De um lado, um aumento significativo no número de infecções por coronavírus no Brasil, com UTIs novamente em estado crítico, festas e comemorações públicas sendo canceladas, estados regredindo para a fase de alerta e uma possível campanha de vacinação que caminha a passos lentos, sem previsão de que crianças e adolescentes sejam imunizados.
De outro, famílias exaustas, pais e mães que passaram o ano todo em casas e apartamentos tentando equilibrar tarefas domésticas e trabalhos formais, e uma necessidade de aproveitar o recesso de fim de ano para espairecer – ainda mais em um 2020 marcado por ensino a distância e mudanças na rotina doméstica.
E, se em julho passado a discussão central dividia especialistas e focava mais sobre ser ou não seguro viajar com os pequenos, a esta altura espera-se que a população esteja ciente dos riscos que corre ao tomar uma decisão como essa: a pandemia não acabou, evitar aglomerações, higienizar as mãos e usar máscara deveria ser hábito consolidado, e vai de cada um pesar sobre o que vale mais a pena a partir de agora.
Entenda o cenário atual
De acordo com dados divulgados pela Associação Internacional de Transporte Aéreo, o número de viagens de avião em 2020 foi reduzido para 66%, graças aos riscos de contágio pela Covid, restrições para a entrada de brasileiros em destinos internacionais e à alta do dólar.
Já um levantamento divulgado pela Booking.com, no último dia 2, revelou que a maioria dos brasileiros planeja tomar maiores precauções relacionadas à saúde e segurança ao viajar no futuro: 77% dos entrevistados, por exemplo, não consideram um problema usar máscara em público nos destinos em que isso é obrigatório, 67% deles esperam que as operadoras de viagem e demais fornecedores de serviço de turismo descrevam em detalhe as medidas de segurança que estão tomando, e 50% dos viajantes concorda que exibir as políticas de limpeza e higiene nos destinos é algo fundamental.
Se você não abre mão de viajar com as crianças no final do ano, porém, não deixe de prezar pela sua segurança e dos familiares. Conversamos com Melissa Valentini, infectologista do Grupo Pardini, e Fabiana Sinisgalli Romanello, infectologista do Hospital São Francisco de Mogi Guaçu, e listamos algumas medidas que podem ser tomadas para evitar uma possível contaminação.
Antes de mais nada, reúna informações
Se planejar uma viagem, ainda que curta, em condições “normais” já demanda pesquisa e informação, durante uma pandemia esse cuidado deve ser redobrado. Por isso, antes de bater o martelo e definir qual será o destino escolhido, informe-se o máximo que puder e considere todas as dificuldades que podem surgir até chegar ao local e, inclusive, durante a estadia com os filhos.
Reúna opções de locais possíveis, pense sobre quais os problemas que podem ser enfrentados em cada localidade e pesquise sobre a situação em relação à transmissão da Covid-19 em diferentes cidades ou países “candidatos”. Considere regiões que permitam passeios ao ar livre e acomodações que contem com áreas externas espaçosas, monte um roteiro pensando se a intenção da viagem é sair de casa e ficar em um ambiente maior e mais aconchegante, estar em contato com a natureza ou turistar considerando a não-aglomeração e as restrições de funcionamento de atrações e restaurantes. Lembre-se, ainda, de que viagens para locais muito turísticos são comprovadamente de maior risco, ainda mais nesta época do ano.
Cuidado ao escolher o meio de transporte
Como já dissemos anteriormente, viajar de carro apenas com as pessoas que moram com você e optar por distâncias curtas, que exigem poucas ou nenhuma parada com as crianças, é o jeito mais seguro de chegar sem grandes preocupações a um novo destino durante a pandemia. Mas há quem opte por se arriscar em ônibus ou aeronaves, o que envolve ainda mais atenção.
Coloque na balança se você está disposto/a a correr os riscos de viajar de avião, e expor os filhos a este risco. Isso porque as taxas de transmissão do coronavírus em aeroportos e aeronaves são desconhecidas em números, mas vistas como altas. Leve isso em consideração, principalmente ao optar por voos longos e destinos internacionais. Não se esqueça, também, de pesquisar sobre restrições de entrada nos países e necessidade ou não de fazer quarentena ao chegar neles e, ao comprar passagens, escolha aquelas com políticas flexíveis de cancelamento e possibilidade de reembolso devido à pandemia.
Dito isso, ao circular pelo aeroporto use máscara e pratique o distanciamento com quem não está viajando com você, e evite consumir alimentos comprados no local até o momento do voo – para lidar com a fome das crianças, não se esqueça de levar lanchinhos de casa e lavar as mãos antes de comer, claro.
Já dentro do avião, embora companhias aéreas tenham se adaptado às novas regras sanitárias, vale higienizar superfícies com álcool 70%, manter a máscara no rosto (e no dos pequenos) durante praticamente todo o trajeto e higienizar as mãos frequentemente.
Cuidado extra ao ir ao banheiro da aeronave com as crianças, evitando encostar nos assentos e tocar superfícies, e sempre lavando as mãos com cautela. Ao chegar ao destino após o voo, retire as roupas e os calçados que foram usados e coloque-os imediatamente para lavar. Malas, bolsas e mochilas, bem como outros objetos que também ficaram expostos, como celulares e dispositivos eletrônicos, devem ser devidamente higienizados com álcool 70%.
Dicas semelhantes servem para viagens de ônibus, ainda mais complicadas: “Quanto maior o tempo que se passa em um ambiente fechado, sem ventilação natural e com muitas pessoas, maior é o risco de contágio, e por isso viagens de ônibus são mais problemáticas”, explica Melissa Valentini, que enxerga ainda mais dificuldades quando se viaja com os menores, que ficam menos quietas em um local novo e tendem a tocar objetos, rosto, boca e olhos. Veja aqui um guia completo do uso de máscaras em crianças.
“Com crianças maiores pode-se conversar, usar máscara de barreira efetiva, como as cirúrgicas e as máscaras N95. Diga que a máscara não deve ser manipulada ou retirada do rosto durante todo o trajeto, e que as mãos devem sempre ser higienizadas com álcool 70%, líquido ou em gel”, completa a profissional.
E a acomodação?
Agora que você avaliou os prós e contras de cada destino e meio de transporte, deve atentar-se às acomodações. Aqui, repetimos, vale a máxima de evitar aglomerações, de modo que escolher uma casa inteira ou apartamento individual, em destinos mais calmos, reservados ou até isolados para ficar com as crianças já ajuda, e muito, a prevenir o contágio.
Opte por um imóvel no qual você possa preparar as próprias refeições e armazenar alimentos trazidos de casa em vez de precisar fazê-las em áreas compartilhadas, ainda mais por ser nesse momento que o uso de máscaras fica impossibilitado.
Caso você escolha ficar em um hotel, informe-se sobre o percentual de ocupação do local e sobre quais medidas estão sendo tomadas a fim de preservar a saúde de todos, sejam eles hóspedes ou funcionários. Independentemente da acomodação eleita, é preciso avaliar se as áreas de lazer atendem a todos levando em conta o distanciamento social.
No caso das crianças, lembre-se de que o ideal é que elas não estejam em contato com outras, e perguntar como e com qual frequência os brinquedos de uso comum estão sendo higienizados. Garanta que os pequenos fiquem sempre em ambientes mais arejados, higienizem as mãos com frequência e evitem participar de atividades recreativas em grupo ou compartilhar objetos.
Aplicativos especializados em acomodações, como Airbnb e Booking.com, ao longo do ano atualizaram suas ferramentas e políticas de higiene e cancelamento por conta da pandemia, o que facilita na hora de escolher um lugar para ficar. Por isso, não deixe de explorar os filtros de busca presentes nesses apps, que agora contam com informações específicas sobre a Covid e medidas de saúde e segurança em cada local.
Antes de fazer a sua reserva, leia avaliações que outras pessoas fizeram sobre aquela acomodação, pergunte sobre os protocolos de segurança e, se possível, fale direto com o proprietário para tirar todas as suas dúvidas, ainda mais quando a viagem envolve a segurança das crianças. Por fim, opte por acomodações com maior flexibilidade de cancelamento e reembolso, caso a pandemia saia do controle novamente e viagens fiquem ainda mais complicadas.
Atenção ao ir à praia com os pequenos
Já foi comprovado que, ao ar livre, é bem menos provável que haja uma transmissão efetiva do vírus, mas isso não faz das praias ambientes 100% seguros. Se possível, escolha praias mais vazias ou desertas, em localidades mais calmas e sem aglomeração, nas quais você consiga manter a distância de segurança (pelo menos dois metros) de outras famílias, e dispensar o uso das máscaras na areia.
Escolha levar seus próprios alimentos, bebidas, cadeiras, esteiras e guarda-sóis. Não compartilhe objetos com terceiros, mantenha as crianças por perto e afastadas de novos amiguinhos – sim, sabemos que é complicado, mas o momento pede esta cautela! Higienize as mãos com frequência e não se esqueça também de proteger as crianças contra os raios solares e possíveis doenças de verão.
Se possível, evite entrar em contato com outras pessoas após a viagem
Caso você e as crianças, mesmo tentando evitar, ficaram expostos a ambientes com aglomerações, ou pegaram avião ou ônibus para voltar para casa, o ideal seria que a família se mantivesse afastada de outros amigos e familiares, principalmente de grupos de risco, pelo período de 15 dias após o retorno da viagem. Isso porque o vírus, como já se sabe, pode estar presente no nosso corpo mesmo mediante ausência de sintomas.
Testes rápidos podem ser uma alternativa para quem precisa voltar imediatamente ao trabalho e não quer correr o risco de transmitir a doença, mas devem ser feitos após alguns dias contados a partir da data de retorno. Já se você apresentar qualquer sintoma de coronavírus depois da viagem, isole-se imediatamente e, se os sintomas surgirem antes de ir, tenha a consciência e o bom senso de cancelar os planos.