroz tranqüila enquanto seu filho assiste o Mundo Bita, sem medo de que isso vá gerar atrasos no desenvolvimento do seu pequeno. Só não esqueça de brincar e se comunicar bastante com ele no resto do tempo.

Ah, e telas não causam autismo. Mas isso vocês já sabiam, né? : )

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