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“Precisei criar uma vaquinha pra cobrir tratamento de câncer do meu filho”

A mãe Clarissa Avila divide o que levou em consideração ao decidir pedir ajuda de outras pessoas para salvar a vida do filho Valentin, de quatro anos.

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 22 dez 2021, 09h35 - Publicado em 21 dez 2021, 17h04
Clarissa-Avila-com-o-filho-Valentin
 (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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Até onde você iria para ver seu filho crescer com saúde? Esta foi uma das perguntas que a maternidade trouxe à fisioterapeuta Clarissa Ávila, de 35 anos, quando ela descobriu que Valentin, seu primogênito, trilharia uma longa jornada em busca da cura do câncer infantil. Aos dois anos, o garotinho foi diagnosticado com o raro sarcoma de BCOR.

A história do pequeno começou com a suspeita de um quadro de Covid-19 após episódios de febre, irritabilidade e dor no peito. Nas primeiras tomografias, a imagem parecia mostrar um pulmão comprometido pela doença respiratória. No entanto, o que se descobriu mais tarde, era que a mancha observada nos registros era uma massa cancerígena já em estágio de metástase nos pulmões e afetando também a pleura (camada que reveste os órgãos).

Clarissa viveu uma corrida contra o tempo, saindo da Bahia em direção a São Paulo, para que seu filho pudesse ter o diagnóstico correto. Neste meio tempo, as dívidas foram se somando e a saída encontrada pela mãe foi criar um projeto na plataforma Vakinha, no valor de R$ 520 mil, para tentar cobrir os gastos e bancar a cirurgia de urgência que Valentin, atualmente com quatro anos, precisa passar para estabilizar a coluna, já que ele perdeu três costelas e três vértebras durante o tratamento.

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Em um bate-papo exclusivo com o Bebê.com.br, a fisioterapeuta dividiu como a decisão de pedir ajuda financeira para quem se deparasse com sua história não foi fácil, mas indispensável. “Criar esta ‘vaquinha’ foi um conjunto de fatores, que me fez pensar nesta dificuldade que temos em expor problemas e pedir dinheiro para outras pessoas. Mas quando decidi, o que foi no último minuto e por muita necessidade, vi o quanto tem mais pessoas boas do que ruins ao meu redor”, refletiu a mãe.

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Veja o relato na íntegra: 

Tudo começou com a suspeita de Covid-19…

“Em 2019, engravidei da minha segunda filha, que nasceu em fevereiro de 2020, na Bahia, e logo começou a quarentena em março. Acabamos ficando por lá por conta da pandemia, do meu resguardo e, até então, Valentin estava bem. Até que em junho, ele começou a reclamar de dor.

No mês seguinte, ele começou a ter febre, não querer comer e ficar muito, mas muito irritado. Ele acordava de noite, colocava a mão no peito e gritava. Pensei que era alergia alimentar, só que febre não é um sintoma. Como estávamos em pandemia, não queria levá-lo ao pronto-socorro. Então, nesse meio tempo, uma amiga pediatra foi me orientando, mas explicou que depois de três dias, não teria jeito, precisaria levá-lo ao hospital.

Foi neste terceiro dia que ele estava brincando sentado, sem ter corrido, pulado, enfim, feito nada de muita movimentação, que reparei que sua respiração estava ofegante. Nessa hora, minha amiga falou que era para levá-lo ao hospital imediatamente.

No pronto-socorro, fizemos uma radiografia e exame de sangue, que deu o PCR alto, indicando inflamação. Além de todo o pulmão aparecer tomado, branco… O médico falou que era suspeita de Covid-19 e, então, entrei em desespero, porque estávamos completamente isolados. Quando minha mãe precisava ir ao mercado, meu pai lavava até o pneu do carro por medo.

Por não ter UTI pediátrica no hospital que estávamos, o médico nos orientou a irmos para Itabuna e darmos entrada no pronto-socorro de lá. Quando chegamos, Valentin teve que ficar em isolamento de covid. Foi bem difícil, porque minha filha tinha quatro meses, eu ainda estava amamentando. Então, fiquei no carro chorando, tirando leite de um lado e ela mamando do outro”.

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Dificuldade de diagnóstico, descaso e desespero

“Apesar da suspeita de covid, os médicos não achavam que era, mas precisei internar o Valentin porque era o protocolo. A cirurgiã pediátrica veio conversar comigo, e falou que, no dia seguinte, fariam uma tomografia e colocariam um dreno no pulmão dele porque estava todo tomado. Nessa hora, perguntei o que poderia ser ou acontecer, caso não fosse covid, e eles não souberam responder.

Quando Valentin foi fazer a tomografia, queriam forçá-lo a ficar deitado naquela maca que nem adulto fica. Tentei insistir, segurá-lo, mas depois chorando, falei que não dava mais e perguntei se o exame não poderia ser sedado. Eles viraram a cara pra mim, e disseram que iriam ver com o anestesista.

Dentro do quarto da UTI, presenciei a colocada do dreno. Eles injetaram a medicação, cortaram entre as costelas e foram enfiando o tubo com a tesoura, para ir perfurando a pleura do pulmão. Só que a médica fazia isso e colocava todo o peso dela em cima do Valentin, que sempre foi muito magrinho. Era uma cena de terror: ele gritava, a outra médica segurava os braços dele e eu perguntava se ele estava sedado mesmo, porque estava gritando e se mexendo. Elas respondiam: ‘É normal, ‘mãezinha’, porque ainda tem reflexo’.

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Quando conseguiram enfiar o dreno dentro do tórax dele, parecia que estavam abrindo uma torneira no máximo, jorrando sangue. Lembro da cena das médicas, uma olhando para a cara da outra, assustadas e questionando o que era aquilo. Foram 850 mililitros de sangue drenados.

Clarissa-Avila-com-o-filho-Valentin
(Arquivo Pessoal/Reprodução)

Eles aproveitaram a sedação do dreno e fizeram a tomografia. Com o exame pronto, eu chamava pela médica e ela sumiu completamente. Só tinha uma técnica de enfermagem, o que não pode acontecer, porque em toda UTI é obrigatório ter um médico 24 horas.

Passei a tarde, a noite, e a madrugada inteira perguntando por essa médica, que só apareceu no dia seguinte, no meio da manhã. Só que durante esse período, um amigo meu que trabalha na rede do hospital, olhou os exames de Valentin e viu que tinha uma massa na região do tórax. Então, ele nos orientou a irmos para Salvador.

Quando a médica chegou, eu já estava bem chateada e irritada, e disse que tinha passado a noite inteira sem uma resposta do exame. Ela falou que, pelo menos, ele estava bem, saturando adequadamente. Mas logo a interrompi e falei que já sabia que tinha uma massa no exame. Ela perguntou quem havia me contado, disse que não importava, mas que ela deveria ter vindo falar mais cedo comigo.

Continuei dizendo que não iria ficar mais naquele hospital, que queria uma transferência e ela falou que não precisava, porque a massa era só sangue que não drenou. Falei que não iria esperar e, então, ela saiu do quarto. Meu pai e amigos médicos tiveram que ir atrás dela, e ela não queria dar esta transferência de jeito nenhum. Quando conseguimos, foi de noite e ela colocou no relatório que era a pedido da família, o que acabou com a gente, porque quando você coloca isso, o plano não paga”.

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A corrida contra o tempo para tratar o câncer 

“Meu pai teve que desembolsar do dia pra noite R$ 22 mil reais para pagar uma UTI aérea para o Valentin. A sorte é que, já na manhã seguinte, conseguimos vaga em Salvador e chegamos lá de noite. Em um hospital de referência na capital da Bahia, eles explicaram que iam fazer ressonância, tomografia, enfim, todos os exames para saber o que ele tinha. Nesse meio tempo, Valentin ia ter que ficar em isolamento pela suspeita de covid e pela bactéria que acabou pegando no hospital de Itabuna.

Com os exames, viram que realmente era um tumor maligno e ele tinha que operar de urgência, porque ninguém sabia como a doença evoluiria – por exemplo, se ela era muito agressiva ou não. Não havia nenhum exame anterior que pudesse servir de comparação. Eles também explicaram que, na ressonância, dava para ver que o tumor estava perto da coluna, então, teria que ser uma cirurgia torácica junto com neurocirurgia, mas isso eles só decidiriam na hora.

Foi muita coisa para assimilar ao mesmo tempo, mas Valentin precisou fazer a cirurgia de urgência já no outro dia, de manhã. Na sala do procedimento, acabou sendo realizada só a cirurgia torácica, em que eles tiraram uma costela como margem de proteção. Além disso, a cirurgia foi bem mais complicada, durando sete horas, por conta do dreno que tinham colocado em Itabuna, já que o sangue que havia sido extraído era do próprio tumor, extravasando conteúdo para áreas próximas e podendo contaminá-las.

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Depois da cirurgia, ele ficou com dreno de novo e o médico disse que só teria alta após parar de drenar e, para isso, ele precisava andar. Eu não o forcei, mas teve um fisioterapeuta que pegou e o botou no chão e o Valentin gritou. O profissional ainda o puxou pela incisão da cirurgia. Fiquei tão chateada que, mesmo eu sendo fisioterapeuta, falei que não queria mais fisioterapia naquele quarto.

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Logo depois da cirurgia, eles também tentaram colocar um acesso no pescoço antes de tentar o central. Foram quatro pessoas segurando a cabeça e o tórax do Valentin no primeiro dia de pós-operatório. A médica furou duas vezes cada lado e, desde o início, falei que ela não iria conseguir. No fim, ela olhou para mim e disse que ele tinha ficado tão nervoso que a veia sumiu. Fiquei muito triste e chateada comigo mesma, porque a gente acaba se sentindo culpada por não ter dito ‘não’ e não deixarem fazer aquilo com o nosso filho…”

Mais uma mudança de médico

“Nesse meio tempo, o médico dizia que precisávamos saber o nome e sobrenome do tumor para conseguirmos definir um tratamento de quimioterapia. Valentin acabou tendo alta antes desse resultado, que acabou dando insatisfatório. Apareceu que era só um sarcoma indiferenciado.

Eu questionava a equipe de oncologia sobre qual era o próximo passo, e eles não me respondiam. Criaram um grupo e, de repente, me falaram que iriam internar o Valentin para fazer os exames de estadiamento (para descobrir como está o câncer pelo corpo) e iniciar a quimioterapia.

“Mas que quimioterapia é essa? Para quê? Como vai ser feita? Ninguém me explicou nada.”

Então, eles marcaram uma consulta pra explicar que iam fazer um tratamento pra sarcoma. Só que, neste momento, eu já estava insegura pensando em como eu iria passar por um tratamento tão longo com pessoas que não me respondiam, não tiravam minhas dúvidas. Cheguei a ouvir que estressava a equipe da UTI por perguntar demais…

Acabei indo numa médica particular em Salvador, que era referência no assunto, e desde a hora que entrei no consultório, já gostei dela. A primeira coisa que ela fez não foi falar comigo, mas se agachar e conversar com o Valentin. Ela perguntou do que ele gostava de brincar e o chamou para ir no consultório ver os brinquedos”.

O tratamento que deu certo! 

“Ela nos orientou a vir para São Paulo, onde fomos para o A.C. Camargo. Nesse período de fim de cirurgia de Valentin até chegarmos aqui, que foram quinze dias, o tumor já tinha voltado a crescer e estava tomando conta de quase todos os segmentos do canal medular. Ele teve que tomar a dexametasona, que é o mesmo remédio que ele está tomando agora, para diminuir a inflamação e começar a quimioterapia.

Os resultados do estadiamento deu estágio quatro do câncer, com metástase no pulmão e na pleura. A médica acredita que esta metástase da pleura tenha sido por conta do dreno que acabou sendo colocado dentro do tumor, já que é muito incomum este tipo de diagnóstico.

Já no diagnóstico da patologia, saiu que era Sarcoma de BCOR, que não tem tratamento e é o único caso no Brasil, e um dos poucos existentes no mundo. O que fizeram foi um tratamento para um sarcoma que acreditam ser parecido, com 14 ciclos de quimioterapia e radioterapia por causa da metástase do pulmão.

Depois de dois ciclos, em novembro de 2020, ele precisou passar pela segunda cirurgia e os médicos viram que só havia restos de tumor morto que tinham ficado perto da coluna e dentro do canal medular. Só que mesmo dando negativo, ele precisou continuar a quimioterapia e radioterapia.

Hoje, ele está em acompanhamento. Não existe mais o tumor ou as células cancerígenas, de acordo com os exames, mas ainda é muito cedo para falar que ele está curado, principalmente de um tipo de câncer que não se sabe o que é. Só se fala sobre cura após cinco anos”.

Até que hoje…

“Por causa da última cirurgia que ele precisou passar, foi preciso tirar um pedaço do pulmão e da pleura. Além de ele ter perdido mais duas costelas e três vértebras, o que acabou ocasionando desvios posturais. Inicialmente, ele estava mais tranquilo, mas agora, em outubro, Valentin começou a sentir dores extremas repentinamente.

Teve um dia que ele começou a gritar de dor, pediu colo e não saía de perto de jeito nenhum. Fui para o hospital com ele, fizeram uma tomografia e deu um sinal na medula. A médica oncologista achou que o câncer tinha voltado e fiquei bastante desanimada. Mas na ressonância, descobrimos que eram questões de estrutura óssea. Ele adquiriu uma cifoescoliose e as suas vértebras ficaram uma em cima da outra, escorregando, e isso acabou comprimindo a medula dele.

E é aí em que chegamos hoje. Sempre tentamos manter tudo em família, com meu pai pedindo empréstimos, tentando manter a casa, o tratamento de Valentin… Minha irmã, que estava nos Estados Unidos, acabou vindo pra cá por conta da pandemia e não pôde voltar e nem trabalhar, porque ficava cuidando da minha filha, enquanto eu estava no hospital. Então, tem sido muito pesado para nossa família e tivemos, neste momento, que expor tudo isso porque não temos mais recursos.

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Foram muitos gastos que não estão cobertos até agora. Inclusive, fui em muitos médicos particulares depois desse diagnóstico da compressão medular de Valentin até que eu chegasse em um que me trouxesse mais segurança e garantisse menos sequelas na cirurgia que ele precisará passar.

Encontrei um profissional que faria de uma forma que não vai fusionar (fundir) totalmente a coluna dele, mas sustentar até que ele tenha idade suficiente para fazer outra cirurgia que fixe a coluna. Caso fusionasse por completo neste momento, comprometeria o desenvolvimento da caixa torácica e do pulmão que, no caso do Valentin, já passou por tantos procedimentos”.

A difícil decisão de fazer uma vaquinha

“Foi muito difícil, porque vivo muito restrita e em um eterno medo com as minhas medidas protetivas, necessárias depois de um relacionamento abusivo. Além de ser desafiador decidir mostrar o Valentin, porque os meus princípios sempre foram baseados em não expor meus filhos na internet.

No início, quando ele era bem pequenininho, eu até postava algumas fotos. Mas depois fiquei me perguntando por que eu publicava as imagens dos meus filhos se eu não gostava que as pessoas postassem as minhas. Além disso, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais são os responsáveis por proteger a imagem das crianças.

Então, por não saber se ele quer ou não ser exposto daquele jeito, eu desfoco todas as fotos do Valentin no hospital, até porque são momentos muito delicados, que não foram fáceis para ele. É por respeito!

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Também sempre conversei com ele, explicando que ia fazer uma vaquinha para poder arrecadar dinheiro para a cirurgia dele e perguntei se ele se importava de eu postar algumas fotos – enfatizando que as imagens do hospital não iriam aparecer. Desde pequeno, eu pergunto para ele se posso fazer uma foto e quando ele fala não, não tiro. Ou caso eu tire e ele diz que não gostou, peço desculpa por não ter perguntado e apago.

Então, criar esta vaquinha foi um conjunto de fatores, que me fez pensar nesta dificuldade da nossa criação em expor problemas e pedir dinheiro para outras pessoas. Mas quando decidi, o que foi no último minuto e por muita necessidade, vi o quanto tem mais pessoas boas do que ruins ao meu redor!“.

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