Perder um bebê já acarreta tristeza e preocupação o bastante. Nenhuma mãe ou pai que passa pela dolorosa experiência do luto perinatal deveria ter de lidar com questões de trabalho ou até com o medo de perder o emprego em um momento tão delicado. Porém, na prática, não é o que acontece, já que nem todo mundo conhece seus direitos.
De acordo com um levantamento da consultoria Filhos no Currículo, feito em 2023, em parceria com a Infojobs, 68% dos pais revelam que a empresa em que trabalham não oferece informações e experiências voltadas para questões de parentalidade, sendo que 85% deles já viveram situações desafiadoras nessa área da vida, como o luto gestacional.
Afastamento com garantia de privacidade
“Por lei, quando a mulher sofre um aborto, ela pode pedir um afastamento por 15 dias”, explica a advogada Bianca Bomfim Carelli, especialista em direito materno e parental e autora da página Maternizando o Direito (@maternizandoodireito), no Instagram. Para isso, é necessário apresentar um atestado simples, em que o médico coloca o CID (o código que indica o motivo).
Um ponto importante e que também integra o direito da mãe: embora esse código seja necessário no documento, ela não é obrigada a compartilhar a razão com a liderança ou com os colegas. Quando o departamento de Recursos Humanos (RH) recebe esse atestado, é preciso garantir à funcionária a sua privacidade em relação ao assunto, se essa for a vontade dela.
“Muitas vezes, a perda acontece no início e a mulher ainda nem tinha contado no trabalho que estava gestante, então, ela tem o direito de pedir que essa informação seja mantida em sigilo”, informa a especialista.
Aborto com a gravidez avançada dá direito à licença-maternidade
Quando a perda gestacional ocorre em uma fase mais avançada da gravidez, a mulher pode ter direito à licença-maternidade integral, que é de 120 dias. “Isso acontece quando o evento pelo qual a mãe expele o feto é classificado como um parto pelos médicos”, diz Bianca.
Ela explica que o principal critério é mesmo a idade gestacional. “Quando a mãe passa de 24 semanas, a equipe já costuma identificar como parto“, afirma. Porém, ela lembra que há outros parâmetros que podem ser considerados, como o peso do bebê e o diâmetro céfalo-caudal, ou seja, seu comprimento. “Mas há equipes médicas que não conhecem essas possibilidades”, destaca.
Bianca reforça que, se no relatório médico, o evento estiver descrito como parto, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) reconhece o direito da mãe à licença-maternidade integral. “Nesse caso, a mãe vai se afastar por esse período e receber o auxílio-maternidade”, aponta.
Para o pai, a licença é apenas em caso de natimorto
Perder um filho, seja em qual fase for da gestação, também é duro para o pai. Difícil ter cabeça ou condições de desempenhar um bom trabalho enquanto se vive um dos piores lutos possíveis. Ainda assim, a legislação trabalhista brasileira não prevê direito de afastamento para o homem, em caso de aborto da parceira.
Eles têm o direito da licença-paternidade, que pode ser de 5 ou 20 dias, dependendo da empresa, somente no caso de ter um bebê natimorto, ou seja, quando o evento é considerado parto.
Para Michelle Levy, CEO da Filhos no Currículo, é fundamental que as companhias pensem em criar e adotar uma política de licença parental que preveja direitos em situações, por exemplo, de perda gestacional ou de famílias cujos bebês nascem e precisam ir para a UTI. “As empresas têm a oportunidade de cuidar do tema, ainda que não haja legislação. Elas podem inovar, estar à frente no cuidado da saúde dos seus colaboradores”, sugere. “Isso envolve, além da implementação das políticas, um treinamento para as lideranças e para as próprias equipes saberem lidar com esse assunto”, finaliza.