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“É muito triste saber que seu bebê vai passar por uma cirurgia de coração”

Este pai conta como foi enfrentar a cardiopatia congênita do primeiro filho, seguida de uma gravidez gemelar, tudo durante a pandemia.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 29 jun 2021, 17h37 - Publicado em 29 jun 2021, 17h09

Expectativa, ansiedade, esperança. A gestação é marcada por muitas emoções, mas um dos pilares para uma gravidez mais tranquila e para prezar pela saúde do pequeno é que os pais tenham informação desde o princípio – sobre que exames devem ser realizados e o que esperar caso alguma alteração seja identificada no bebê.

E quando o assunto é a cardiopatia congênita, o diagnóstico precoce se faz ainda mais necessário. De acordo com José Cícero Stocco Guilhen, especialista em cirurgia cardiovascular do Hospital e Maternidade Santa Joana e professor do Departamento de Cirurgia da UNIFESP, a categoria engloba qualquer doença do coração que esteja presente desde o nascimento. “Ou seja, não é uma enfermidade adquirida, ela se desenvolve junto com a formação do coração na vida intrauterina”, explica.

Segundo dados do Ministério da Saúde, a condição está presente em torno de 1% dos nascidos vivos e a estimativa é que cheguem ao mundo 29 mil crianças com cardiopatia congênita por ano no Brasil. “Nem todas essas doenças apresentam causas muito bem definidas. No entanto, hoje sabemos que a maioria se deve a alterações genéticas que ocorrem esporadicamente durante a formação do coração do feto”, complementa o médico. 

Para as cardiopatias congênitas que são as doenças estruturais do coração, o tratamento é cirúrgico e após o nascimento em 99% dos casos. Mas como bem adianta o cirurgião, identificar o quanto antes ajuda no planejamento do parto e para que o bebê tenha um atendimento especializado após o nascimento

“O ideal é fazer o ultrassom morfológico durante a gestação, que vai avaliar variações no feto. A partir de qualquer identificação sugestiva de alteração no coração da criança, deve ser feito um ecocardiograma fetal, em torno de 22 e 25 semanas de gestação”, detalha José. 

No caso da família dos empresários Ronaldo Zanesco Jr., de 32 anos, e Thaís Seraphim César Falcão Zanesco, de 37, a orientação de realizarem o procedimento não aconteceu. Com 36 semanas de gestação, a bolsa estourou e assim nasceu Davi, de parto normal e diagnosticado com duas cardiopatias congênitas: tetralogia de Fallot e interrupção do arco aórtico. 

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Entre uma longa estadia no hospital, cirurgias de risco e a descoberta de uma gravidez de gêmeos, Ronaldo revelou ao Bebê.com.br como foi receber a notícia de que seu filho é um cardiopata raro e como está sendo cuidar das três crianças em meio a uma pandemia – e praticamente sem nenhuma rede de apoio presencial.

A surpresa da descoberta

“Eu nunca imaginei passar por esse tipo de situação, ainda mais com o primeiro filho. Não tinha ideia dos tipos de cardiopatia, porque na família não tem ninguém com a doença – pelo menos da minha parte, já que o pai da Thaís é adotado, então não sabemos. Além disso, não fomos orientados a fazer o ecocardiograma fetal, onde provavelmente teríamos descoberto.

Foi no segundo dia de hospital que recebemos a notícia. À princípio, é normal todo recém-nascido ter um ‘soprinho’ que some com o tempo, mas os médicos foram investigar e descobriram as cardiopatias do Davi. Não consigo te dizer em palavras qual foi a sensação. É muito triste saber que seu bebê vai precisar passar por uma cirurgia de coração.

À princípio, tentaram poupar a gente das informações, porque é um choque muito grande. Foi a equipe de cardiopatia que deu mais detalhes, disseram que teriam que investigar para ver se seria necessário fazer cirurgia. Eu mesmo fui atrás de estudar o que o Davi tinha, apesar de que não ter muitas informações na literatura médica sobre essa cardiopatia. Queria entender o que estava acontecendo com ele.

Davi com dois dias de vida, quando os médicos descobriram o diagnóstico
(Ronaldo Zanesco Jr./Arquivo Pessoal)

Foram no total 50 dias no hospital. Assim que o Davi foi para a UTI, ele pegou uma infecção e ficou muito ruim, quase não aguentou. Ficou 14 dias tomando antibiótico e depois fez a primeira cirurgia de colocação da válvula pulmonar. Graças a Deus, correu super bem. Ele saiu usando medicações para o coração e continua até hoje. 

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Para minha esposa, foi ainda mais complicado. Tento às vezes não passar a minha emoção para ela, para não tornar mais difícil. Ela não queria ir embora do hospital e deixar o bebê lá.

Cardiopatia + pandemia

“O Davi já nasceu em meio à pandemia, então nosso resguardo era total. Não saíamos para fazer nada. O Davi não poderia pegar a Covid de jeito nenhum, porque sabíamos que isso seria praticamente fatal. Privamos de visita, até hoje, porque as pessoas têm uma vida normal, trabalham… E não temos como colocar em risco a vida dele. 

O contato com a família é todo por vídeo chamada. Não chegaram a conhecer o Davi presencialmente – meu pai, por exemplo, nunca chegou a pegar ele no colo, mesmo com um ano e dois meses já. 

Eu e a Thaís tivemos que nos apegar muito um no outro. É muito difícil não ter contato com outras pessoas, sem familiares que pudessem estar conosco. Só eu e minha esposa com aquela bomba de informações”.

Troca e acolhimento com famílias que vivem experiências parecidas

“A gente acaba conhecendo famílias no hospital. O nosso bebê vai fazer cirurgia e às vezes chega outro com o mesmo problema. Nós vemos o desespero dos pais, então procuramos ajudar, falando ‘está vendo o Davizinho? Ele fez a mesma cirurgia, olha como está bem’.

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Mas a cardiopatia do Davi, como é rara, não achávamos ninguém igual, não tinham relatos, o que era mais difícil ainda. Você pergunta para o médico, e tem coisas que eles não sabem responder. Dá um certo desespero. Mas a gente sabe que o Davi estar vivo é um milagre, não tem outra explicação para isso. Conversar com as pessoas que estão tendo a mesma experiência que você é muito legal. Ouvir histórias com finais felizes não tem preço.”

9 de abril: uma data triplamente importante

Davi com os irmãos gêmeos
(Ronaldo Zanesco Jr./Arquivo Pessoal)

“Depois de um segundo procedimento aos cinco meses, o cateterismo para investigação da interrupção do arco aórtico, e durante o tratamento de Davi, mais uma notícia: Thaís estava grávida – e de gêmeos!

Em fevereiro de 2021, aos dez meses, meu menino retornou pela terceira vez ao hospital para a realização da cirurgia de correção da tetralogia de Fallot e em 09 de abril, com 35 semanas de gestação e na mesma data que Davi chegou ao mundo, os gêmeos Pedro e Ana nasceram. A recepção foi calorosa, mas a rotina com três crianças em casa não é das mais fáceis.

A gente tentou ficar entre a nossa casa e a da minha sogra, onde também temos empresa. Mas a Thaís acaba ficando muito mais ela com os bebês sozinha. Eu não tenho como pegar uma pessoa para nos ajudar, pois não sei que cuidados ela vai ter. Ficamos tanto tempo resguardados para que ninguém ficasse doente, e então pode chegar alguém em casa e transmitir a doença. 

Manter a saúde mental nisso tudo também não é fácil. A gente tem que saber se policiar até com as palavras. É o dia corrido, as noites sem dormir… Mas temos segurado a onda.”

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A importância do diagnóstico precoce

“Nós fomos abordados por algo que não conhecíamos. Querendo ou não, o Davi poderia ter corrido risco de vida. O médico não pediu para a gente um exame que geralmente é indicado. De repente, alguns outros cuidados poderiam ser tomados. Talvez ele não pudesse ter tido um parto normal, e sim uma cesárea, por exemplo. O Davi nasceu estável, mas alguns bebês não aguentam as primeiras horas de vida por conta da cardiopatia. 

Davi com o pai
(Ronaldo Zanesco Jr./Arquivo Pessoal)

Como fomos pegos de surpresa, acho que deveriam ter mais informações para deixar os pais calmos. Talvez algum lugar para conversar e trocar experiências com outras pessoas. A informação clara ajuda bastante. 

Eu fico feliz em compartilhar esse relato. De repente, acontece com alguma outra criança e os pais têm em quem se espelhar. Mostrar o Davi para essas pessoas, que acabaram de receber o diagnóstico do filho com cardiopatia, pode ajudar a terem um exemplo e saber que a criança pode ter uma vida normal.”

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