Luana Safire (@luanasafire) é mãe do Gabriel, de quase 14 anos, e idealizadora do Ébano Brasil (@revistaebanobrasil), projeto de combate ao racismo, com ações de educação antirracista e de acolhimento de crianças e adolescentes vítimas dessa violência. Mãe solo e negra retinta, em um país que se estrutura pelo preconceito racial, ela fala sobre os principais desafios ao maternar uma criança preta e afrodescendente nos dias de hoje.
Leia o depoimento completo a seguir!
“Acredito que, quando buscamos conhecimento racial e analisamos a sociedade, conseguimos entender o quão difícil é o desafio diário de maternar criança pretas e afrodescendentes em um país estruturalmente racista.
De modo geral, não falando apenas de mim, que sou mãe preta, é necessário também abrir as reflexões para crianças negras filhas de pessoas não negras, que são fruto de um relacionamento inter-racial ou são geradas no coração por meio da adoção. Muitas vezes, elas acabam se sentindo sozinhas nessa luta, principalmente quando seus filhos passam por uma situação de racismo infantil.
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O preconceito racial na escola
Para mim, o primeiro grande desafio é atravessar a fase escolar, em que muitas crianças não negras reproduzem o que aprendem em casa. Isso pode causar danos emocionais na saúde dos nossos filhos, gerando impactos negativos para o resto da vida.
Como disse Nelson Mandela, “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
Brincar sem limites e com representatividade
O segundo desafio é permitir que as crianças pretas brinquem, vivenciem a infância e o lúdico, sem que ninguém as impeça de sonhar. Além de o mundo à nossa volta insistir em dizer que somos limitados e que não podemos voar tão alto quanto nosso imaginário quer, nós também nos deparamos com obstáculos ao não encontrarmos representatividade nas mínimas coisas – como, em uma loja de brinquedos, não haver bonecos que nos representem.
Para muitas pessoas, isso não é nada. Mas, na prática, é racismo. Atualmente, temos avançado bastante e estamos observando um novo ciclo de entendimento de que pessoas pretas também consomem. Então, ao contrário do que vivi na minha infância, meu filho se vê mais representado na publicidade, na TV e até nas telas de cinema. Porém, por mais que tenhamos avançado, a busca pela representatividade continua e não pode parar.
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Luana Safire quando criança
Autoestima e aceitação estética negra
Um dos maiores ofensores da autoestima das crianças pretas e afrodescendentes é o racismo. Por mais que eu tenha sido uma criança negra, não consegui suportar a dor de ouvir o choro do meu filho, aos cinco anos de idade, relatando que uma aluna de sua sala na pré-escola estava dizendo aos demais que não brincassem com ele, pois tinha a pele escura e o cabelo “duro”.
Quando meu filho relatou essa situação, eu entendi, de fato, a minha luta pela igualdade racial e foi assim que nasceu meu projeto, Ébano Brasil. Criado em 2015, ele tem como objetivo o combate ao racismo e o acolhimento de crianças e adolescentes vítimas dessa violência.
Cuidado com a violência policial
Se tem algo que aprendi com a minha mãe e com meus entes mais velhos, é que pessoas pretas têm a obrigação de estar sempre de roupas limpas, sem “bolinha de cobertor”, pele hidratada e não acinzentada, cabelos penteados, nunca deixar de usar desodorante e sempre andar com documento – desde pequenas. Nada de andar “se arrastando”, nem com capuz ou touca na cabeça. E essa preocupação que os meus mais velhos tinham continua; eu tenho a mesma com meu filho.
Infelizmente, no Brasil, o perfil do bandido tem uma imagem, um padrão no qual meu filho se encaixa. Toda vez que ele sai, até para ir à escola, existem um medo e um desespero dentro de mim, pois eu sei que meu filho é alvo.
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Incentivo à intelectualidade
Infelizmente, crescemos ouvindo que temos que fazer “10 vezes mais” para conquistar algo na vida. Que a cor da nossa pele nos define como quem só pode ingressar no mercado de trabalho se for em cargos subalternos e para fazer serviços braçais.
Ao longo do tempo, isso está mudando. Com a criação das cotas raciais nas universidades e empresas, estamos conseguindo mostrar que não somos só bons em carregar blocos ou lavar privada – também somos excelentes em trabalhos que envolvem criatividade, tecnologia e intelectualidade como um todo.
Porém, quando buscamos referência de trabalho com pessoas pretas como destaque, ainda encontramos poucas diante do número populacional do nosso país, composto por negros, afrodescendentes e indígenas em sua maioria. Mas, como disse, as coisas estão mudando. Há um movimento social que busca equidade e gera oportunidade para as pessoas pretas mostrarem seu potencial dentro de realidades profissionais em que não nos víamos antes.
Hoje, estou na fase de orientar o Gabriel sobre as profissões e os objetivos que ele almeja, incentivando e reafirmando todos os dias que, se ele sonha em conquistar algo, ele precisa trabalhar e correr atrás. E eu estou junto com ele para tornar esse sonho possível.
Uma luta de todos
Para que o racismo possa ser combatido, são necessários o apoio e a ajuda de todos. Ser antirracista e um aliado da luta já é uma forma de brigar por uma sociedade melhor e mais igualitária. É preciso que as pessoas parem de perder a vida por consequência desse mal. É preciso, também, que nossas crianças pretas e afrodescendentes tenham o direito de viver sua infância em paz, sem sofrer bloqueio intelectual e sem perder o direito de sonhar com seus objetivos.”