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Leite aumenta a produção de catarro? Especialistas explicam

Há poucas evidências de que o consumo de lácteos esteja ligado à formação excessiva de muco e ao agravamento de crises de rinite e asma

Por Da Redação
3 mar 2023, 13h30

Se você tem um filho pequeno, provavelmente ele já ficou resfriado ou gripado, com o nariz congestionado e escorrendo. Em pelo menos uma das vezes em que isso aconteceu, alguém deve ter dito que o culpado do quadro era o leite, sugerindo que você experimentasse tirá-lo da dieta do pequeno “para fazer um teste”. A verdade, no entanto, é que não existem evidências científicas fortes o suficiente para comprovar que o leite colabora para o aumento da produção de muco e para o agravamento de crises alérgicas respiratórias (exceto no restrito grupo de quem, de fato, tem algum tipo de alergia a esse alimento). 

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“Na grande maioria das vezes, há uma confusão, porque a criança pequena pega vários vírus em sequência e esses vírus deixam a secreção acumulada. Então, sempre se busca um culpado e o leite aparentemente é o mais fácil de culpar”, aponta o pediatra Flavio Melo, de Bananeiras (PB), autor do perfil @flaviopediatra no Instagram. “O leite e o nascimento dos dentes são sempre os vilões, mas não é bem assim”, diz ele nas redes sociais.

O conceito, difundido com força nos últimos anos, de que o leite e os lácteos são alimentos inflamatórios não tem sustentação científica. Pelo menos no caso de crianças saudáveis, que não apresentam restrições, intolerâncias ou alergias específicas. “Não é por uma minoria de crianças que têm alergia alimentar – no caso, às proteínas do leite, que têm desencadeamento de sintomas em vias aéreas (o que é raro, até dentro da Alergia à Proteína do Leite de Vaca/APLV) – que se deve retirar esses alimentos da dieta indiscriminadamente”, explica o médico. Cortar um grupo inteiro de alimentos do cardápio sem orientação pode até trazer prejuízos.

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Adulto limpando o nariz de uma criança com lenço de papel. Ambos são brancos, a criança tem por volta de 1 ano e meio. Do adulto, só é possível ver os braços.
(Halfpoint/Getty Images)

O mito de que leite dá catarro

A ideia não é nova, mas, nos últimos anos, ganhou mais força e passou a ser compartilhada efusivamente com ajuda da internet. Além de a relação entre leite e formação de muco ser difundida pela Medicina Tradicional Chinesa, no século 12, o médico judeu Moses Maimonides também escreveu sobre como a asma poderia ser exacerbada pela ingestão de leite. 

“Esse mito tem várias origens”, explica Flavio, em entrevista ao Bebê: “A primeira é de que o leite de vaca entrou como elemento na dieta humana a partir do momento em que o homem começou a viver em comunidade e a domesticar os animais”. Até então, diz ele, o corpo tinha enzimas programadas para fazer a digestão da lactose (açúcar predominante no leite) até cerca de 4 ou 5 anos de idade. “Depois, o ser humano não consumia mais leite, então, essa enzima parava de ser produzida e, naturalmente, a população desenvolvia uma intolerância à lactose, ou seja, se tivesse contato com leite, não ia conseguir digerir”, afirma. 

Porém, quando o homem começou a domesticar os animais e a consumir não apenas o leite, como outros alimentos a partir da agricultura, ocorreu uma série de mudanças. “Houve uma adaptação genética e boa parte da população passou a tolerar o consumo da lactose, mesmo depois da faixa etária dos 4 ou 5 anos”, conta Flavio. “É uma demonização, baseada em estudos que não comprovam as alegações antigas, que diziam que o leite era inflamatório e que essa proteína era maléfica e causava problemas”, acrescenta. 

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Em uma revisão que analisou estudos desde 1948, cientistas liderados pelo médico Ian Balfour-Lynn, do Departamento de Pediatria do Hospital Royal Brompton, de Londres, na Inglaterra, concluíram que a associação é um mito, provavelmente iniciado no artigo de Maimonides. A noção teria ganhado força com um médico que ficou conhecido como o guru dos cuidados com a saúde na infância, Dr. Spock. 

De acordo com a análise, publicada na revista científica Archives of Disease in Childhood, do British Medical Journal (BMJ), em 2018, “embora a textura do leite possa fazer com que algumas pessoas sintam o muco e a saliva mais espessa e difícil de engolir, não há evidências que indiquem que o alimento leve à secreção excessiva de muco”.

Menina asiática de cabelos pretos e franja com a boa suja de leite. Ela mostra a força com os braços para cima e segura um copo de leite com o outro. No primeiro plano, aparecem maçãs e verduras.
(Alex Green/Getty Images)

O papel do leite na dieta

Estamos falando de uma fonte nutricional relevante na infância. “A criança está em crescimento, em desenvolvimento, e é importante que ela consuma o leite e os derivados”, diz a nutricionista clínica e materno infantil Caroline dos Santos, da Clínica Neném da Nutri (SP). “É um alimento rico em proteína, gordura, vitamina A, vitamina D e, principalmente, cálcio – é no leite que ele está mais disponível. Por isso, tirar esse grupo alimentar sem necessidade pode causar uma deficiência desse mineral”, acrescenta. 

O leite é recomendado como um componente importante em uma dieta saudável para crianças pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde. Isso, vale lembrar, desde que elas não apresentem alergias ou restrições, que tenham mais de 1 ano de idade e que não sejam mais amamentadas com leite materno.

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Se você desconfia que seu filho tem alguma reação alérgica ao alimento, é essencial buscar ajuda profissional para confirmar ou descartar o diagnóstico. “Caso a criança realmente precise cortar o consumo do leite, existem opções para suprir os nutrientes, mas é fundamental fazer as alterações com orientação do pediatra e do nutricionista, para não haver prejuízos”, reforça Caroline.

Recomendação diferente para bebês de até 1 ano

Embora o leite e outros produtos lácteos sejam fontes importantes de nutrientes para a população em geral, incluindo as crianças, a orientação é diferente quando se trata de bebês. Até pelo menos 1 ano de idade, eles não devem tomar leite integral. 

“O consumo precoce do leite, em substituição ao leite materno, pode levar muitas crianças a terem quadros relacionados a alergias e à própria dificuldade de tolerá-lo, porque a proteína é muito diferente da proteína do leite materno para o sistema imunológico. É uma proteína que não é de fácil digestão para um bebê”, explica o pediatra. Na impossibilidade da amamentação, uma fórmula adequada será indicada, provendo os ingredientes necessários nessa fase da vida. 

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Para bebês diagnosticados com APLV, as fórmulas são extensamente hidrolisadas ou, em alguns casos, de aminoácidos. “É como se a proteína já fosse pré-digerida, de fácil digestão”, diz Flavio. Existem ainda as fórmulas à base de soja, que podem ser cogitadas a partir dos 6 meses. O pediatra lembra que o leite de cabra não é substituto para crianças que têm alergia ao leite.

“As fórmulas já são adicionadas de cálcio e vitamina D, mas, caso seja necessário, o médico que acompanha a criança pode prescrever uma suplementação específica”, ressalta o especialista. “Mas, reforço: isso não deve ser feito sem a orientação de um pediatra e de um nutricionista, em conjunto, para que não haja prejuízos na aquisição de elementos importantes, como o cálcio, que tem impacto na massa óssea e no crescimento, além de uma série de outras questões”, completa.

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