Família

4 casais relatam as dificuldades e a melhor parte de optar pela adoção

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por Ketlyn Araujo Atualizado em 8 abr 2021, 17h59 - Publicado em
26 fev 2021
18h00

As burocracias, a agonia da espera e as alegrias de quem conseguiu realizar o sonho de adotar.

Sim, o ano é 2021 e adotar uma criança ainda é visto como tabu e motivo de preconceito por parte da sociedade. E mesmo quem não está familiarizado em como funciona o processo de adoção, já ouviu falar sobre a sua complexidade e as diversas etapas enfrentadas pelos futuros pais. Um exemplo disso é que, de acordo com dados divulgados em outubro passado pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça do Brasil (SNA-CNJ), são mais de 30 mil crianças e adolescentes brasileiros em situação de acolhimento, sendo mais de cinco mil deles aptos para a adoção.

Ainda que o trâmite seja burocrático e lento, para muitas pessoas adotar é realizar um sonho, ter a chance de formar uma família e permitir que aquela criança ou adolescente seja amado e acolhido em um novo lar. Pensando nisso, conversamos com pais e mães que optaram pelo processo e, a seguir, abrem o coração para falar sobre os momentos difíceis e o que há de mais valioso na adoção.

"No início foi bem complicado, tivemos que fazer muitas adaptações de todos os lados, mas hoje a gente tem certeza que nosso vínculo com os meninos é inquebrável"

Naiara Demarco, fotojornalista, e Janaína Fernandes, antropóloga, são mães do Guilherme Davi, de 9 anos, e do Gabriel Martim, de 10 anos, adotados em 2017.

“A nossa história é bem interessante, porque Jana foi casada durante treze anos e as duas entraram no processo de adoção. Ela sempre teve o sonho de ser mãe, mas a gestação nunca foi uma possibilidade, já que ela sempre sentiu no coração dela que iria ser mãe por adoção. O processo entre ela e a ex-esposa começou em 2014, só que, no meio disso tudo, elas acabaram se separando. E, então, foi quando nos conhecemos.

Todo o processo de adoção ocorreu no nome da Jana, que teve que fazer todos os procedimentos e a parte burocrática. Quando eu cheguei, os meninos já estavam ali, e foi muito legal porque a minha maternidade com eles, já que eu também sempre tive o sonho de ser mãe, não foi impulsionada por algo. Muito pelo contrário: ela foi uma escolha, eu os escolhi e eles me escolheram.

Uma história que gosto muito de contar é que, quando eu entrei na vida da Jana, entrei na vida dos meninos como tia, mesmo sendo a namorada dela. Conforme o tempo foi passando, sentei com ela para conversar e percebi que também queria tornar aquela maternidade minha, para que pudéssemos criar os meninos juntas.

Em contato com um grupo de apoio do qual fazíamos parte na época, eles me orientaram a fazer isso da forma mais natural possível. Primeiro, eu tinha que fazer com que eles parassem de me chamar de tia, e depois com que eles me entendessem como mãe. Então, chamei os dois para conversar e disse: ‘A partir de hoje vocês não me chamam mais de tia, eu quero que vocês me chamem de Naiara ou de mãe’.

O Guilherme, que era o menor, reagiu rápido e começou a me chamar de mamãe. Já o Gabriel, o mais velho, disse que ia me chamar de Naiara. Eu falei que não tinha problema, até porque essa era nossa ideia – que tudo fosse feito da forma mais natural possível. Até que, em um dia, eu estava lavando louça e o Gabriel falou: ‘Mãe, posso comer pipoca?’. Fingi que não ouvi, e ele repetiu a frase. Foi aí que eu virei com a maior naturalidade do mundo e disse: ‘Filho, essa pipoca de micro-ondas não pode, porque faz mal. Mas daqui a pouco eu vou fazer para você uma de panela’. Naquele momento eu percebi que a gente tinha esse vínculo, que foi criado naturalmente através do cuidado e do amor.

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(Naiara Demarco/Arquivo Pessoal)

Apesar de toda a burocracia do processo, a Jana sempre acreditou e nunca desistiu, ainda que tenha demorado quatro anos no total. O perfil dela era de crianças de até seis anos, que podiam ser irmãos ou irmãs, e sem preferência a respeito de raça. Desde o dia em que ela entrou na fila de adoção até o dia da ligação em si, demorou três anos, e a parte mais difícil, falando em nome da Jana, foi a da espera, porque isso pode acontecer a qualquer momento. Você se prepara para que seja em um ano, mas pode demorar quatro, cinco, seis ou três meses.

Quando a mãe está gestante, eu acredito que o amor não nasça do dia para a noite, ele é algo conquistado e recíproco. Já ao adotar uma criança, a melhor parte é você ter essa aventura de cuidar de alguém que não nasceu de dentro da sua barriga. O que a gente tira de melhor disso é que conseguimos construir um amor incondicional do zero e sim, isso é possível. 

Só que eu acho que a adoção ainda tem muitos tabus, porque as pessoas valorizam muito a questão da biologia, da genética, e isso é uma barreira. Além disso, falta ainda o entendimento da paciência, porque elas têm uma expectativa de que a criança vai ser a melhor do mundo, a mais bem preparada, e não é bem assim.

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(Naiara Demarco/Arquivo Pessoal)

A gente precisa entender que adoção não é caridade. Eu costumo dizer que a criança não está pedindo para ser adotada, ela está lá por alguma circunstância da vida dela, mas não pediu. Quem está desejando pela adoção é você, é sobre as suas expectativas na vida.

Nosso conselho é que as pessoas se preparem bem psicologicamente, façam parte de grupos de apoio de adoção. E, ao entrarem na fila ou antes dela, conversem com o parceiro/a a respeito do seu perfil – e não o mude, ainda que demore. Estejam dispostos e preparados a receber essa vida com todas as suas questões. Já para os que estão na espera, o conselho é optar por uma adoção legal, acima de qualquer coisa, para que estejam sempre resguardados pela justiça.

Já estamos indo para o quarto ano de adoção dos meninos, e até um ano atrás não falávamos sobre esse assunto. Resolvemos mudar isso, porque eu acho importante. No início, quando eles chegaram e eu casei com a Jana, não víamos representatividade nenhuma na internet, no jornal, e não sabíamos nada sobre a adoção tardia, principalmente para casais homoafetivos. Pensamos em falar mais sobre o assunto para sermos este exemplo de representatividade de família que deu certo.

No início foi bem complicado, tivemos que fazer muitas adaptações de todos os lados, mas hoje a gente tem certeza que nosso vínculo com os meninos é inquebrável. Inclusive, estamos em processo de adoção novamente, ainda aguardando pela habilitação, e isso vai fazer dois meses. E a parte mais difícil disso tudo é manter a estabilidade emocional ao saber que este período pode ser curto ou longo”.

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"Eu sofri uma pressão psicológica muito grande durante o processo, por optar por adotar e não parir uma criança"

Teresa Bottan, economista, e Thiago Oliveira Pereira, engenheiro, adotaram a Geórgia, de 4 anos, em setembro de 2018, quando ela tinha 1 ano e 9 meses.

“Na minha família nós temos muitos casos de adoção, o que me fez crescer achando isso tão normal quanto a gravidez, e desde nova me via como mãe de uma criança negra adotada. Depois de muitos anos casada, eu e meu marido começamos a falar sobre o assunto, até que ele concordou com a ideia e juntos fomos nessa caminhada, lado a lado.

O processo é meio chato, burocrático, demorado, mas hoje em dia eu o considero necessário. O nosso durou exatamente um ano, e foram diversas palestras e entrevistas com psicólogas e assistentes sociais no Fórum. Por sugestão da própria instituição, também participamos de um grupo de apoio. Todo esse processo nos fez ver se era realmente isso que queríamos, e o quanto estávamos dispostos a aguentar até que desse tudo certo.

No nosso caso, eu sofri uma pressão psicológica muito grande durante o processo, por optar por adotar e não parir uma criança. Essa pressão veio de familiares, amigos e até dos próprios funcionários do fórum. Só que eu nunca me abalei muito com isso, porque eu e meu marido tínhamos muita certeza da nossa opção e, tendo ele do meu lado, não me importava o resto do mundo.

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(Teresa Bottan/Arquivo Pessoal)

Depois da fase de adaptação com a Gigi, que foi tensa, pesada e desgastante (mais para mim do que para o meu marido), percebi que as pessoas que desistem no meio do processo da adoção, desistiriam ainda mais rápido durante esta fase de adequação.

Mas são tantas as partes boas! Primeiro, a chance de dar uma vida nova a um ser humano que já passou por situações que você nunca vai passar. E, pensando em mim, como mulher, não ter que ir ao médico periodicamente, não ter que pensar em uma dieta voltada à gravidez, dormir tranquila durante todo esse período, a meu ver, também são pontos positivos.

Tudo o que vem depois é aprendizado e podemos enxergar como lado bom da adoção: a construção e troca de amor, que é extremamente intensa, ver a minha filha feliz e saber que nós estamos proporcionando isso a ela, além de saber que estamos dando a chance para que ela tenha um futuro melhor. Aliás, eu mantenho um diário para a minha filha (no Instagram é @gigibope), e nele conto todo o processo de adaptação até os dias de hoje, exatamente para mostrar que ela nada mais é do que uma criança como qualquer outra.

A adoção ainda é um tabu muito grande, as pessoas têm muita dúvida e muito medo. Mas eu acredito que essas barreiras são reflexo de um preconceito que passa de geração em geração e que, com informações claras sobre o assunto, pode ser facilmente mudado. Eu diria que o processo e, para muitos casais, a espera, não é fácil, mas no final tudo vai ter valido a pena”.

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"Por mais que eles não tenham nascido da gente, eles nasceram para a gente, e não há vínculo maior do que esse"

Ernandes Ferreira, servidor público, e João Carlos da Silva, farmacêutico, são pais de Ezequiel e Ismael, ambos de 3 anos adotados em 2018.

“Nós sempre tivemos o desejo de termos filhos, desde muito cedo. Quando a questão da nossa sexualidade apareceu, esse desejo não mudou em nós dois, e a adoção foi o caminho que encontramos para realizá-lo. Nosso processo foi feito em Minas Gerais e levou um total de três anos, contando a partir do dia em que demos entrada.

Demorou um ano e meio para que a gente pudesse entrar na fila, e depois mais um ano e meio até a chegada dos nossos filhos. Por conta disso, com certeza a parte emocional fica bastante abalada, principalmente com a ansiedade em relação ao tempo que o processo vai demorar. Na nossa opinião, pior do que a burocracia para adotar uma criança é o tempo que tudo leva.

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(Ernandes Ferreira/Arquivo Pessoal)

Nós chegamos até a pensar em desistir por conta da espera longa, e optar por barriga de aluguel. Mas que bom que não fizemos isso, porque quando existe amor, não existem barreiras. Por mais que eles não tenham nascido da gente, eles nasceram para a gente – e não há vínculo maior do que esse, ou laços biológicos que superem os do amor e do destino.

Particularmente, acho que as pessoas têm muitas barreiras referentes à adoção por puro preconceito próprio, pressão ou influência da família, mas só é possível mudar esta mentalidade com exemplos reais de que tudo pode dar certo. Por isso, o meu conselho para quem está na fila é: continuem, porque quando seus filhos chegarem, vocês vão entender o porquê dessa espera. Confiem que tudo o que é nosso encontra um jeito de chegar até nós, se entreguem de coração que Deus vai levar o maior presente até vocês”.

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"É maravilhoso acompanhar a evolução delas, ver o quanto o cuidado e o amor podem transformar vidas"

Sheila Wells, professora, e Daniel John Wells, Engenheiro Elétrico, pegaram a guarda de Marina, de 11 anos, e Mariana, de 14 anos, em outubro de 2019. As meninas foram oficialmente adotadas em maio de 2020.

“Eu tenho na minha família um primo, uma tia e um avô por adoção, então isso sempre foi algo que eu cogitava – dizia que queria ter um filho biológico e um adotivo.

Quando comecei a namorar meu marido, descobri que estava com câncer no colo do útero. Na época, eu estava morando na Inglaterra e voltei para o Brasil para fazer o tratamento e ficar perto da minha família. Por causa do tratamento, soube que não poderia mais ter filhos biológicos. Foi difícil enfrentar o luto da infertilidade, mas foi necessário.

Quando meu tratamento acabou, noivamos e voltei para a Inglaterra. Entretanto, ao decidirmos pela adoção, resolvemos que iríamos morar no Brasil e adotar irmãos, mas ainda não tínhamos muita certeza sobre a faixa etária. A princípio, colocamos a idade entre 0 e 6 anos, mas acabamos mudando o perfil para uma criança de 0 a 10 anos e, se ela tivesse irmãos, até 13 anos.

Logo após a mudança para o Brasil, em 2016, entramos na fila de adoção na minha cidade natal, Pato Branco (PR), o que foi bem rápido. Fomos ao fórum, entregamos os documentos necessários, fizemos a entrevista e o curso. Em 2017, nos mudamos para Curitiba e transferimos nosso processo para lá, além de ampliarmos a faixa etária. Não tivemos dificuldades em relação à burocracia, o complicado mesmo foi a espera sem ter nenhuma previsão. Logo que entramos na fila de adoção estávamos bem ansiosos, mas com o tempo fomos desanimando.

Em 2019, já sem acreditar que a adoção iria acontecer, decidimos colocar nosso apartamento à venda e voltar para a Inglaterra. Só que, de repente, fomos surpreendidos com uma ligação da Vara de família sobre duas meninas, irmãs biológicas, que encaixavam perfeitamente com o nosso perfil. Receber a famosa ligação foi incrível e foi um susto também, porque tínhamos praticamente desistido.

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Nós tivemos que mudar nossos planos, adiar a volta para a Inglaterra, e foi um misto de sentimentos. Tivemos muito medo de não dar conta, de como seria o processo e, claro, isso gerou uma ansiedade para encontrar as meninas e saber sobre a história delas.

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(Sheila Wells/Arquivo Pessoal)

A Mariana tinha 12 anos, e a Marina 9. Elas foram para o abrigo porque a mãe biológica entrou em uma depressão profunda, e elas acabaram sendo negligenciadas. O pai biológico cometeu um crime e está preso. Na época, os vizinhos alertaram o conselho tutelar e as meninas foram para o abrigo, em seguida a mãe faleceu e a família paterna não quis ficar com elas, enquanto o materno não tinha condições.

Após a morte da mãe, as meninas foram morar com uma família acolhedora e ficaram quase dois anos com eles. Elas estavam muito apegadas, foi um processo longo de adaptação por conta da resistência da Mariana, a mais velha.

Eventualmente conseguimos nos aproximar e o período de convivência finalmente começou. É maravilhoso acompanhar a evolução delas, ver o quanto o cuidado e o amor podem transformar vidas. A Marina, por exemplo, praticamente não falava quando foi para o abrigo, melhorou um pouco quando foi morar com a família, mas mesmo assim foi colocada em uma classe especial, sem realmente ter problemas de aprendizagem. Hoje, ela estuda em uma escola Inglesa, aprendeu a língua nativa super rápido e já começou a estudar espanhol.

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Existe muito preconceito em relação à adoção, especialmente a tardia. Muitos acreditam que crianças que foram adotadas dão problema, que têm ‘sangue ruim’, como se filhos biológicos fossem verdadeiros anjos. A maioria nem sequer conheceu uma família formada pela adoção, mas ouviu falar que a tia da amiga da vizinha da avó dela adotou uma criança e não deu certo.

Acredito que para mudar essa mentalidade é necessário contar a história de famílias formadas pela adoção, e foi com esse objetivo que criamos o canal das meninas no YouTube. Todos os dias recebemos mensagens de pessoas dizendo que tinham medo de adotar crianças maiores, mas que depois de conhecerem a nossa família resolveram ampliar o perfil. Isso é muito gratificante!

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(Sheila Wells/Arquivo Pessoal)

A melhor parte de tudo é a experiência de sermos pais, depois de quase 10 anos sendo só eu e o Dan. Se a adoção é sua vontade, antes de tudo consulte seu coração e seus motivos reais para querer isso, já que adotar uma criança com a motivação errada é o segredo para o fracasso. Para os que já se encontram na fila, primeiro é preciso paciência. Mas espere vivendo, estudando e se preparando”.

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