Cobertura vacinal em crianças registra menores índices da história do país

As principais doses para bebês não atingiram a meta em 2019, e situação pode se agravar ainda mais por conta da pandemia.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 11 set 2020, 16h22 - Publicado em 11 set 2020, 16h12
 (Elena Sharipova/Getty Images)
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O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, outrora referência mundial em vacinação infantil, enfrenta uma crise sem precedentes. Em 2019, nenhuma das principais vacinas para crianças atingiu a cobertura ideal, que varia entre 90 e 95%, de acordo com a doença. 

No caso da tríplice viral, que protege inclusive contra o sarampo, a taxa de cobertura no ano passado foi de 57% na primeira dose e 48% na segunda, segundo o DataSUS. É o menor índice desde 2003, quando a vacina passou a integrar o PNI. A vacina BCG, da tuberculose, caiu de 106% de cobertura em 2010 para 52% em 2019. 

Já o imunizante contra a hepatite B foi de 96% em 2010 para 55% em 2019. A situação, preocupante, não é exatamente uma novidade. A queda se acentou a partir de 2015, e em 2017, o Brasil atingiu a menor taxa de cobertura vacinal entre bebês desde 2002.

Diversos fatores justificam esse cenário. Um deles, que pode influenciar na veracidade dos números, é a mudança do registro feito pelo Ministério da Saúde. Antes, a contagem era feita por doses distribuídas aos estados e municípios. 

Agora, é preciso anotar num sistema digital cada aplicação feita no postinho ou em outro lugar – processo ideal, mas que enfrenta desafios burocráticos, falta de infraestrutura e até mesmo de funcionários para fazer as atualizações online.

“Há um subregistro, então não conhecemos a real magnitude da cobertura, mas é fato que ela não está adequada, e a volta do sarampo é um resultado direto disso”, explica Renato Kfouri, pediatra e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). 

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Em 2019, o país perdeu o certificado de erradicação do sarampo, e registrou mais de 13 mil casos da doença, com 15 mortes. Quando o vírus retornou ao país, em 2017, a cobertura vacinal era de 84%. 

Perda de importância e desabastecimento 

De certa maneira, as vacinas são vítimas do seu próprio sucesso. “O fato de termos controlado ou eliminado a maioria dessas doenças faz com que os mais jovens, que não viram amigos morrendo, filhos internados ou com sequelas, não coloquem a vacinação como prioridade”, comenta Marco Aurélio Sáfadi, pediatra e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo. 

Essa perda de importância não atinge só os pais. “Até os pediatras mais novos acabam recomendando a imunização com menos veemência por conta disso”, pontua a infectologista Camila Almeida, do Hospital e Maternidade Santa Joana. 

Mesmo quando a família preza pela vacinação, não é tão simples cumprir o calendário do PNI. São dezenas de doses, com intervalos curtos, especialmente no primeiro ano de vida, aplicadas geralmente nos postos de saúde, que funcionam em horário comercial, dificultando o acesso de quem trabalha.

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“Além disso, estamos enfrentando com frequência o desabastecimento. O mundo consome mais e não tem reposição para todas, então pequenos problemas na cadeia, como um lote defeituoso, já afetam a distribuição”, aponta Kfouri. Doses da BCG, pentavalente e outras andaram em falta nos últimos anos. 

O movimento antivacina é mais discreto no Brasil, mas preocupa. “Apesar de não haver um movimento tão estruturado, as fake news que circulam criam cenários mentirosos sobre eventuais efeitos negativos que assustam a população”, destaca Safádi. 

As consequências da queda 

O raciocínio é bem simples: quanto menos vacinados, mais chances de doenças já esquecidas voltarem. “Estamos falando de uma série de males preveníveis que podem se espalhar rapidamente, como a rubéola, coqueluche, paralisia infantil, além de diarreias, pneumonias e meningites”, elenca Kfouri. 

Ao atingir altos níveis de imunizados, se protege ainda quem não pode mesmo ser vacinado, como portadores de doenças autoimunes, crianças com câncer e outros. Se muita gente abrir mão delas, estamos criando um terreno fértil para o retorno de épocas com alta mortalidade infantil. 

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Isso vale mesmo para doenças já praticamente erradicadas do planeta, como a poliomielite. “Exceto a varíola, elas continuam ocorrendo, mesmo que em poucos lugares. No caso da pólio, chegam voos dos dois países (Paquistão e Afeganistão) onde ela ocorre todos os dias no Brasil, e basta um infectado em uma população de várias crianças suscetíveis para que ela se espalhe novamente”, alerta Kfouri.

Vacinas são seguras sim!

Em tempo de explosão de fake news e de estudos para a vacina da Covid-19 sendo acompanhados de perto, é bom reforçar que as vacinas são seguras, gratuitas, e uma das maiores conquistas da história da humanidade. Junto com a água tratada e o saneamento básico, elas são as principais responsáveis por nossa expectativa de vida ter saltado tanto. 

O Brasil é referência no assunto. “Distribuímos 300 milhões de doses ano e não vemos efeitos colaterais importantes”, destaca Camila. Para se ter ideia, a chance de acontecer algum efeito colateral importante com quem toma a vacina da pólio é uma em cinco milhões. Mas 40% das crianças que não estão protegidas, se contraírem o vírus, terão lesões severas com sequelas e até risco de morte. 

Pandemia pode piorar a situação 

Vale dizer que os dados que discutimos aqui são de 2019. É certo que a pandemia piorará ainda mais a situação, como alertou o Ministério da Saúde. “As pessoas deixam de vacinar os filhos por entenderem que isso pode esperar, não é urgente, mas é um pensamento equivocado”, alerta Kfouri. 

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Há a preocupação de, passada a pandemia, termos uma explosão de doenças, incluindo as completamente evitáveis com uma injeção ou uma gotinha na boca. “São doenças, aliás, muito mais graves para os bebês do que a própria Covid-19”, diz Safádi. 

Quem acabou atrasando as doses pelo medo de contrair o novo coronavírus pode aproveitar a próxima campanha de multivacinação para atualizar a carteirinha. Organizada pelo Ministério da Saúde, ela acontece de 05 a 30 de outubro, e 17 é o dia D, quando mais locais estão disponíveis. Veja como manter a vacinação das crianças em dia mesmo no meio da pandemia. 

 

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