Divórcio na pandemia: como amparar emocionalmente o filho pequeno
O isolamento social imposto pelo coronavírus intensificou a convivência e muitos casais decidiram que não querem mais continuar casados.
A pandemia causada pelo coronavírus mudou a rotina da maioria das pessoas no mundo inteiro e trouxe novos desafios e necessidade de adaptações. Quem divide a vida – a casa, os filhos, as contas – com outra pessoa, precisou muito mais do que encaixar a agenda.
O isolamento social intensificou a convivência, expôs problemas antigos e, em muitos casos, colocou os relacionamentos à prova. Tanto que 29.985 casais se separaram nos cinco primeiros meses de 2021 contra 23.621 de janeiro a maio do ano passado, segundo os dados do Colégio Notarial do Brasil.
E quando a separação envolve filhos pequenos? Apesar de o número de divórcios (o rompimento legal e definitivo) ter diminuído – em 2020 foram 511.057 novos casos de divórcio no Poder Judiciário, enquanto em 2019 foram 534.463 novos processos ajuizados, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça – a situação é ainda mais delicada.
Em um momento de sofrimento, como o do rompimento, a prioridade, tanto para o pai quanto para a mãe, deve ser proteger os filhos. A seguir, buscamos especialistas para ajudar homens e mulheres que estão passando por este desafio a conseguirem transpor o momento de maneira mais saudável e amparando seus filhos no processo.
Primeiro, uma visão geral sobre o casamento no Brasil
De acordo com o IBGE, os brasileiros estão se casando cada vez menos. Em 2019, foram registrados 1.024.676 casamentos civis, o que representa uma redução de 2,7% em relação ao ano anterior. Desse total, 9.056 ocorreram entre pessoas do mesmo sexo.
Além disso, os casamentos duram menos tempo atualmente. Ainda de acordo com o IBGE, o tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio, em 2009, era de 17,5 anos. Na década seguinte, em 2019, houve uma diminuição para 13,8 anos, ou seja, cerca de quatro anos a menos. Quase metade dos casamentos que foram desfeitos em 2019 duraram menos de 10 anos.
“A instituição casamento não está falida, muito pelo contrário. Ela vale muito. Tanto que as pessoas já não querem mais um casamento que não corresponda às expectativas”, defende Bianca Bubols, advogada especialista na resolução de questões familiares e patrimoniais.
“A pandemia trouxe uma reflexão para todo mundo: o quanto vale estar junto?”
Bianca Bubols, advogada
A pandemia agravou problemas antigos
Daniele* conta que já vinha enfrentando problemas no casamento há algum tempo, mas, com a pandemia, a situação se tornou insustentável. “Quando o meu filho completou 2 anos, em março de 2020, veio a pandemia. Meu ex-marido ficou em home office e eu nunca parei de trabalhar presencialmente. Foi quando tudo desmoronou de vez. Ele não suportava o fato de estar em casa e eu trabalhando”, conta.
O casal se divorciou em março de 2021, depois de sete anos de casados, e a guarda da criança é compartilhada. “Meu filho fica dois dias na minha casa, dois dias na casa do pai e o fim de semana comigo. Na outra semana inverte. Dois dias com o pai, dois dias comigo e o fim de semana com ele”, explica.
Bianca salienta que a pandemia forçou o convívio. “Estava tudo no automático, estava muito fácil chegar em casa à noite, mal ver o outro, no outro dia cada um ia para o seu trabalho de novo. O ano passado foi o estopim em virtude disto. A violência doméstica, inclusive, aumentou absurdamente por conta deste convívio maior, desta necessidade de isolamento social”, alerta a advogada.
A separação é inevitável. E agora?
Há um tempo era comum o casal não se separar por causa dos filhos, mas hoje, há o entendimento de que não é preciso manter um casamento que não seja feliz e proveitoso, já que isso só causaria mais danos para os integrantes da família.
Para a psicóloga Cristiane Paiva, o principal fator que precisa ser mencionado para essa mudança é o financeiro. “Antigamente as mulheres dependiam mais dos maridos. Hoje a maioria trabalha, é independente e se mantém sozinha. Em contrapartida, os homens tiveram uma grande evolução na questão emocional, entendendo que podem contribuir de forma significativa na criação dos filhos, independentemente do estado civil”.
Se o casal já conversou e está decidido a seguir caminhos diferentes, o primeiro passo é organizar como será a nova dinâmica e depois, juntos, conversar com os filhos. Paula Kioroglo, psicóloga do Hospital Sírio-Libanês, explica: “Os pais têm que comunicar à criança que não vão mais morar juntos, que isso diz respeito à relação dos dois. É importante usar as palavras ‘se separar’. As crianças compreendem quando falamos as palavras de forma correta”.
“É necessário salientar que a criança precisa ser isentada de toda e qualquer responsabilidade ou sensação de culpa que ela possa vir a ter por essa separação”
Paula Kioroglo, psicóloga do Hospital Sírio-Libanês
Para Daniele, os pais devem pensar no bem-estar dos filhos. “Eu diria para os pais que pensem se o ambiente que estão vivendo é saudável para essa criança. Se a resposta for não, divorciem-se e tratem muito o emocional dos adultos e da criança, para minimizar os traumas.”
Como conversar com as crianças sobre a separação
Depende muito da faixa etária. Usualmente, crianças menores não precisam de grandes explicações ou muitos detalhes, até porque isso pode deixá-las ainda mais confusas. Crianças maiores e adolescentes já fazem mais perguntas. Os pais precisam responder conforme as dúvidas forem surgindo.
Mais do que conversar com o pequeno sobre a separação dos pais, é importante que ele se sinta amparado emocionalmente. “A criança precisa se sentir percebida neste processo, o que não é simples, porque estamos falando de dois adultos que estão passando por um período de sofrimento, muito provavelmente é uma decisão que demanda um tempo para ser tomada”, comenta Paula.
O filho ou filha precisa sentir que a verdade está sendo dita, que ela vai continuar tendo os pais (embora não juntos), que ambos vão continuar ali presentes, preocupados e atentos a ela. Também é necessário escutar. “A criança precisa de um espaço onde ela consiga expressar o que está sentindo durante todo esse processo, desde quando falam pela primeira vez da separação até quando um dos pais acaba saindo de casa. Ela precisa estar presente e, se possível, participar um pouco das escolhas que envolvem essa mudança. Por exemplo, como vai ser o quarto dela em cada uma das casas”, sugere a psicóloga Paula.
Quanto à educação, o melhor é que a criança tenha um referencial único – ou o mais próximo disso possível. A psicóloga ensina que “o ideal é os pais se articularem em uma educação que vai ter princípios básicos, norteadores e que os dois, na medida do possível, vão seguir esses princípios. Isso traz para a criança não só referência, mas também segurança.”
De quem é a guarda das crianças?
Desde 2014, a lei coloca que a guarda seja prioritariamente compartilhada, a não ser que exista algum problema que, de fato, impeça. Esta modalidade de guarda passou de 7,5%, em 2014, para 26,8%, em 2019, segundo dados do IBGE.
De acordo com a Lei 13.058/2014, o tempo de convívio deve ser equilibrado entre pai e mãe. “Guarda é o dever de tutela, de zelo, de responder pelo menor, é o compartilhamento de obrigações e responsabilidades. Naturalmente, a guarda compartilhada é o melhor”, explica a advogada Bianca.
Para a psicóloga Cristiane Paiva, “a melhor forma para decidir a guarda de uma criança é a avaliação dentro de um contexto geral, onde deve-se levar em consideração as necessidades da criança e a disponibilidade dos pais para esta tarefa. De preferência, deve ser feito de forma consensual, avaliando o melhor para a criança e não para os pais, já que ela é o elo mais frágil dessa relação e, por isso, precisa ser protegida e ter suas necessidades atendidas”.
Independente do regime escolhido, é crucial separar a conjugalidade da parentalidade. “A maturidade emocional dos pais é fundamental. Porque, se não há esta clareza de separar o ex-marido do pai e a ex-mulher da mãe, isso vai gerar problema”, alerta Bianca. “Se essa criança não ficar em um ambiente neutro, ele pode ser vítima de alienação parental – que é quando um dos genitores desqualifica a figura do outro para o filho ou ainda cria empecilhos para a convivência com o outro genitor – e isso também pode desencadear o abandono afetivo, que é quando o genitor já não procura mais”, completa.
Birdnesting: uma nova modalidade de separação
Uma nova maneira de compartilhar a vivência do filho está fazendo sucesso, principalmente na Europa: o birdnesting, uma modalidade em que as crianças continuam morando na mesma casa e quem reveza são os pais. O nome sugestivo vem dos pássaros, que mantêm seus filhotes a salvo em um ninho e, alternadamente, entram e saem para cuidar deles.
A psicóloga Paula salienta dois pontos sobre essa novidade. “Pode ter um aspecto muito positivo. As crianças, de modo geral, precisam de rotina para se sentirem seguras, para se desenvolverem de forma segura. Ter os pais que vêm e ela permanece na casa dela, sem ter que mudar de quarto, de escola, tem um lado positivo. Porém, tem que tomar cuidado porque pode ficar para a criança uma sensação de mundo girando ao redor dela, dos pais girando ao redor dela. É como se o mundo se adaptasse às necessidades dela e ela não precisasse se adaptar às necessidades impostas pela vida”.
É preciso também deixar bem claro, que a criança é bem-vinda no novo ambiente dos pais, para que não haja a sensação de abandono ou de não fazer parte da vida dos progenitores.
Hora de procurar ajuda
A separação dos pais envolve muitas mudanças tanto para os adultos quanto para as crianças. E o impacto nos pequenos é diferente de acordo com a idade em que eles passam por isso e também é muito individual, muda de uma criança para outra.
“Quando a criança tem a sensação de uma perda muito significativa, uma resistência muito grande a essa nova constituição familiar, ela pode apresentar sintomas depressivos, que envolvem tristeza, falta de perspectivas em relação ao futuro, choros. Assim como também podem estar presentes sintomas de ansiedade. A criança vai ficar mais aflita, mais receosa, mais insegura diante de todas essas mudanças existentes. Podem ocorrer também alterações na escola: diminuição do rendimento escolar, ela pode ficar mais introspectiva, mais fechada. Isso tudo, obviamente, depende muito da idade e da forma como foi explicado para a criança todo o processo”, explica a psicóloga Paula.
Não titubeie em buscar ajuda, tanto de uma rede de apoio com familiares, amigos, quanto profissionais – ajuda psicológica para a criança e para os adultos – e conte também com a escola. É importante conversar com o quadro de professores sobre a situação que os pais estão enfrentando, para que qualquer alteração no comportamento do pequeno seja percebida o quanto antes.
E lembre-se que a sinceridade é valiosa! “Muitas vezes, para proteger a criança, os adultos resolvem não conversar, fazer as coisas às escondidas e isso só propicia maior sofrimento. A criança precisa ter muito claro o que está acontecendo para ela mesma ir encontrando um sentido e um significado nessa vivência de separação dos pais e, consequentemente, de perda da vida como era até então, para se abrir para este novo mundo que se estabelece diante da separação”, pondera a psicóloga.
Por mais doloroso que seja passar por uma separação, tenha em mente que vai passar e a vida vai continuar. Procure conversar com o ex-marido ou ex-mulher para que a nova dinâmica seja confortável para todos. Entenda que rotina não precisa ser rígida, mas facilita bastante criar um dia a dia que traga amparo, segurança e continência. Busque ajuda, converse, se cuide. Lembre-se que a criança precisa de pais saudáveis e de um ambiente tranquilo para crescer. E, por mais que o casamento tenha chegado ao fim, vocês serão pais para sempre.
* o nome foi trocado para proteger a identidade da entrevistada