Já nos primeiros meses de vida de uma criança é possível observar habilidades essenciais para o desenvolvimento da fala infantil. Isso porque, conforme explica Camilla Guarnieri, mestre e doutora em fonoaudiologia e fonoaudióloga da Care Materno Infantil, desde cedo conseguimos notar o balbucio das crianças, ou seja, barulhos que elas emitem repetidamente, bem como a atenção que bebês dedicam a diferentes sons, principalmente àqueles ligados ao falar.
Camilla destaca que é por volta dos 12 meses que a criança costuma, de fato, falar as primeiras palavras, ainda de maneira muito simples e sistemática (‘mama’, ‘papa’ e suas variações são as mais comuns). Mesmo assim, o desenvolvimento do vocabulário infantil, que expande rapidamente, vai depender muito das oportunidades de estímulos que essa criança recebe: por volta dos 18 meses, geralmente ela já fala de 10 a 50 palavras.
Seguindo esse raciocínio, entre os 2 e 3 anos de idade, diz a fonoaudióloga, o pequeno começa a narrar fatos de forma primitiva, sendo necessária a ajuda de um agente externo que conduza essa narrativa, por meio de perguntas. Ao longo do tempo a habilidade de contar histórias é aprimorada, e aos 6 anos de idade a criança já é capaz tanto de narrar fatos complexos quanto de emitir, sem maiores dificuldades, os diferentes sons possíveis dentro da fala humana.
Tudo isso é um processo, que em partes é também responsabilidade de quem educa a criança. Portanto, é recomendado que pais e responsáveis estejam sempre atentos a cada uma dessas fases e recorram tanto a atividades lúdicas quanto a recursos implementados no dia a dia, capazes de melhorar e desenvolver a fala dos pequenos. Lembrando que, estes marcos temporais são apenas para balizar o desenvolvimento – e permitir que os pais fiquem atentos se é hora de procurar um profissional – , porém cada criança tem seu processo.
“A criança desenvolve a fala e a linguagem observando bons modelos e treinando essas habilidades. Por isso, desde cedo é importante que a família tenha bons momentos de interação, onde a criança tenha a oportunidade de treinar a comunicação”, reforça a profissional. Com o auxílio de Camilla, compilamos dicas práticas e brincadeiras que podem ser inseridas na rotina com a intenção de desenvolver a fala das crianças em casa.
1. Recorra a músicas, narração de histórias e faz de conta
Músicas infantis com a presença de rimas, facilmente absorvidas por crianças a partir dos 2 anos, bem como livros interativos permitem que os pequenos tenham uma enorme variedade de oportunidade para aprender novas palavras, combiná-las em frases e organizar ideias e fatos, o que é ótimo para estimular a linguagem como um todo.
Na hora de escolher os livros do pequeno, atente-se à classificação indicativa e considere assuntos de interesse da criança, para atrair sua atenção. Opte por obras com efeito pop-up, por aqueles que vêm com adesivos para que ela complete a história, os que possuem jogos e atividades como quebra-cabeça em seu interior e os que contam com efeitos sonoros e botões. Já se você é do tipo que gosta de inventar as próprias histórias, use a imaginação e alguns fantoches para fazer com que a criança interaja e aprenda a questionar.
2. Use a hora das refeições a seu favor
A hora do papá pode ser um ótimo momento para explorar as habilidades de fala da criança, ainda mais quando ela já passa identificar objetos e cores.
“É muito importante que a família esteja sempre se comunicando com o bebê, não apenas nomeando itens ou pedindo para que ele os nomeie, mas explorando as coisas simples do dia a dia”, diz Camilla, ao pontuar que, ao trazermos essa comunicação para os momentos de alimentação, além de identificar os alimentos, características como tons, texturas, temperaturas e sabores podem ser igualmente exploradas.
3. Invista em jogos e brincadeiras específicos
Crianças de 3 a 5 anos estão prontas para o desenvolvimento da chamada consciência fonológica, ou seja, habilidade que abrange a capacidade de manipulação dos sons da fala. Para isso, recorra a atividades orais que contenham aliterações (repetição de sílabas ou consoantes no começo ou meio das palavras, separação e identificação de sílabas, fonemas e rimas). Jogos de encaixe, que mesclam figuras e objetos, de blocos com diferentes cores, de dados e trilhas que levam a uma história funcionam igualmente bem.
Já crianças maiores permitem que, para estimular a fala, sejam usados jogos e brincadeiras focados na comunicação, como os de cartas e de tabuleiro. Além disso, são bem-vindas brincadeiras com regras, que contribuem para o entendimento cognitivo e fazem com que elas compreendam a ordem dos fatos. Todas essas atividades abrem novamente para a criação de histórias, e servem de estímulo para que a criança saiba descrever e nomear características.
4. Conte com a tecnologia – e com materiais básicos – quando faltar criatividade
Caso o orçamento não permita, saiba que você não precisa investir em novos jogos específicos para o estímulo da fala infantil. Muitas atividades focadas em linguagem podem ser feitas com materiais que temos em casa, como sucata, papel e caneta, ou então encontradas online, em aplicativos, canais do YouTube, serviços de streaming e redes sociais.
“Hoje, se pesquisarmos na internet, encontramos diversas brincadeiras e jogos de baixo custo, que proporcionam ótimos momentos de estímulo e diversão. Esses recursos podem e devem ser utilizados, mas não substituem a interação real que existe nestes momentos lúdicos: a melhor forma de estimular a linguagem é utilizá-la de forma genuína”, aponta Camilla.
5. Transforme a rotina em oportunidade de aprendizado
Como falamos anteriormente, todo e qualquer momento que envolve a comunicação infantil pode ser usado como forma de estimular a linguagem e, fala Camilla, é por isso que conversar regularmente com a criança, durante a rotina e antes mesmo de ela começar a falar, é tão importante. Além da hora das refeições, momentos como a hora do banho, de guardar os brinquedos e de se arrumar para a escola podem render boas (tentativas de) conversas.
“Uma boa comunicação, que serve de modelo às crianças, pode ajudar bastante nesses momentos. O adulto pode caprichar na articulação e entonação de palavras, além de sempre que possível parafraseá-las, explorar o significado delas e construir frases com estruturas diferentes”, sugere a expert.
Na hora que a criança for trocar de roupa, por exemplo, os responsáveis podem estimulá-la a falar por meio de frases como “Vamos vestir a blusa?”, e expandir o assunto, ao dizer algo do tipo “Isso, vamos colocar a blusa porque está frio”. Por mais que pareçam simples, essas interações são válidas todos os dias, e de fato contribuem para que os pequenos se comuniquem mais e mais. Ao fazerem isso, pais devem dedicar atenção plena àquela situação, mantendo contato visual, presença física e mental.
6. Tenha em mente que essas atividades precisam ser prazerosas (para crianças e adultos)
De nada adianta, entretanto, recorrer a atividades que a criança não gosta ou não se identifica tanto assim, apenas na intenção de estimular a fala infantil. É importante lembrar-se de que, tanto os momentos da rotina quanto as brincadeiras precisam ser lúdicos e prazerosos, para os pequenos e para os adultos. É isso que vai tornar a aprendizagem mais significativa, possibilitar que ela vire hábito e transformar os momentos com a criança em tempo de qualidade.
Sempre considere, então, a idade e os interesses da criança, para levar a ela propostas que façam sentido – nesta fase de desenvolvimento, exemplifica Camilla, elas tendem a gostar muito de novidades. Ou seja, permita que seu pequeno(a) explore novas histórias, regras, texturas e sentidos: o importante, no fim das contas, é a interação social que acontece durante as conversas, perguntas e explicações, e ajuda a criança a construir sua própria linguagem.
“Eu observo alguns pais formalizarem muito certas interações, tentando apenas ensinar e pedindo só a nomeação das palavras na ansiedade de ver o desenvolvimento do filho. Na verdade, a linguagem e a fala vão além dessas situações mais formais, e o brincar, o interagir com qualidade e naturalidade é que fazem a diferença. Mais do que nunca esses pequenos momentos são importantes, principalmente no cenário em que estamos agora, no qual essa interação social infantil e convivência com os colegas ficaram mais restritos”, diz ela.
7. Saiba o momento certo de procurar um especialista
A idade da criança, conforme já explicado por Camilla, costuma servir como marco de desenvolvimento da fala infantil, de modo que em determinadas fases é esperado que ela nomeie itens, combine palavras, forme frases e por aí vai. Mas algumas crianças possuem mais dificuldades de aprendizagem do que outras, e de vez em quando os estímulos feitos em casa não são capazes de supri-las. Por isso, é importante que pais, seja qual for a idade, estejam em contato com o profissional responsável por acompanhar o desenvolvimento geral da criança (esse posto é habitualmente ocupado pelo pediatra), que vai indicar um especialista caso surjam dúvidas ou algo não ocorra como esperado.
De qualquer modo, existem alguns comportamentos relacionados à fala da criança que podem servir como alerta e indicativo de que é chegada a hora de procurar por um fonoaudiólogo qualificado: é ele o profissional habilitado a avaliar, intervir a tempo e orientar sobre o processo de desenvolvimento da fala e da linguagem.
“De uma forma geral devemos estar atentos a bebês muito quietos, que não se atentam às falas dos adultos, crianças até os 18 meses que ainda não falam palavras, mesmo que simples, e crianças de 3 anos que possuem muitas trocas na fala e não são entendidas por pessoas de fora do seu círculo familiar”, finaliza a profissional.