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A amamentação em tandem é segura para o bebê?

Amamentar filhos em idades diferente ou até durante uma nova gestação é uma prática cercada por tabus. Mas afinal, ela realmente prejudica a saúde do bebê?

Por Isabelle Aradzenka
7 out 2021, 19h45

“O leite vai acabar!”, “o bebê vai ficar desnutrido!”, “a criança vai viciar no peito”. A amamentação em tandem e a lactogestação são um dos inúmeros tabus que rondam a maternidade e, logo, ouvir afirmações como estas pode se tornar algo comum na rotina das mães que passam pela experiência.

“O nome ‘tandem’ significa ‘associado’, então, quando falamos em amamentação deste tipo, nos referimos à mãe dar o leite para duas crianças com idades diferentes e ao mesmo tempo. Hoje, isso ainda é um tabu para a comunidade científica e até para os próprios profissionais de saúde”, relata Rossiclei Pinheiro, pediatra membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para a enfermeira Raphaela Nino, 27 anos, que descobriu a segunda gestação enquanto ainda amamentava a filha Carolina de quase 1 ano, o tabu sobre a escolha de não interromper o aleitamento não foi diferente. “Me sinto julgada sempre que saio de casa, por familiares, desconhecidos e até mesmo nas redes sociais, pois já ouvi tudo o que se possa imaginar: que eu sofreria um aborto, que a filha mais velha teria diarreia, má nutrição do feto e até que o leite azedaria”, descreve a mãe.

Apesar dos comentários negativos, a enfermeira decidiu ir atrás das informações necessárias e iniciar a lactogestação – que é quando há a amamentação durante o período gestacional -, e compartilhar a rotina em suas redes sociais.

“Desde a minha primeira gravidez, percebi que havia muitas dúvidas e pouquíssimo conhecimento científico a respeito de tudo que envolve a maternidade, pois mesmo hoje, muitas pessoas e profissionais perpetuam ‘crendices’. Com isso, decidi compartilhar com meus amigos e conhecidos como eu levo a minha maternidade”, relata Raphaela.

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Depois de passar pelo processo da gestação enquanto ainda amamentava a Carolina, Raphaela deu à luz Timóteo. Se antes o desafio para a mãe era de conciliar os enjoos, a barriga e até o parto com as necessidades da pequena, com a chegada do recém-nascido, adaptar a alimentação de ambos os filhos é uma de suas principais preocupações.

“Tenho realizado a amamentação em tandem há dois meses. Tive muita dificuldade para manejar quando os dois queriam mamar ao mesmo tempo. Desde o começo sabia que tinha que fazer algo para conseguir lidar da melhor forma com as cólicas, o choro da mais velha querendo ser amparada com o peito e a loucura hormonal pós-parto”, conta.

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Apesar de todo o aprendizado adquirido por ela, os julgamentos e os comentários sobre a saúde dos pequenos não cessaram. “As pessoas sempre terão um jeito de criticar e julgar as escolhas das mães, mesmo se você afirmar que estudou sobre o assunto. O jeito é se munir de conhecimento para conseguir lidar com tudo”, desabafa Raphaela.

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O mito do desmame

Assim como a enfermeira, mães que optam por conciliar a amamentação durante a gravidez ou com filhos em idades diferentes precisam confrontar diversos mitos que ainda rondam a prática.

A pediatra Rossiclei explica que, por muito tempo, a amamentação foi encarada como um risco para o andamento da gravidez, pelo fato de que a saída do leite da mãe é controlada pelo mesmo hormônio que provoca as contrações uterinas, a ocitocina.

“Como a ocitocina age tanto na contração das glândulas mamárias, quanto nas contrações uterinas, eles achavam que isso poderia estar associado com o risco de aborto, por exemplo. Entretanto, hoje sabe-se que lá no útero aqueles receptores de ocitocina estão inativos, principalmente nos primeiros seis meses de gestação, que seria o período que poderia ocorrer a perda do bebê”, explica Rossiclei.

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Além de questões relacionadas ao aborto, o desmame também é uma polêmica recorrente quando o assunto é o tandem. De acordo com a pediatra, no século passado, suspender a amamentação da criança mais velha era a maior preocupação do pediatra, mas atualmente há um entendimento diferente sobre o processo.

“A criança tem que estar preparada para o desmame, ele precisa ser gentil e gradual. Quando a mãe engravida novamente, este processo pode até ser mais tranquilo para ela e para o bebê, pois a própria criança já vai percebendo que o mais novo tem que continuar mamando e que ele, ao contrário, já come outros alimentos”, explica Rossiclei.

Afinal, quais são as reais preocupações em relação ao tandem?

Por ser um processo em que há uma divisão da atenção na hora de mamar, o acompanhamento da prática deve focar principalmente no ganho de peso do bebê mais novo, que precisa exclusivamente dos nutrientes da mãe.

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“Nessa fase, o leite materno volta a ser aquele leite inicial que a gente chama de colostro, que é importante para o recém-nascido. Então, é preferível que a mãe que amamenta em tandem ofereça o peito primeiro para o menor, para que ele seja mais beneficiado e depois para o filho maior”, esclarece Rossiclei.

O núcleo familiar pode ser uma peça importante para ajudar a mulher a conciliar as necessidades de ambas as crianças. “Falamos que ela tem que ter a rede de apoio, alguém que naquela hora vai ficar com o filho maior pra que ele dê um tempinho para a mãe curtir a ‘lua de leite’ com o recém-nascido”, explica a pediatra.

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Lidando com a atenção e o ciúme

Raphaela conta que, agora, a filha está começando a aceitar a situação. “Decidi controlar as mamadas da mais velha, que antes era em livre demanda. No quarto dia ela já passou a entender melhor, pelo menos nos momentos de irritação do mais novo”, relata a mãe.

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De acordo com a pediatra, o tandem, ao invés de afastar os pequenos irmãos, ainda pode ser muito importante na aproximação da família. Crises de ciúme, por exemplo, são mais frequentes quando a criança mais velha precisa interromper a amamentação logo quando a mãe engravida.

“O tandem, psicologicamente, pode vir para preencher uma lacuna que tinha tanto naquela dor da mulher que tem que dar atenção para a criança menor, quanto para a do irmão mais velho que perdeu o posto de ser o filho que era amamentado”, relata a pediatra.

As vantagens do tandem ainda podem vir em forma de uma amamentação mais tranquila com o recém-nascido, já que a descida do leite, conhecida como apojadura, é facilitada. Sangramentos no pós-parto também são menos recorrentes, devido à maior liberação da ocitocina, e alivia também o ingurgitamento mamário, já que pela produção de leite ser mais abundante, o recém-nascido e a criança maior conseguem mamar sem dificuldades. 

Apesar disso a amamentação em conjunto pode ser uma tarefa cansativa e muitas vezes estressante para a mãe. “Acredito que a maior dificuldade nesse momento é controlar o emocional. É difícil ser a única fonte de nutrientes para um dos filhos e tentar entender que o peito não é apenas alimento para o mais velho, mas que é aconchego também”, finaliza Raphaela. Por isso, o importante é sempre levar em consideração o emocional da mãe, que precisar estar confortável com a situação para que ela seja conduzida de maneira saudável para todos os envolvidos.

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