Em agosto de 2020, uma pesquisa encomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) revelou que cerca de 90% das crianças apresentaram alterações comportamentais desde o início da pandemia de covid-19. Entre essas mudanças, destacam-se oscilações de humor, episódios de agressividade, medo e transtornos psicológicos e psiquiátricos como depressão e ansiedade.
Isso tudo está também relacionado à falta de socialização das crianças pequenas, antes tão acostumadas com as interações no ambiente escolar. Com a volta às aulas presenciais em vista na maioria dos estados brasileiros, porém, pais e mães enfrentam um novo momento de preocupação com os filhos, que podem apresentar dificuldades de adaptação ao terem de ir para a escola após um ano inteiro de convivência intensa apenas com os moradores da casa.
Para que pais, mães e filhos enfrentem o momento de ressocialização na volta à escola sem grandes problemas, reunimos dicas das especialistas Evelise Portilho, pós-doutora em Educação, professora do curso de Pedagogia e coordenadora do curso de Psicopedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e Etelvina Daysire Rosa, psicóloga clínica com abordagem cognitiva comportamental.
Entenda se o medo da volta às aulas é seu ou da criança
De início, um estranhamento na volta às aulas é natural, já que a criança se acostumou com o ambiente de casa, mas é papel dos pais e da instituição a apresentação (ou reapresentação) do espaço da escola para que os filhos estejam preparados para lidar com essa pseudo-separação.
Mas Evelise explica que, muitas vezes, o medo apresentado por algumas crianças é reflexo de uma insegurança dos pais, ainda mais após praticamente um ano convivendo com a pandemia. É por isso que pais e mães devem tentar reconhecer essas questões internas, e não as transmitir diretamente para o pequeno.
“A criança sente. Como para ela é tudo novo, é importante que o adulto a ajude a trabalhar com essas novas questões. Se ela encontra, de forma geral, um ambiente inseguro, ela repete esse modelo – a imitação também é uma forma que a criança usa para aprender”, diz ela.
É importante reforçar que a conquista dessa nova “liberdade” pela criança deve ser trabalhada, principalmente, pelos adultos, pois a partir do momento em que ela encontra essa firmeza no dia a dia, a tendência é de naturalmente tranquilizar os ânimos.
Mesmo com a volta ao ambiente escolar, fala Etelvina, a pandemia ainda não chegou ao fim, e é necessário que os responsáveis saibam também reforçar isso para os pequenos. “É necessário usar de calma e paciência para que os pais possam controlar o próprio comportamento, e conversar em uma linguagem em que a criança poderá entender, de acordo com a faixa etária, que pandemia, isolamento e distanciamento vão passar em breve”, exemplifica.
Informe-se sobre as medidas tomadas pela escola
Governos e secretarias de educação criaram uma série de regras e recomendações para que o retorno presencial das crianças à escola fosse realizado de maneira segura, respeitando todos os protocolos de higiene e distanciamento social e, ainda, garantindo suporte emocional para os pequenos.
Não deixe, portanto, de se informar diretamente com a escola sobre todas essas medidas, inclusive em relação à socialização da criança, seja em um ambiente já conhecido ou em um completamente novo. Saber lidar com esse novo momento, de novas práticas, brincadeiras e de separação dos pais, deve ser um dos muitos compromissos da escola.
Praticando o desapego
Evelise destaca que, além das questões já citadas, é bem comum que os próprios pais, acostumados com o convívio intenso, sintam-se apegados demais e despreparados para lidar com a separação da criança. Mais uma vez, sugere a especialista, é importante que a escola se posicione na intenção de orientar as famílias: com ou sem pandemia, a dificuldade da separação sempre existiu no momento em que a criança dá início à vida escolar.
Estabelecer uma nova rotina, com alimentação regrada e horários para todas as atividades realizadas ao longo do dia, é um mecanismo que pode ser usado para que pais também saibam quebrar a ideia do apego excessivo, e filhos possam trabalhar a confusão emocional causada pela nova fase, explica Etelvina.
Comunicar os pequenos sobre as diferenças de tratamento que vão existir em casa e na escola, principalmente no que diz respeito à atenção que será dividida entre os coleguinhas e outras mudanças na convivência, como compartilhar brinquedos e objetos, é igualmente necessário.
Com muitas escolas assumindo um esquema híbrido de ensino, com metade das aulas presenciais e metade remota, a organização da casa também tende a mudar.
“É importante os pais colocarem limites de acordo com a faixa etária. Muitas crianças podem ter confundido a convivência diária (home office e aulas online) com períodos de férias, por estarem 24 horas com os pais. Para manter o equilíbrio é importante estabelecer regras”, completa.
Mudança de escola
Devido à pandemia e, como consequência, por motivos financeiros, muitos pais e mães optaram por mudar as crianças de escola neste ano e reduzir atividades extracurriculares, o que também pode despertar um sentimento de frustração nos pequenos. Para que isso não se torne um problema, Evelise sugere que a criança não seja apenas “deixada” na nova escola. Ou seja, cabe à família explicar a mudança, munida de confiança e firmeza, e prepará-la para isso.
A pedagoga recomenda que os pais levem a criança para conhecer o novo ambiente antes mesmo de começarem as aulas, se possível. “Precisa ser explicado para ela que a nova escola é onde ela vai passar parte do dia, o que será feito lá, com quem ela vai conviver. Tenho visto muitas escolas mudando a recepção, mandando vídeos para a família e para que a criança saiba quem é a nova professora, conheça o novo ambiente. Os dois lados precisam estar preparados”, acrescenta.
Se a criança reclamar que sente falta dos amiguinhos da escola antiga, Etelvina recomenda que os pais, além de usarem de muita conversa, promovam encontros virtuais com os amiguinhos, permitindo que elas brinquem e se comuniquem, por enquanto, de forma online. Assim que as coisas normalizarem, é importante ainda que elas se encontrem pessoalmente e matem as saudades.
A criança fez birra. E agora?
Neste momento de novas interações, seja com os colegas de classe ou com novos professores e cuidadores, é normal que algumas crianças apresentem um comportamento mais reativo, inclusive fazendo birra. As especialistas ressaltam que a birra, nesse caso, tem tudo a ver com o período de adaptação e convivência: funciona como forma de expressão e é uma tentativa que o pequeno encontra para tentar burlar regras e lidar com os limites impostos pela escola.
Novamente, cabe aos pais identificar as causas desse comportamento e conversar com a criança, oferecendo suporte e, ao mesmo tempo, sendo firmes para que a birra não se torne parte da rotina.
“Explique o porquê de ela poder ou não fazer determinada coisa, mas com firmeza. De preferência, fale com a criança olhando diretamente nos olhos e transmitindo confiança, para que ela possa entender e sentir o que está sendo dito”, finaliza Evelise.