Uma crise de saúde global, que afeta vários países e cresce em números galopantes, a obesidade atinge mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse total, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões, crianças. A tendência, infelizmente, é piorar.
O Atlas Mundial da Obesidade 2023 revelou que a quantidade de casos na infância pode chegar a 400 milhões até 2035. Para o Brasil, o alerta soa ainda mais alto: o crescimento anual projetado para a doença é de 4,4% somente entre crianças – quase o dobro da expectativa de aumento para os Estados Unidos, que é de 2,4%.
“A obesidade vem crescendo no mundo todo porque não existem programas de saúde pública que sejam efetivos”, afirma Louise Cominato, pediatra endocrinologista do Departamento Científico de Pediatria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Segundo ela, mesmo sendo um dos países com expectativas preocupantes de crescimento da epidemia, não contamos com um programa e nenhum investimento a nível nacional de combate à obesidade infantil. “O que se tem são somente alguns serviços específicos. Enquanto o tema não for levado a sério, esse aumento de casos vai continuar acontecendo”, diz.
A questão, lembra a médica, é uma emergência em saúde pública. “As comorbidades levam ao aumento de internações, do uso de medicações e diminuem a expectativa de vida”, alerta.
Os anos mais críticos da pandemia, com o isolamento social, ajudaram a reforçar hábitos que favorecem o desenvolvimento da doença. “A privação de atividades, brincadeiras e interações proporcionaram um efeito cascata, que foi a inatividade física, associada a um aumento no consumo de alimentos altamente calóricos, pois as crianças estavam mais ansiosas e, consequentemente, se alimentando de forma errada”, diz a nutricionista Tamara Lazarini, mestre em Nutrição Infantil, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). “Houve um tempo de maior de exposição às telas. A falta de disciplina com os horários das refeições e de sono também pode ter contribuído para o aumento da obesidade”, pontua.
O período de emergência da Covid-19 terminou, mas diversos costumes foram mantidos e, em alguns casos, até pioraram. A solução não é simples e, além de variar de pessoa para pessoa, permeia várias áreas da vida. Não é apenas o que se coloca no prato e o tempo que se passa na academia ou praticando esportes. “Antigamente, as pessoas achavam que ganhava peso quem comia em excesso e não praticava atividade física e que, então, o tratamento seria apenas dieta e exercício. Porém, a obesidade é uma doença crônica e multifatorial”, explica Priscilla Leitner, psicóloga e diretora do Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba (PR).
E os impactos, sobretudo na infância, são enormes: afetam a saúde física e mental no presente, e predispõem o desenvolvimento de uma série de complicações futuras. Para entender melhor a doença, reunimos algumas das principais dúvidas sobre o assunto, que foram respondidas com ajuda das especialistas aqui citadas.
1. Quando a criança é considerada obesa?
O índice de massa corporal (IMC) é a forma mais eficaz e prática de fazer o diagnóstico, somado a um exame clínico, com perguntas específicas do médico sobre a criança. Ele também deve avaliar a curva de crescimento, além de outras informações, dependendo do caso. Somente profissionais de saúde como pediatras e nutricionistas são habilitados para chegar a essa conclusão.
2. Quais são as consequências diretas e indiretas para a saúde física e mental?
A obesidade infantil afeta o desenvolvimento e prejudica a maioria dos sistemas do corpo. Pode facilitar o surgimento de uma série de doenças crônicas, como diversas formas de câncer, diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares, além de potencializar quadros respiratórios – uma pessoa obesa tem três vezes mais chances de ser hospitalizada por Covid-19, por exemplo, diz a OMS. A condição ainda aumenta o risco de complicações ortopédicas, hepáticas e de síndrome metabólica.
Os impactos na saúde mental são igualmente preocupantes. A obesidade tem potencial para afetar a autoestima e eleva as chances de a criança desenvolver transtornos como anorexia, bulimia, compulsão, ansiedade, depressão, dificuldade de interação e problemas no aprendizado.
3. Quais são os principais fatores de risco?
A doença é multifatorial. A genética e a hereditariedade são importantes, mas o ambiente e o estilo de vida também têm grande influência. O sedentarismo, os hábitos alimentares (que englobam a qualidade, a quantidade e a forma de consumir os alimentos), o sono, o estresse, a regulação emocional, tudo isso favorece o desenvolvimento da obesidade.
4. Condições sociais e econômicas podem impactar na obesidade infantil?
Sim. Muitas vezes, o consumo excessivo de alimentos calóricos e o sedentarismo vêm da falta de conhecimento dos pais, familiares e/ou cuidadores sobre o tema. Além disso, os alimentos mais calóricos e menos nutritivos em geral têm um custo menor e são mais facilmente acessados e armazenados.
Pais com dificuldades financeiras, com jornadas duplas ou triplas de trabalho podem ter menos tempo de cuidar da alimentação adequadamente, preparando menos refeições naturais e saudáveis.
5. Que políticas públicas poderiam ajudar a diminuir a taxa de obesidade infantil?
Para as especialistas, é necessário agir em três frentes principais: orientação, acesso e intervenção. O Brasil tem o Guia Alimentar para a população brasileira e o Guia Alimentar para menores de 2 anos de idade, que são úteis e estão disponíveis de forma gratuita no site do Ministério da Saúde.
Outro ponto importante é ampliar o acesso a parques e a ambientes seguros para que as crianças possam brincar e se exercitar, reduzindo o sedentarismo. Promover atividades de conscientização sobre obesidade e exercícios físicos, além da intervenção nutricional em escolas e creches, com o objetivo de oferecer uma alimentação mais saudável e conteúdo educacional para pais e alunos, também é essencial.
Hoje, o Brasil tem o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que atua nesse sentido. No entanto, de acordo com as entrevistadas, o projeto precisa de mais apoio, com aumento e distribuição de recursos, para melhorar sua atuação. Seria primordial, ainda, uma regulação cautelosa na legislação de alimentos infantis e na propaganda de alimentos altamente calóricos.
6. Qual é o papel da amamentação e da introdução alimentar na prevenção da obesidade?
Hoje, muito se fala sobre a importância dos primeiros 2.200 dias de vida (a fase de pré-concepção até os 5 anos). É um período de janela imunológica, que podemos modular de forma positiva, evitando obesidade e outras doenças associadas.
O aleitamento materno exclusivo pelo menos até 6 meses tem forte impacto nisso. A introdução alimentar, segundo o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), é também uma fase determinante, que deve contar com orientação do pediatra ou de um nutricionista.
É imprescindível evitar o consumo de açúcar e usar sal com moderação, preferindo temperos naturais. O suco de fruta não é recomendado – além de ser muito doce, perde fibras e nutrientes e pode atrapalhar a sensação de saciedade, em comparação à fruta in natura.
E atenção: de nada adianta ter todos os cuidados durante os primeiros dois anos de vida e liberar totalmente o acesso a ultraprocessados depois disso. O paladar, sobretudo o das crianças, tende a ser facilmente viciado nos componentes de produtos industrializados, que costumam ter alto teor de sódio, açúcar e gordura.
7. Como ajudar a criança a comer melhor sem que isso crie uma relação problemática com a comida?
Um bom começo é o exemplo do adulto ao se alimentar. Chamar a criança para ajudar nas compras e no preparo das refeições pode ser outra boa alternativa, “delegando” a ela alguma responsabilidade na escolha de ingredientes saudáveis, explicando os benefícios.
Tente também fazer o máximo possível de refeições em família, na mesa, sem interferência de telas. E, em vez de forçar o consumo de alimentos recusados, experimente variar o preparo e oferecê-los de outras formas (a situação é diferente, porém, com crianças que têm uma seletividade alimentar mais severa. Nesse caso, a ajuda profissional e individualizada é necessária).
Por outro lado, é vital buscar um equilíbrio, cuidando para não gerar o efeito oposto, com terrorismo nutricional, já que isso pode levar ao desenvolvimento de transtornos futuros, como anorexia, bulimia e recusa alimentar. A relação da criança com a comida deve ser leve. Depois dos 2 anos de idade, exceções podem ser feitas – o consumo de doces e salgadinhos em uma festa, por exemplo -, mas sempre deixando evidente que aquela não é a alimentação do dia a dia.
8. Quais são as chances de uma criança com obesidade se curar?
A possibilidade de uma criança obesa se tornar um adulto obeso é muito maior do que a possibilidade de uma criança saudável se tornar um adulto obeso. Entretanto, a criança com diagnóstico de obesidade pode, sim, reverter esse cenário, desde que conte com ajuda familiar e uma mudança no estilo de vida. Ela precisará de uma forte rede de apoio, o que inclui uma equipe profissional, para aprender a fazer escolhas saudáveis – e mantê-las para a vida.
9. Como é o tratamento e em que casos são necessárias soluções mais drásticas, como cirurgia bariátrica ou medicação?
A cirurgia bariátrica e o uso de medicamentos normalmente não são recomendados para crianças, embora o pediatra possa prescrever fármacos em casos graves, associados a outras doenças. Um grupo multiprofissional com pediatra, nutricionista, psicólogo, educador físico, entre outros, ainda é o tratamento mais indicado na infância.
10. Passar uma mensagem positiva sobre diversidade de corpos é diferente de não ter cuidado com a saúde. Onde fica o limite?
Aceitar o corpo é diferente de aceitar uma doença como a obesidade, que precisa ser tratada, pois pode prejudicar a saúde de várias maneiras. É possível que uma criança cujo IMC está adequado tenha um pouco de gordura, um formato de corpo maior, medidas “fora do padrão” – e tudo bem, desde que ela esteja saudável, o que será avaliado pelo pediatra que a acompanha.
Já nos casos de obesidade diagnosticada, é importante trabalhar para que o tratamento não se torne um transtorno alimentar ou de imagem. Tudo precisa ser feito com muito cuidado e com muita empatia.
REVISTA DIGITAL BEBÊ
A terceira edição da revista digital BEBÊ acaba de ser lançada! Nossa publicação é trimestral e sempre chega repleta de conteúdos especiais sobre gravidez, parentalidade, educação dos filhos, saúde e muito mais.
Nela, você encontra esta discussão urgente sobre obesidade infantil e outras matérias imperdíveis:
– Capa: uma entrevista emocionante e cheia de conversas necessárias com Jeniffer Nascimento. A atriz, cantora e apresentadora de 30 anos em breve dará à luz Lara, sua primeira filha.
– Como todos nós podemos fazer da internet um espaço mais seguro para as crianças.
– O desenvolvimento motor do bebê no primeiro ano de vida (uma coluna escrita pelo pedagogo, psicopedagogo e Mestre em Educação Junior Cadima).
– Tocofobia: o medo irracional de engravidar é um transtorno psiquiátrico que afeta a vida de muitas mulheres.
– Os cuidados essenciais com as crianças na praia e na piscina (afinal, a ideia é curtir o calor com tranquilidade).
A edição número 3 da revista digital de Bebê está disponível no GoRead. ACESSE AQUI!