Com o avanço da imunização contra Covid-19 no país, os governos estaduais e municipais começaram a repensar o uso obrigatório de máscara, como já acontece na cidade do Rio de Janeiro e passará a vigorar em São Paulo. O governador João Dória anunciou que a partir do dia 11 de dezembro, o dispositivo facial deixa de ser obrigatório em lugares abertos, mas continua sendo necessário em ambientes fechados e transportes públicos. A notícia poderia soar positiva, como se estivéssemos experimentando a vida antes da pandemia, mas é preciso estar atento a como a decisão atingirá quem ainda não está imunizado, ou seja, o público infantil.
Sem a barreira de proteção criada pela máscara e a ausência de vacinação para a comunidade pediátrica, o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira, gerente médico do Hospital Infantil Sabará, explica que os pequenos podem vir a se tornar vítimas mais significativas da doença pandêmica.
“Apesar da criança ter menos risco de desenvolver uma forma grave da Covid-19, a população abaixo de 12 anos não está vacinada no Brasil e a acima dela ainda é um grupo pequeno imunizado, com apenas uma dose e taxas variáveis de um estado para o outro. Logo, quando há uma população de suscetíveis, isto é, não vacinada e sem ter tido infecção prévia, e o vírus está circulando, ela se torna a parcela em que há maior risco do aparecimento da doença e de formas graves”, pontua o médico.
Pela variação das taxas de imunização de um estado para o outro, Francisco defende que é incoerente pensarmos em uma única diretriz vigente em todo o país a respeito da utilização do dispositivo de proteção. Inclusive, segundo o infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da SPSP, os indícios são de que o cenário ainda não é adequado para a suspensão completa das máscaras.
“O Brasil é um dos países com maior taxa de mortalidade infantil em relação ao Covid-19. Isso significa que é uma preocupação que a vacinação caminhe para a população pediátrica, e enquanto isso não acontece, é fundamental que utilizemos máscaras, façamos distanciamento e tenhamos higiene adequada. Para que, gradativamente, possamos começar a pensar a respeito. Mas neste momento, ainda não é o adequado”, enfatiza o especialista.
Além da Covid-19…
Engana-se quem pensa que os protocolos de higiene estabelecidos durante a pandemia tiveram influencia somente na proteção contra o coronavírus. Francisco pontua que o fechamento das escolas, por exemplo, foi um dos grandes fatores para que houvesse a diminuição do contágio do público infantil por outras doenças respiratórias comuns às crianças pequenas.
“Para casos como do Vírus Sincicial Respiratório (VSR) e da Influenza, a paralisação das escolas teve um impacto muito grande na transmissão porque normalmente ela se dá de uma criança para outra”, completa o especialista. A redução de encontros em eventos sociais, como festinhas de aniversário, casamentos e batizados, também se mostrou um fator positivo para menores taxas de infecções respiratórias.
Só que esta realidade tem dois lados. Exatamente por crianças não terem tido contato com tais agentes infecciosos em 2020 e durante este ano, elas não conseguiram criar uma imunidade direta contra as doenças. Logo, com o retorno das atividades escolares presenciais e os passeios, o resultado tem sido um aumento significativo de idas aos hospitais pediátricos.
“Temos visto prontos-socorros infantis lotados, principalmente por VSR, adenovírus, influenza e pneumonias, inclusive porque tivemos uma redução da vacinação pneumocócica e outras que, com certeza, poderão trazer um prejuízo enorme para os nossos pacientes pediátricos e adultos”. Sem a imunização correta contra doenças evitáveis, começamos a pensar em uma realidade preocupante em que há a reincidência de enfermidades até mesmo erradicadas.
No Boletim InfoGripe do Instituto Oswaldo Cruz, divulgado no dia 14 de outubro, houve o alerta da alta incidência da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) entre crianças de zero a nove anos. De acordo com o documento, ocorre entre 1000 e 1200 registros semanais de casos da doença, o mesmo valor observado em julho de 2020. O quadro pode estar associado ao coronavírus, mas também à Influenza e ao VSR.
Então, quando poderemos parar de usar máscara?
Desde o início da pandemia, esta é a pergunta que mais nos fazemos e ainda não há uma resposta simples para ela. Como lembra o infectologista pediátrico Márcio Caldeira, do Hospital Israelita Albert Einstein, suspender ou não a recomendação do uso de máscara depende de uma série de fatores.
“Precisamos estar em um cenário de altíssima cobertura vacinal, isto é, diminuir a circulação do agente. Além disso, é preciso ter uma incidência baixa de casos graves e hospitalizações. E, por último, o sistema de saúde tanto público quanto privado precisa ser capaz de absorver um escape”, enumera o especialista.
Francisco e Marcelo também explicam que a flexibilização das medidas de segurança, como a suspensão do dispositivo facial, depende do monitoramento de casos e não apenas dos números de internações ou óbitos, como tem sido feito.
“Se é preciso esperar ter um aumento realmente preocupante na taxa de mortes, você perde o tempo de três, quatro semanas, às vezes até um mês, antes de tomar algum tipo de medida em relação a pandemia”, pontua o gerente médico do Sabará. Isso porque as vítimas da doença não tendem a falecer logo nos primeiros dias, mas a partir do 14º, período em que já pode ter ocorrido a transmissão do vírus para outras pessoas.
Para os casos serem acompanhados em tempo real, a testagem mostra-se fundamental assim como o rastreio, isto é, a partir do diagnóstico de uma pessoa, acompanha-se quem teve contato com ela para saber se eles desenvolveram a infecção mesmo que assintomático. “Só que este tipo de segmento ainda é muito falho no Brasil, no entanto, seria o melhor método para o acompanhamento e não quando já temos pacientes em UTI e morrendo”, defende Marcelo.
Assim, o infectologista pediátrico pontua que, mesmo a máscara não sendo o item mais confortável de usar e estarmos cansados do contexto pandêmico, o foco não deveria ser suspender a sua utilização.
“Deixar o dispositivo de proteção de lado não é uma prioridade, afinal, ele não é o problema, mas sim a doença. Inclusive, a máscara não traz prejuízo a ninguém, então, não vejo nenhuma pressa em parar de usá-la”, completa o vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da SPSP.