Mães que adotaram podem ter baby blues depois da chegada do bebê?

A notícia alegre de que a família vai aumentar vem acompanhada de desafios intensos e não impede que as mulheres sintam tristeza, insegurança e melancolia.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 18 abr 2022, 10h07 - Publicado em 5 abr 2022, 15h10
Mãe e bebê deitados na cama
 (Sally Anscombe/Getty Images)
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A espera para receber um novo integrante na família por meio da adoção costuma ser lenta e burocrática no Brasil – ainda que o número de inscritos na fila de espera seja quase dez vezes maior que o de crianças aguardando para ser adotadas. Passado este período demorado e cheio de expectativas, o filho é, enfim, recebido no lar e é aí que entra o dilema: espera-se que os pais imediatamente criem laços sólidos e sejam inundados por uma felicidade que muitas vezes não surge de uma hora para outra.

Pelo contrário, é possível que a tristeza, a solidão e o medo tomem conta, além de outros sinais que lembram bastante o baby blues ou a depressão pós-parto em mulheres que estão no puerpério. Mas afinal, é possível que mães que não carregaram o bebê na barriga desenvolvam quadros como esses?

Baby blues X depressão

Antes de tudo, vale esclarecer: embora parecidos nos sintomas, baby blues e depressão não são iguais. “A maior diferença entre os dois é a duração e intensidade dos sintomas”, lembra Ediane Ribeiro, psicóloga focada em trauma. “O baby blues é o momento mais inicial, da chegada do bebê até por volta de duas semanas depois e também chamado de fase de ajustamento”, completa.

Bastante comum, o quadro acomete de 50 a 80% das mulheres e é caracterizado por choro fácil, oscilações de humor, irritabilidade e tristeza, consequência de mudanças hormonais e na dinâmica da vida da mãe no geral. Por ser autolimitado, o baby blues não exige tratamento específico e tende a desaparecer com o tempo.

“Já a depressão, é um transtorno de humor, de quadro mais intenso e de maior duração, que pode se manifestar em diferentes graus”, explica a psiquiatra Natasha Senço. Além disso, a causa da condição é multifatorial e pode estar associada a alguns fatores de risco, como a presença de casos na família. Entenda melhor a diferença entre eles.

Mães que adotaram podem ter sintomas depressivos?

A resposta unânime dos especialistas é que sim. “Apesar de alguns eventos que envolvem a gestação e o parto contribuírem para a ocorrência de quadros como baby blues e depressão, não são situações exclusivamente relacionada a eles”, afirma Natasha.

“A chegada de uma criança traz profundas mudanças relacionais para uma família, envolve alegrias, descobertas e a vivência de muitos afetos, mas também perdas, sobrecarga de responsabilidades, solidão. É um período de desconstrução de expectativas e idealizações, além de uma série de desafios e transformações que ocorrem num curto espaço de tempo”, completa. 

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Por isso, é comum que surjam sentimentos de insegurança, medo de não dar conta, sensação de desconexão com a experiência e de fragilidade, dentre outros.

Mayra Aiello é psicóloga e coidealizadora do Instituto Doulas de Adoção Brasil e em seu mestrado está se aprofundando no tema da saúde mental em adotantes. Com base em sua experiência clínica e como doula de adoção, notou algumas manifestações em comum.

Percebi alterações no sono, no humor, tristeza e choro frequentes, maior cansaço em relação à rotina, alterações da libido, além de foco intenso no cuidado com os bebês, que causam mudanças no apetite ou na dinâmica social”, aponta.

Além disso, as mães que adotaram, mesmo com toda a preparação prévia, estão sujeitas e viverem um choque de realidade. “No caso da mãe adotiva, essa construção do vínculo começa com a criança já convivendo dentro do ambiente familiar – no filho biológico, ainda há o período de gestação, e mesmo assim isso não protege da depressão pós-parto”, esclarece Ediane.

O caso de Mariana Duarte Raphael, fotógrafa de 39 anos, ilustra bem esse cenário. Apesar de ela e seu marido saberem que a chegada do pequeno se aproximava – o que intensificou a preparação do casal e fez com que participassem ainda mais de rodas de conversa e começassem a arrumar o quarto do filho, por exemplo – a entrada de Daniel na família, com pouco mais de 20 dias na época, foi vivida como um susto.

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“Quando nos ligaram da vara da infância, foi um misto de sentimentos: emoção, alegria, euforia, espanto, medo…”, lembra Mariana. “A gente tem uma vidinha nas mãos e precisa aprender a lidar com ela. E além de todas as demandas e privação de sono, acontece uma coisa não tão falada publicamente mas sentida por muitas mulheres mães que é um ‘luto’ em relação ao que se era antes deste ser amado chegar na nossa vida“, completa.

A fotógrafa recorda que sentiu esse luto como uma perda de sua identidade, rotina e até relação com o tempo anterior, já que no começo era o bebê quem decidia todos os horários. “Achei o início bem difícil, fiquei melancólica em alguns momentos, um tanto desesperada em outros, mas me cerquei de apoio”, conta. Mariana diz que sabia que a sensação fazia parte do puerpério emocional que mães por adoção também podem ter, mas não chegou a relacionar com o termo “baby blues”.

Quando procurar ajuda profissional

mae-depressao

Como já se sabe, o suporte emocional é fundamental mesmo antes da chegada da criança, e a família pode se beneficiar de grupos de adoção, espaços terapêuticos e – se possível – da sua própria rede de apoio.

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No entanto, se os sintomas depressivos permanecerem por bastante tempo depois de receber o filho, procurar ajuda especializada pode ser interessante. “Uma fase de ajustamento que se prolonga por mais de 3 semanas já representa um sinal de alerta”, diz Ediane. Se passados 45 dias e os sinais continuarem, a psicóloga indica que a mãe faça uma avaliação com um profissional capacitado – o que não significa que desenvolveu necessariamente uma depressão. 

Ela ainda ressalta a importância de que a família entenda as motivações dessa adoção e informe-se o máximo possível, conversando com pessoas que já passaram pelo processo. “A adoção é sobre uma criança que precisa de uma família, não pode se dar para preencher um vazio ou uma demanda dos pais”, afirma.

A importância de falar sobre o tema

Nos últimos anos, pautas relacionadas à saúde mental ganharam força e, com isso, as pessoas tendem a compreender melhor a depressão pós-parto em mães biológicas. No caso dos sintomas melancólicos em mulheres que adoção, porém, o tabu ainda segue intenso, ainda mais por ser uma condição pouco estudada. Como consequência, a adotante sente ainda mais culpa e vergonha, além de receio em buscar ajuda

“A manifestação de baby blues e depressão nestas mães costuma gerar estranhamento, porque há a expectativa de que, por a mulher querer tanto, deveria estar se sentindo plenamente feliz”

Ediane Ribeiro, psicóloga focada em trauma

E é aí que entra a importância de desmistificar cada vez mais o tema, como lembra Mayra. “Meu trabalho como psicóloga e mestranda é de dar acolhimento, especialmente em termos de psicoeducação. Ou seja, explicar para essas mães que poderão ter alterações emocionais significativas e em alguns casos vão precisar de um atendimento mais sistemático com psicólogo e psiquiatra para lidar com as demandas emocionais intensas”, diz.

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Ainda baseada em sua vivência como doula, a especialista observa que, na maioria dos casos, os ajustes da família se dão de forma significativa no primeiro ano na medida em que frequentam espaços de acolhimento, onde podem falar sobre seus sentimentos sem serem julgados.

“Quanto mais desmistificamos a maternidade, que não é compulsória, e que o amor materno e parental é construído a partir da relação dos cuidadores com as crianças – independente da idade – vamos contribuindo para que as famílias consigam falar mais sobre as dificuldades de se tornarem mães ou pais”, afirma. “Melhorou muito nos últimos 4 anos, mas muitas mães ainda têm receio de falar sobre o assunto por conta do tabu existente com a adoção”, finaliza.

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