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Afinal, com que idade a criança deve ter um celular?

Especialistas falam sobre quais aspectos considerar e quais cuidados tomar antes de dar permissão para que o pequeno tenha o próprio aparelho.

Por Ketlyn Araujo
7 set 2021, 14h00

Se antes da pandemia de coronavírus grande parte de nós, adultos do século 21, já era bastante dependente da tecnologia móvel, isso foi ainda mais potencializado graças ao isolamento social, implementação do trabalho remoto e do ensino a distância adotado por diferentes escolas. A esta altura, sabemos que as telas não devem ser tratadas como inimigas, mas é bem difícil encontrar alguém que, de fato, saiba dosar o quanto usa o celular de maneira saudável.

Por todos esses motivos – e não somente – muitos pais e responsáveis não sabem ao certo qual seria o momento ideal ou mais recomendado para permitir que crianças tenham acesso ao celular e, mais ainda, possuam o próprio aparelho.

Renato Caminha, psicólogo e professor pesquisador na área de Psicoterapias Cognitivas na Infância, explica que, de uma maneira geral, o primeiro contato das crianças com o telefone celular parte do interesse dos pequenos pelos jogos eletrônicos, que sempre exigem algum nível de excitação e gratificação para a criança à medida que ela se mantém conectada.

“O que a gente sabe hoje é que esse foco atencional, nesse tipo de estímulo, acaba gerando uma aceleração dos processos cognitivos, deixando a criança demasiadamente excitada. Isso não é bom, e prejudica o desenvolvimento neuropsicológico delas fazendo com que tenha o desenvolvimento de algumas áreas específicas de um modo mais intenso e menos desenvolvimento de outras áreas, como por exemplo, as habilidades socioemocionais”, completa o profissional.

Além disso, aponta Renato, a tela do celular emite um feixe de luz bastante potente, que é capaz de enganar o cérebro e inibir a produção da melatonina no organismo, o hormônio indutor do sono. A dificuldade para dormir pode, então, também afetar crianças e adolescentes graças à exposição excessiva às telas, seja pela aceleração cerebral ou pela não indução do sono.

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No aspecto psicológico…

Fabiane Curvo de Faria, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizadora da plataforma online aterapia, enxerga a natural falta de maturidade da criança como mais um motivo para que ela não tenha o próprio celular tão cedo.

“A criança não é madura o suficiente para compreender o uso e as funcionalidades do celular, ela o utiliza como um brinquedo. Por essa falta de discernimento, ao ter um aparelho ela pode acabar tendo mais acesso às suas ferramentas do que deveria, inclusive ficando dependente dele”, fala.

Com isso, completa, a criança pode até mesmo perder o contato com brinquedos mais mecânicos ou manuais, que são importantes para o desenvolvimento motor, da criatividade e do raciocínio infantis.

Renato pontua, ainda, pesquisas atuais que mostram que as áreas do cérebro que controlam as habilidades socioemocionais (exemplo, empatia e relacionamento social) em crianças que usam excessivamente os eletrônicos podem sofrer alterações negativas. É possível, diz ele, “que a gente esteja criando uma legião de crianças que tenham menos interação social, menos contato olho no olho, menos toque e menos presença física em grupo, em razão desse uso da tecnologia”.

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Outro lado da moeda

No entanto, caso a criança já seja maiorzinha e esteja na idade na qual ter um celular é necessário, o uso do aparelho – como ferramenta de comunicação e não apenas acesso à jogos e vídeos – pode contribuir para uma sensação maior de segurança quando ela estiver longe dos pais.

“Não vejo uma importância crucial para que as crianças tenham um telefone celular por uma razão que não seja a da segurança. A necessidade do aparelho pode vir acompanhada pela possibilidade de elas falarem com os pais quando necessitarem, e vice-versa”, opina Renato.

Fabiane chama atenção também para o fato de que, hoje em dia, pais e mães podem se ver em uma situação um tanto quanto desafiadora frente à criança que não tem celular, que pode se sentir excluída ao notar que muitos de seus amigos e colegas já possuem o aparelho. Jogo de cintura e diálogo são fundamentais para lidar com isso.

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“Cada família tem as suas regras, e isso é mais do que aceitável. Existem famílias que são mais flexíveis e outras menos, mas o importante é que, independentemente da idade que a criança receba o celular, isso seja tratado com responsabilidade, limites e regras, com consciência”, fala ela.

Idade x maturidade

Qual seria, então, a idade certa para permitir que seu filho tenha o próprio celular? E quais aspectos considerar antes de fazê-lo? Existem particularidades de cada criança e família, porém, na opinião de Renato, e por questões de segurança como já foi mencionado, o ideal seria que a criança tivesse acesso limitado ao aparelho por volta dos 8 anos – com os pais controlando horários, funcionalidades e permissões. Aos 12 anos, durante a fase de transição entre infância e puberdade, a criança pode ter um acesso um pouco mais livre, mas sempre com supervisão dos pais e cumprindo os limites de uso estabelecidos pela família.

“Hoje, o fato de uma criança entre 8 e 10 anos de idade não ter um celular pode se tornar um problema, pois o aparelho virou também uma ferramenta complementar da escola. Algumas instituições recorrem a grupos de WhatsApp nos quais são passadas informações, trabalhos e aspectos sociais da escola. Então, se existe uma faixa etária para se ter um celular, eu acho que com 8 anos de idade isso é aceitável, muito mais em razão da segurança e integração com mais uma ferramenta da escola, do que pela necessidade da criança de ter um aparelho”, reforça.

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Menina usando celular
(Rido81/Envato)

Fabiane acredita que a hora “certa” de permitir que a criança tenha o próprio celular começa a contar a partir do momento em que pais conseguem perceber que o pequeno tem discernimento para diferenciar o aparelho de um brinquedo, que ele é capaz de compreender o item como um mecanismo de comunicação e busca de informações.

“A criança precisa, ainda, ter essa maturidade em relação ao cuidado com o celular. Ela precisa entender que não pode perdê-lo, que deve guardá-lo em local seguro, que deve evitar quebrá-lo, que não pode jogar na piscina…”, exemplifica.

Como explicar para a criança que ainda não é hora de ter um celular

Os especialistas partem da mesma opinião neste caso, e enxergam a educação como a melhor forma de fazer o pequeno entender que ainda não é o momento de ele ter o próprio aparelho telefônico. Você deve ser capaz de explicar que tudo tem seu tempo e que, no futuro, ela poderá tê-lo, mas que, por enquanto, só utilizará as telas (tablet, notebook e celular) quando e se permitido pelos adultos. É mais uma questão de imposição de limites parentais, explica o psicólogo, e da existência de regras dentro de casa.

“Fale que o celular possui, sim, joguinhos, mas que ele também é um meio de comunicação, de trabalho, e que a criança ainda não tem idade para isso. É até legal marcar uma idade, um momento com o filho, para que ele enxergue isso como uma conquista de responsabilidade”, sugere Fabiane, que chama atenção ainda para a necessidade de, caso a criança já use o celular, bloquear certos conteúdos voltados para adultos quando ela estiver manuseando o aparelho, principalmente se possui acesso à internet.

Lembrando que, a partir do momento, que a criança passar a usar apps, jogos ou sites – ainda que infantis -, é fundamental que os pais monitorem o que os filhos estão acessando e alertem para os perigos online.

Meu filho está ‘viciado’ no celular, e agora?

Por fim, caso a criança já tenha maturidade para ter um celular, mas acabe ficando “viciada” no aparelho, pais devem tomar algumas atitudes. “Nesses casos é preciso ter, talvez, uma dedicação maior para promover atividades que sejam interessantes e tirem a criança do foco do aparelho celular. Em alguns casos, inclusive, a gente recomenda o acompanhamento de psicoterapia, porque hoje a Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca o vício no celular como uma patologia dentro dos transtornos adictos”, diz Renato.

A vantagem, na visão de Fabiane, é que a criança, ao se ver em uma situação na qual terá que abrir mão ou limitar o uso do aparelho, acaba sendo mais flexível. “Conseguir impor limites, esperar o tempo da birra, ser forte e capaz de agir com autoridade para, realmente, dosar o uso do celular é essencial”, finaliza ela.

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