Família

Como é a licença-paternidade no mundo e o que está mudando no Brasil

Hoje os homens têm pouco tempo de licença quando o bebê chega, mas governos e empresas privadas já se deram conta de que esta situação precisa mudar.

por Manuela Macagnan 15 set 2021 18h20

Muito se fala sobre direitos iguais para homens e mulheres e já existem inúmeras conquistas neste sentido. No entanto, quando a discussão entra no campo família x trabalho, esbarramos em uma tremenda disparidade logo no princípio: o tempo em casa com o recém-nascido.

No Brasil, a licença-paternidade garantida por lei é de cinco dias corridos após o nascimento do bebê, podendo chegar a 20, caso o pai trabalhe em uma Empresa Cidadã. Se parece pouco, imagine que, há alguns anos, a licença-paternidade era de apenas um dia útil, o suficiente para registrar a criança. Enquanto isso, a licença-maternidade é de 120 dias – podendo chegar a 6 meses.

Em alguns países do mundo, a situação é um pouco mais animadora, com os homens tendo o direito de ficar mais tempo em casa com o recém-nascido e isto tem inspirado empresas a aumentar a licença por aqui também. No fim, todos saem ganhando. É sobre essa nova organização familiar que vamos falar aqui.

Como é a licença-paternidade no mundo?

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(Victoria Daud/Bebê.com.br)
  • Nova Zelândia – 2 semanas não remuneradas
  • Austrália, Venezuela, Reino Unido, Bolívia e China – 2 semanas remuneradas
  • Áustria , Lituânia e Estônia – 4 semanas remuneradas
  • Portugal – 20 dias remunerados, dos quais os dez primeiros são obrigatórios
  • França – 25 dias, que podem ser fracionados.
  • Croácia – 8 semanas remuneradas, mas nem sempre é o valor integral
  • Eslovênia e Islândia -12 semanas remuneradas
  • Noruega – 15 semanas remuneradas
  • Espanha – 16 semanas remuneradas
  • Finlândia – 23 semanas remuneradas
  • Canadá – 37 semanas combinadas entre pai e mãe, sendo 17 semanas para os homens e o governo arca com parte do salário.
  • Dinamarca – 52 semanas cobertas pelo governo, embora nem sempre com o salário integral. As mães têm um total de 18 semanas de licença-maternidade – quatro antes do nascimento e 14 depois, todas com pagamento total. Durante este período, o pai também pode tirar duas semanas consecutivas e depois, ambos podem dividir 32 semanas adicionais como preferirem. 
  • Coréia do Sul e Japão – 52 semanas, mas recebendo uma porcentagem do salário médio.
  • Suécia – 68 semanas remuneradas, que podem ser divididos entre pai e mãe. O pai tem direito a 10 dias consecutivos, nos primeiros três meses, mais 30 dias não consecutivos, no primeiro ano.
  • Estados Unidos – Em abril de 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, propôs um pacote de benefícios de 225 bilhões de dólares para fornecer licença-médica e familiar paga, o que permitiria tirar até 12 semanas de licença remunerada para cuidar de um recém-nascido ou membro da família. Até o momento, nada foi definido. Os EUA seguem sem uma política federal de licença-família paga, então a decisão fica a cargo das empresas privadas. 

Fontes: World Blank, Estudo World Blank e Fórum Econômico Mundial

Já no Brasil...

Para usufruir do direito à licença-paternidade de cinco ou 20 dias aqui no Brasil, basta comunicar o nascimento ou obtenção da guarda do filho, apresentando a certidão de nascimento ou documento que comprove a data da obtenção da guarda.

A advogada trabalhista Mariana Goes dá uma dica importante: “Se o pai não fizer a comunicação sobre o nascimento/adoção do filho imediatamente, perderá o direito à licença, que é contada em dias corridos a partir do primeiro dia útil subsequente ao nascimento/adoção”.

Começo de um novo tempo

Pai segura filho no colo

Muitas empresas aqui no Brasil já entenderam a importância de uma licença-paternidade estendida, que beneficia tanto o pai quanto a família. Um exemplo disso é Eduardo Lopes, gerente de políticas públicas do Facebook, onde trabalha há quatro anos.

Quando os gêmeos Cecilia e Martim chegaram, Eduardo tirou uma licença de quatro meses do trabalho e defende a importância da presença do pai. “Acredito que seja tão importante para o pai quanto para o bebê. Estar integralmente presente e atuante desde os primeiros momentos, permite que pai e filho criem um vínculo verdadeiramente forte e duradouro. O pai não pode amamentar, mas se estiver lá, brincando, acolhendo, trocando, dando banho, certamente a família toda se beneficia. É uma oportunidade de viver momentos únicos a que todos deveriam ter acesso”.

Para a pediatra Janice Sityá, a importância da presença do pai começa antes mesmo de o bebê sair da barriga. “A participação do pai deve iniciar no pré-natal, indo às consultas com o obstetra, aos exames de ultrassom, tudo para que a mulher sinta mais segurança num momento de fragilidade e também para que o vínculo familiar se construa no dia a dia”. 

Mas não para por aí, não: “No período do puerpério, principalmente nos primeiros dias após o nascimento do bebê, a mãe ainda está se recuperando fisicamente, e se preparando para a amamentação, que é um aprendizado diário e nem sempre fácil. Acredito, pela minha experiência como pediatra, que a amamentação é o mais desafiador para as mães: ela precisa aprender a amamentar e o bebê a mamar, por isso a informação prévia ao nascimento é fundamental”, explica a pediatra.

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Outro bom exemplo de como a situação está mudando é o Google. “Temos a política ‘Baby Bonding Leave’, que é válida para todos os escritórios da empresa no mundo e concede pelo menos 12 semanas de licença com remuneração integral. No Google, todos os funcionários são contemplados – pais biológicos e adotivos. A ideia é que todos tenham oportunidade de criar laços com o novo membro da família”, explica Carol Azevedo, líder de recursos humanos do Google para América Latina.

Quem já teve filho, sabe que nem sempre é fácil deixar o bebê e retomar a rotina quando a licença acaba. Pensando nisso, o Google criou uma política de retorno para ajudar os pais a voltarem para o trabalho depois de receber uma nova criança: “Qualquer pai ou mãe do Google que tenha mais de 10 semanas de licença consecutiva, pode voltar a trabalhar em 50% do seu horário semanal normal por até duas semanas com pagamento integral”, completa Carol.

Na Volvo Car (braço dos carros da multinacional), a licença-parental é de 180 dias, sem necessidade de solicitação do funcionário. Esse tempo é padrão e passa a contar a partir do nascimento ou adoção do filho. Eliane Trinca, diretora de RH da Volvo Car Brasil, complementa: “Esta política é neutra em termos de gênero e inclui pais adotivos do mesmo sexo, adotivos de acolhimento permanente e pais substitutos”.

 

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Por que a licença-paternidade é importante para a mulher

Gabrielle Oliveira é brasileira, professora em Harvard, nos Estados Unidos, e sentiu na pele a importância da licença-paternidade mais longa. “Quando eu tive o Jack, em 2014, o Alex, meu marido, trabalhava para a prefeitura de Nova York e eles tinham 5 dias de licença-paternidade. E, como eu fiz cesárea, este foi o tempo em que a gente ficou no hospital. Isso foi terrível para mim como mãe de primeira viagem, porque eu precisava muito da ajuda dele. A gente pensa na importância do pai para estar com o bebê, mas a importância do homem também é muito grande para a parceira”, conta Gabrielle.

Já no segundo filho, as coisas foram mais fáceis. “Quando o Noah nasceu, a empresa em que o Alex trabalhava dava 30 dias de licença para o pai, o que ajudou muito. Usamos aqueles 30 dias em momentos diferentes. Ele tirou 15 dias no começo e, quando a minha mãe veio, ele voltou a trabalhar. Quando a minha mãe foi embora, ele voltou para casa por 15 dias. O mais importante são aqueles 3 primeiros meses, especialmente para pais de primeira viagem. Você não faz ideia do que o bebê vai precisar, se ele vai chorar a noite inteira, se ele vai precisar mamar a cada hora, se tem alguma alergia, se está vomitando muito, enfim, tudo. Com o Noah eu estava muito mais tranquila e confiante”, complementa a professora.

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(Gabrielle Oliveira/Arquivo Pessoal)

Seguindo esse raciocínio, a Volvo Car é uma das empresas que está no caminho certo ao possibilitar licenças maiores para os seus funcionários: “Queremos criar uma cultura que apoie a parentalidade igual para todos os gêneros, pois acreditamos que isso impulsiona a igualdade, a diversidade e a inclusão no local de trabalho, o que é bom para nosso pessoal, nossa marca e nosso negócio. Sabemos que uma nova adição à família proporciona uma fonte de imensa alegria, mas também agitação e estresse. Esta é a nossa maneira de ajudar nossos funcionários durante este período crucial de transição, de forma a manter suas famílias seguras”, completa a diretora de RH.

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Mais vínculo, mais presença, mais divisão: todo mundo sai ganhando

Para o Eduardo, que trabalha no Facebook, a licença-paternidade mais longa é uma forma de reequilibrar os papéis e expectativas tanto em casa, como no trabalho. “Permite que o casal possa escolher como irá se organizar, pessoal e profissionalmente, para fazer frente às novas tarefas e desafios que chegam junto com o bebê, sem que já haja uma imposição de que a mulher deva estar casa, pois tem a licença, enquanto o homem deve trabalhar fora, pois não tem”.

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(Facebook/Divulgação)

A pediatra Janice ainda completa que, com a licença maior, o pai teria oportunidade de estar junto do seu bebê, criando um vínculo afetivo maior, e tendo a possibilidade de aprender a cuidar e acalmar o seu bebê. Isso permitiria que a mulher, após o término da sua licença, pudesse retornar ao seu ambiente profissional com mais segurança. “Não existe nada pior, para nós, mães, do que estar emocionalmente em dois lugares ao mesmo tempo: no trabalho, com toda a determinação profissional, e em casa, sem saber como seu filho está sendo cuidado”, aponta. 

Para salientar como a licença-paternidade impacta na vida profissional da mulher, um estudo da UNICEF trouxe pesquisas realizadas em países de renda alta, que concluíram que as licenças parentais pagas de duração moderada apoiam o empoderamento econômico das mulheres: as mães ganham mais do que nos países em que a licença parental é de poucos dias ou não é remunerada. Além disso, essas mulheres têm mais possibilidade de experiências na carreira, mais estabilidade e, consequentemente, maior participação na força de trabalho. E por fim, estudos internacionais revelam que licenças de duração moderada, de 8 meses a 1 ano, reduzem a diferença de renda entre os gêneros.

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Ter o pai mais tempo em casa quando o bebê nasce não traz benefícios apenas para a família, mas também para a economia. Um estudo da ONG Promundo, com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), calcula que, se até 2025 todos os países reduzissem a diferença da participação entre mulheres e homens no mercado de trabalho em 25%, teriam o potencial de injetar US$ 5,8 trilhões na economia global. No Brasil, o efeito seria um aumento de até R$ 382 bilhões.

Se partirmos da premissa que, se os homens tirarem uma licença paternidade maior, estarão mais envolvidos com as tarefas de casa e nos cuidados com as crianças, este aumento do envolvimento tende a continuar mesmo depois de encerrada a licença. E, assim, teremos pais mais presentes, mães menos exaustas e crianças mais amparadas.

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