Podemos encontrá-las nas prateleiras dos mercados e farmácias, em anúncios pela internet e agora até em desafios do TikTok que viralizaram pelas redes sociais: as fórmulas infantis estão tão presentes no dia a dia dos pais – mesmo para aqueles que mantém a amamentação materna exclusiva – que só de mencionar o seu nome, a imagem da clássica latinha já surge à mente.
A forte presença do produto no nosso imaginário pode parecer uma simples eventualidade, mas não é exatamente isto que aponta um novo estudo divulgado, na quarta (23), pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
O relatório “Como o Marketing das Fórmulas Infantis Influencia nossas Decisões sobre Alimentação” entrevistou mais de 8.500 mães, pais e gestantes, além de profissionais da saúde, em 8 países diferentes (África do Sul, Bangladesh, China, Marrocos, México, Nigéria, Reino Unido e Vietnã) para avaliar de que maneira o marketing das empresas fabricantes de fórmulas infantis influencia diretamente no poder de escolha dos pais sobre a alimentação de seus filhos.
A pesquisa observou como a indústria de alimentos para bebês se vale de estratégias de promoção “antiéticas” e que infringem o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, de 1981, para difundir e potencializar o consumo de seus produtos. Hoje, este tipo de regulamentação promovida pelo Código da OMS existe apenas para o marketing de dois produtos: as fórmulas infantis e o tabaco.
“Este relatório mostra muito claramente que a comercialização de fórmulas infantis continua inaceitavelmente difundida, enganosa e agressiva. A regulamentação sobre marketing abusivo deve ser urgentemente adotada e aplicada para proteger a saúde das crianças”, afirmou Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS em nota.
Ser um alvo da indústria é mais comum do que parece…
Você já passou por uma consulta com o pediatra e acabou recebendo amostras grátis, brindes e até recomendações específicas de marcas de fórmula infantil? Pois é, o relatório da OMS concluiu que mais de um terço das mães entrevistadas passaram por situações deste tipo e esta é apenas uma das inúmeras estratégias, estimadas em cerca de 55 bilhões de dólares, que foram adotadas pelo marketing das fabricantes.
“O relatório observa que um grande número de profissionais de saúde em todos os países foi abordado pela indústria de fórmula e alimentação infantil para influenciar suas recomendações às novas mães com até mesmo comissões de vendas, impactando diretamente as escolhas de pais em relação à alimentação de seus filhos e filhas”, explica a OMS em nota.
Além disso, mais da metade dos entrevistados (51%) admite ter sido alvo das demais práticas enganosas adotadas pela indústria, bem como direcionamento online invasivo, promoção de redes de aconselhamento e linhas de ajuda patrocinadas, descontos, brindes gratuitos e difusão de mensagens falsas.
“Um fluxo contínuo de mensagens de marketing enganosa está reforçando mitos sobre amamentação e leite materno. Esses mitos incluem a necessidade da fórmula nos primeiros dias após o nascimento, que ingredientes específicos da fórmula infantil são comprovadamente capazes de melhorar o desenvolvimento ou a imunidade da criança, a percepção de que a fórmula mantém os bebês satisfeitos por mais tempo ou que a qualidade do leite materno diminui com o tempo”, detalha a OMS.
Amamentação x fórmula
A preocupação das entidades com o marketing agressivo da indústria de alimentação infantil não é à toa. De acordo com o estudo, as taxas de venda de fórmula infantil no mundo mais que dobraram nos últimos 20 anos, enquanto as de aleitamento exclusivo cresceram quase que insignificantemente.
“Não é surpresa que tenhamos que ter uma divulgação sobre estes produtos, mas tem algo que é diferente quando falamos das fórmulas. Antes de tudo, o marketing das fórmulas infantis tem um impacto direto na sobrevivência e na saúde das crianças e das mulheres. Ele afeta o acesso ao suporte e à informação adequada para que os pais tomem as suas decisões e explora as vulnerabilidades das crianças nos primeiros anos de vida para ganhos comerciais”, pontuou Nigel Rollins, pediatra pela OMS, em coletiva à imprensa, na quarta (23).
Além disso, a chefe de Saúde e Desenvolvimento Infantil da UNICEF China, Anuradha Narayan, também reforçou na coletiva que as mulheres são o alvo principal da indústria de fórmulas infantis e têm sido há décadas. “Este e outros estudos mostraram que muitas mulheres têm um grande desejo de amamentar, mas acabam não encontrando suporte adequado e se deparando com um marketing implacável. É nosso papel fazer com que elas encontrem informações corretas e ‘não compráveis’ para que possam tomar as suas próprias decisões”, afirmou.
Em vista disso, a Organização reforça no relatório que a amamentação na primeira hora após o nascimento, seguido do aleitamento exclusivo até os seis meses de idade e contínuo por até dois anos oferece inúmeros benefícios. Entre eles, uma poderosa linha de defesa contra todas as formas de má nutrição infantil, incluindo a desnutrição e a obesidade; atuação como uma primeira vacina para os bebês; e redução do risco futuro de a mulher desenvolver diabetes, obesidade e algumas formas de câncer.
Em conjunto com a UNICEF, A OMS utilizou os dados obtidos pela pesquisa para lançar um apelo aos órgãos governamentais responsáveis para que haja a fiscalização adequada das estratégias de marketing promovidas pela indústria de fórmulas infantis. Entre o pedido, podemos ressaltar:
- “Proibição de alegações nutricionais e de saúde feitas pela indústria de fórmula infantil”;
- “Proibir os profissionais de saúde de aceitar patrocínio de empresas que comercializam alimentos para bebês e crianças pequenas para bolsas de estudo, prêmios, subsídios, reuniões ou eventos”;
- “Investimento em políticas públicas e programas de apoio ao aleitamento materno, incluindo licenças parentais remuneradas adequadas;
- “Solicitar que a indústria se comprometa publicamente a cumprir integralmente o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno”.