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Ser uma boa mãe não significa repetir tudo o que a sua fez quando te criou

Diferentes gerações têm padrões de comportamento distintos. O importante é reconhecer o contexto no qual eles foram estabelecidos e saber como quebrá-los.

Por Ketlyn Araujo
28 Maio 2021, 10h00

Que relações entre mães e filhos, ou mais especificamente, entre mães e filhas, são extremamente complexas não é novidade. Apesar dos avanços e mudanças ao longo das décadas, sabemos que nossa sociedade ainda vê a mulher que é mãe como responsável pelo bem estar, saúde física e emocional de todos à sua volta, o que gera exaustão, injustiças, sobrecarga, muita expectativa e, como consequência, uma série de frustrações.

Dessa ideia de que “mães são perfeitas”, vem também a crença de que uma nova mãe nunca será tão boa ou melhor do que aquela que a criou, como se a jovem mãe fosse incapaz de criar filhos saudáveis e bem educados sem repetir os passos de quem lhe deu educação. O tema é denso, mas precisa entrar na lista de questionamentos parentais – tendo sempre em mente que, quando o assunto é a criação dos filhos, não existe fórmula secreta, certo ou errado.

Para te ajudar a evitar comparações injustas com seus referenciais de maternagem, quebrar algumas crenças e permitir que você seja uma mãe mais gentil consigo mesma, conversamos com as psicólogas Alessandra Augusto e Kátia Rosa sobre esta busca eterna de confiar no próprio maternar.

Derrube as crenças

Há uma ideia, Alessandra explica, de que a educação que nossos pais (ou os pais deles) nos deram é mais “correta” ou melhor do que a que damos para os nossos filhos, mas isso não é necessariamente verdade.

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Para a especialista, o conceito tem muito a ver com a maneira como os jovens adultos da atualidade se comportam. “Vejo uma geração de pais que se sentem muito culpados por estarem no mercado de trabalho e acumularem funções, e que, desta maneira, entendem que deixam faltar alguma coisa para com os filhos”, opina ela. Consequência disso é uma crença de que os pais e mães de gerações anteriores puderam acompanhar melhor o crescimento, desenvolvimento e aprendizado dessas crianças e, por isso, souberam educar melhor.

Kátia acrescenta mais uma ideia bastante difundida socialmente, mas que também não é real, de que antigamente crianças conheciam melhor seus limites, e que isso significava uma melhor educação dada pelos pais. Contudo, rebate a psicóloga, muitas vezes essa educação dos tempos antigos tinha como base a rigidez e o medo, que era frequentemente confundido com respeito.

“Isso significava que uma criança incapaz de obedecer poderia apanhar ou ficar de castigo, o que levou a uma geração de pessoas mais retraídas, mais incorporadas no medo. Nos dias de hoje está mais claro que uma educação bem feita vem a partir da conversa e da conscientização, considerando que cada criança é de um jeito”, corrobora.

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Antes de partir para as ações práticas (se necessário), o primeiro passo é quebrar essa crença de que a educação do passado era melhor ou mais correta do que a de hoje, sem também vilanizar as mães de antigamente: não podemos nos esquecer de que tudo muda de acordo com o contexto e com as referências de cada indivíduo.

Mães de ontem, de hoje e de amanhã

Ao compararmos as mães de antigamente com as de hoje, de maneira mais generalista, falam as psicólogas, enxergamos que mães da nova geração têm como diferencial o amplo acesso à informação e conhecimento: enquanto as de gerações passadas contavam mais com o conhecimento difundido pela própria família, as das atuais podem acessar a internet, ampliar suas visões de mundo, participar de discussões e grupos de apoio e ter maior proximidade com os médicos da criança.

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Em resumo, as mães de antigamente deixavam as coisas acontecerem, enquanto as de hoje preferem prevenir. “Por exemplo, dentro de um contexto mais sério, se a criança apresenta um problema de comportamento, hoje em dia a gente não vai mais usar uma régua para bater na criança, não vai colocá-la sentada de castigo e muito menos ajoelhada no milho. A gente leva em um profissional”, diz Kátia.

Ao primeiro sinal de conflito entre mães e filhas (que também são mães), é preciso abrir espaço para o diálogo. O ideal é que a mais jovem mostre que respeita o entendimento de sua progenitora na situação, mas que as coisas podem, sim, funcionar de maneiras distintas com seu filho. Em casos mais severos, completa a psicóloga, nos quais mães têm perfis mais invasivos quanto à educação dada por suas filhas, é importante que um espaço de negociação também seja estabelecido. “Não é uma ameaça, mas um espaço de acordo. ‘Se você continuar interferindo assim, teremos que nos distanciar’”.

Na teoria OK, mas e na prática?

Mãe, filho e avó em jardim
(Vesnaandjic/Getty Images)

Mesmo diante de conflitos geracionais, é importante ressaltar, novas mães também vão acabar levando adiante alguns dos ensinamentos que suas próprias mães lhes deram no passado, seja por ver validade naquilo que aprendeu ou até mesmo sem intenção, por repetição.

Levando em conta que nenhuma educação é 100% boa ou ruim, para Alessandra, o que deve ser feito é trazer aos dias atuais certos valores e princípios que não mudam de geração para geração, como boa educação, valores éticos e respeito. Não se pode simplesmente descartar as experiências ou informações fornecidas por pais ou avós, mas sim acrescentar a elas o seu diferencial, sempre respeitando a cultura familiar e o tempo que vivemos.

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“Hoje ou antigamente as crianças precisam de limites. O que pode mudar é a maneira como esses limites são impostos”, opina. Ela acrescenta que é necessário, ainda, que essa nova avó acredite e confie também na educação que deu à própria filha quando teve chance, enquanto a jovem mãe não deve se sentir acuada ao precisar de ajuda.

“Ela pode pedir esse auxílio para a mãe, principalmente ao se sentir sobrecarregada e não saber lidar com o volume de coisas e questões que um bebê traz. É importante que a pessoa entenda que precisa ser convidada a ajudar, e que a outra entenda que necessita dessa ajuda”, explica.

Precisamos de padrões e acordos

O que fazer, então, quando a mãe precisa deixar a criança sob os cuidados da avó durante algumas horas do dia? Ou seja, como evitar que esse conflito de gerações confunda ou atrapalhe o desenvolvimento do pequeno?

A solução, de acordo com as experts, é estabelecer padrões e acordos – o que, mais uma vez, só funciona na base do diálogo. Não é ideal, fala Kátia, que os avós permitam que a criança faça tudo o que é “proibido” em casa quando estiver com eles, mas é preciso que ela entenda que algumas diferenças entre os ambientes e as regras vigentes em cada lar sempre vão existir.

“Caso a criança fique confusa sobre isso, é essencial sentar e conversar, explicar que na casa dos avós as coisas são de um jeito. Mas é preciso que estes avós também falem a mesma língua dos pais, que eles combinem as mesmas regras para que a criança não fique perdida”, diz ela.

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No mais, diante da possibilidade de conflito entre opiniões, o melhor caminho é adotar soluções pacíficas, principalmente em benefício da criança, que tende a reproduzir comportamentos violentos quando exposta a eles. Outra dica, finaliza a especialista, é não deixar de buscar por ajuda profissional: em caso de dúvida sobre como agir, vale ligar para o médico da criança, pedir orientações para a escola e, também, encontrar atendimento psicológico adequado.

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