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Como é estar grávida em tempos de coronavírus

Sem chá de bebê, com poucas certezas e muitas preocupações: três mulheres contam como está sendo a gravidez no meio da pandemia.

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h52 - Publicado em 9 abr 2020, 12h19

“Só espero que passe logo e a vida volte ao normal”. Esta frase se repetiu como um mantra durante as entrevistas para esta matéria. Se gestar já é um verbo recheado de expectativas e incertezas, quem dirá numa situação de pandemia mundial. O coronavírus, que parecia estar tão distante, chegou mudando a realidade e adicionando mais preocupações – que já não eram poucas!- à rotina de quem espera um bebê.

Verdade seja dita, mudou para todo mundo, não só para quem está grávida. Lidar com o desconhecido agora é parte da rotina. Mas imagina ter que conceber todas estas novidades impostas pelo Covid-19 estando no meio de uma gestação, onde a preocupação é dupla, já que se trata da saúde da mãe e do bebê?

Se antes era normal para a grávida trabalhar de transporte público, praticar exercício físico num parque ou mesmo fazer supermercado, por exemplo, agora estas atividades banais estão proibidas ou muito dificultadas. Até mesmo os exames de rotina da gravidez, altamente necessários, requerem mais cuidados.

Como sou dentista, minha vida mudou drasticamente. Primeiro parei de trabalhar, pois é uma profissão muito vulnerável ao coronavírus. Então fico aqui o dia inteiro, faço todo o serviço da casa e só saio pra ir ao médico e fazer exames, já que estou na reta final (35 semanas de gestação) e a frequência destas visitas médicas aumentaram”, conta Mariana Colucci, de 33 anos, moradora de Osasco, na Grande São Paulo. 

Estudos recentes mostram que não há medidas preventivas diferentes para quem está grávida. Os cuidados continuam sendo os mesmos indicadas para todos. “As gestantes não tem um fator predisponente maior que outras pessoas, ao contrário do que a gente esperava, já que existe uma imunidade menor neste período”, explica a Dra. Ana Carolina Lúcio Pereira, ginecologista e membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). 

Ainda assim, gestar durante uma pandemia é uma situação complicada. Casos de óbito entre grávidas e recém-nascidos já aconteceram. O Ministério da Saúde incluiu, no dia 9 de abril, as gestantes entre os grupo de risco da Covid-19.

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Os exames devem ser mantidos, viu, mamãe?

Sim, dá medo de sair de casa, sabemos, e o indicado para todos continua sendo o distanciamento social ao máximo para ajudar a reduzir a curva de contágio. Mas com uma ressalva: grávidas devem continuar indo aos exames de rotina, seja ela atendida no sistema público de saúde ou nos consultórios particulares.

“O pré-natal é considerado um momento de acompanhamento essencial e que não deve ser parado por conta da quarentena. O que ela precisa fazer é tomar cuidado para não ficar aguardando muito tempo em ambientes lotados, tentar manter uma distância de um metro entre as pessoas e marcar com antecedência seus exames. Vale lembrar de avisar ao laboratório que você é gestante, para que eles programem as condições sanitárias necessárias do local”, indica a ginecologista. 

É o cenário que a gestante Mariana tem encontrado. “Antes desta crise, a clínica era bem cheia, com salas de espera lotadas e atrasos nas consultas. Hoje, eles têm o cuidado de agendar exames com um espaço maior para evitar aglomeração na sala de espera. Minha médica também higieniza cadeiras, mesa e maca de atendimento a cada paciente, além de utilizar máscara e luvas como já era de costume”, conta ela.

E não, nestes momentos, o atendimento remoto está fora de cogitação. “O teleatendimento serve mais pra mostrar exames, tirar uma dúvida, mas quando se trata do exame de pré-natal, o ideal é que a paciente seja examinada. É necessário medir e apalpar a barriga, a pressão, ver o peso, escutar o coraçãozinho do bebê… O Ministério da Saúde entende que a gestante continua precisando deste acompanhamento de perto, de uma forma habitual, mesmo num momento como esse”, completa Dra. Ana Carolina. 

“Costumo ir ao posto e estão atendendo normalmente, apenas um pouco mais rápido para não acumular muita gente na fila. Fiz meus exames do segundo semestre tudo certinho e agendado”, contou Samanta Ribeiro do Nascimento, de 24 anos, grávida de seis meses e moradora do Jabaquara. Foi a mesma realidade que Natacha Alli, de 36 anos, grávida de seis meses, encontrou em seu posto de atendimento do SUS. “O que me aconselharam é continuar igual. Por mais que seja um local de risco, não posso parar nada”, diz. 

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A única ressalva neste momento é que, apesar de garantido por lei, a presença do acompanhante nos exames pode ser revista pela paciente e sua família. A ideia é que haja menos circulação de pessoas pelas clínicas, laboratórios e postos.

Emergências continuam sendo emergências

Outro ponto importante a ser levado em consideração são as imprevisibilidades que podem surgir durante a gestação. Os médicos entendem que a paciente pode até estar com receio de procurar um hospital por ser foco de contágio do novo coronavírus. Mas são categóricos: se houver sangramento, perda de líquido, desconforto pélvico, dores que não passam com hidratação e repouso ou quando a paciente nota que o bebê não se mexe na barriga, o ideal ainda é recorrer ao pronto atendimento.

“Aí não tem jeito: é preciso procurar ajuda médica, de preferência, um posto ou hospital que tenha atendimento para ginecologia obstetrícia”, indica Renata Rachid, médica de duas UPAs em Mogi das Cruzes, São Paulo. Dra. Ana Carolina concorda: “Não é só o risco da contaminação ao ir ao hospital; risco todos nós temos, mas é uma outra vida que está ali dentro. Ela vai sim precisar procurar um pronto atendimento, seja em hospital particular ou serviço público de saúde”.  

Diante dos sintomas de Covid-19, procure ajuda!

As medidas de segurança já estão todas internalizadas depois de tantas semanas de quarentena, não é mesmo? Lavar as mãos, usar máscaras, recorrer ao álcool gel quando não é possível lavar com água e sabão, evitar tocar em mucosas, tirar sapatos e roupas ao voltar da rua, tomar banhos quando frequentar lugares públicos e se manter distante de pessoas doentes. Mas e se, ainda assim, a gestante se contaminar?

Devem entrar em contato com seu obstetra de confiança (inicialmente por telefone) caso apresente sintomas como febre, tosse, dificuldade para respirar, congestão nasal ou conjuntival, dificuldade para deglutir, dor de garganta e dores musculares. O profissional irá orientar se há necessidade ou não de buscar o pronto atendimento hospitalar nesses casos.”, indica o manual “Infecção pelo Coronavírus SARS-CoV-2 em obstetrícia – Enfrentando o desconhecido”, elaborado pela Febrasgo. 

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Feito isso, o profissional também vai orientar sobre os sinais de alerta de complicações como febre persistente, queda do estado geral, taquicardia ou sinais respiratórios como dor no peito, fadiga e dispneia (falta de ar). 

“Os mesmos sintomas [dos outros doentes] são observados nas grávidas. Segundo informe do Ministério da Saúde, o espectro clínico da infecção por coronavírus é muito amplo, podendo variar de um simples resfriado até uma pneumonia severa”, indica um guia publicado pela FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Em outro documento do Ministério da Saúde sobre o manejo destas gestantes com sintomas nas unidades básicas de saúde, a paciente que apresentar quadro de Síndrome Respiratória Aguda Grave será encaminhada para internação. As que não tiverem, permanecerão em isolamento domiciliar com as devidas medicações.

“O curso da infecção do novo coronavírus não tem se mostrado mais grave em gestantes. A grande maioria dos casos desta infecção evolui de forma leve (80 a 85%), devendo iniciar as medidas de suporte que consistem em repouso, hidratação via oral, medicação para alívio dos sintomas, conforme cada caso – e isolamento em domicílio”, indica o documento da Febrasgo.

“Não posso contar com minha mãe agora”

Em tempos mais calmos, uma gravidez costuma ser celebrada com festa e mimos. Chá de bebês, chá revelação e até o parto pode ser acompanhado pela família e amigos. Mas não é o que as grávidas de 2020 estão podendo fazer.

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Até mesmo contar com uma rede de apoio é complicado agora, já que muitos avós e familiares se enquadram no grupo de risco. “Moro sozinha, mas eu sempre tive minha mãe por perto me ajudando. Agora, porém, tive que cortar o contato, porque ela está no grupo de risco”, revela Natacha, a espera de Nara. Grávida da primeira filha, a moradora da Bela Vista, em São Paulo, evita pedir até ajuda ao namorado, pai da criança, que mora em outro endereço. “Só peço quando preciso ir de carro para algum lugar para evitar o transporte público neste momento”, diz. “Tô me virando sozinha, como posso”. 

Natacha conta que têm ido pouco ao supermercado e diminuiu bastante os passeios com Gael, seu cãozinho, que antes eram bem frequentes. “Dou uma volta rápida pelo quarteirão evitando pessoas. Tenho um chinelo que não é usado dentro de casa para evitar contaminação. Quando entro em casa já higienizo as patinhas do cachorro, tiro a roupa e tomo banho. Sempre tive mania de lavar as mãos, mas agora está ainda mais frequente. Talvez se não estivesse grávida, não estivesse tão preocupada assim, mas estou levando tudo bem a sério”, contou ela que costuma higienizar até as sacolinhas de supermercado com álcool e cloro, quando volta das compras.

(Natacha Alli/Arquivo Pessoal)

Plano de parto mantido

Diante do aumento dos casos da doença, natural que o medo do parto – que já costuma ser motivo de preocupação de muitas mulheres – se intensifique. Afinal, o hospital virou um local temido por conta da possibilidade de infecção do Covid-19. Soma-se à este temor, as incertezas sobre a contaminação do bebê ao sair do útero da mãe, que pode estar infectada.

Nunca tinha pensado em tipo de parto, sempre falei que o neném iria escolher. Mas em relação a maternidade sim, tivemos que pensar em planos B. Meu convênio cobre um hospital (de São Paulo), que tem casos confirmados da doença. Portanto já fiz cotações em outras para pagar particular, caso aumente o número de infectados nesta maternidade que eu teria. Também estou conversando com a minha médica para termos a opção de parto em casa, mas tudo isso depende dos riscos”, conta Mariana, que também estuda agendar o parto para evitar dias muito cheios. “É uma incerteza muito grande de como vai ser o amanhã em relação ao coronavírus. Muito difícil planejar”, diz. 

“Muitas mulheres ficam ansiosas e acham que a cesárea, por exemplo, é a melhor opção para ‘resolver logo’, mas este não é o recomendado. O que determina a via de parto são as condições obstétricas da paciente“, conta Dra. Ana Carolina. Ainda segundo ela, as gestantes também têm questionado-a a respeito de disponibilidade de leitos nos hospitais. “O serviço obstétrico é garantido, ninguém vai tirar uma vaga de uma gestante para colocar um paciente com coronavírus no leito”, explica. 

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A Organização Mundial da Saúde também aconselha que o parto cesariano só aconteça quando clinicamente justificado. As indicações são sempre que a via de parto seja individualizada, baseado nas preferências das gestantes combinadas às indicações obstétricas.

Mesmo no caso das mães contaminadas com a doença, o procedimento não se altera muito. Estudos recentes tendem a acreditar que não exista transmissão via transplacentária do vírus.  Nos casos de recém-nascidos que testaram positivo, o contágio teria acontecido fora do útero. 

“A mãe pode se proteger com a máscara e manter as mãos higienizadas para poder ter o contato com este bebê no pós-parto. O que se tem é que o contato direto pele a pele pode não ser imediato, uma vez que depende das condições gerais da mulher”, conclui Dra Ana Carolina, que também é especialista em Ginecologia Obstetrícia pela Associação Médica Brasileira. A amamentação, com as devidas precauções, também pode ser mantida mesmo neste cenário de contaminação da mãe.

Diante do número alarmante de casos nos Estados Unidos, alguma maternidades proibiram um acompanhante na hora do parto, mas esta não é a realidade do Brasil. Ainda. Por aqui, o pai (ou a pessoa escolhida pela gestante), pode acompanhar o nascimento, mas as visitas estão restritas.

“O mais frustrante foi que nossa família não vai poder participar do momento do parto, não poderá mais ter fotógrafo (já tínhamos contratado) e também não poderão conhecer o bebê logo que nascer. Mas não temos o que fazer, pois esta é a melhor opção pra saúde de todos”, conta Mariana, à espera de Lucca. “Eu também tinha comprado algumas coisinhas pra maternidade, que agora viraram decoração do quarto. Fico triste, pois tudo o que foi idealizado pra chegada dele, não terá mais”. 

Dose extra de ansiedade

Mariana, na reta final da gestação (Mariana Colucci/Arquivo Pessoal)

“Não sabemos como vai ser daqui pra frente. Cada dia é uma incógnita”, desabafa Mariana, que está entrando no nono mês. Apesar da sensação ser assim para a maioria das pessoas neste momento de pandemia, a gravidez já traz por si só uma camada extra de ansiedade. A expectativa e insegurança diante do futuro com um novo bebê, fica ainda mais gritante neste cenário incerto. 

“As grávidas estão mais tensas ou preocupadas, porque elas carregam uma vida na barriga. O ideal agora é que ela se cuide, pratique meditação, mantenha atividades físicas dentro de casa, com aulas online ou caminhando longe das pessoas. É preciso também cuidar da alimentação e diminuir este estresse do momento. Porque quando ela está ansiosa, ela come mal, dorme mal e acaba com predisposição para diabetes, aumenta o risco de pressão alta e de ganho de peso exagerado”, explica Dra. Ana. 

Cada uma a sua maneira, as gestantes estão tentando lidar com a imprevisibilidade do momento. “Na verdade, tudo isto não me abalou muito. Tomo minhas precauções, não saio na rua, mas não acho que estou ansiosa. Só espero que acabe logo”, conta Samanta, que está à espera de Pedro, seu terceiro filho.

Já para Natacha, alguns planos continuam iguais, como a ideia de dar à luz no hospital. No entanto, a instabilidade econômica do país preocupa a gestante, que é professora em uma escola particular. “Minha maior ansiedade é financeira. Sei que meu trabalho não está tão ameaçado como o de outras pessoas. Continuo atuando remotamente, mas me preocupa. Meu namorado, por exemplo, é fotógrafo e está totalmente parado”, diz ela, contando também que tem cuidado da alimentação, da saúde e mantido a mente ativa pra escapar da ansiedade. “Acredito que isso vai passar e quando eu for dar à luz, em julho, a situação vá estar diferente”.

“Minha médica pede principalmente pra eu tentar não me estressar com toda essa pandemia. O que eu tento fazer é pensar positivamente, acreditar que vai ficar tudo bem, além de conversar bastante com as pessoas. Estou evitando ver noticiários para não ficar mais ansiosa. É uma situação que, infelizmente, eu não posso fazer nada pra mudar, somente tentar ficar tranquila para o bebê não sofrer com minha ansiedade”, finaliza Mariana. 

As aflições e dificuldades, como podemos perceber, não são poucas. O período é nebuloso, exige atenção e cuidados extras. Mas com perseverança, informação e seguindo as indicações dos médicos, dá pra enfrentar até o fim. A única certeza é que estes bebês que chegarão no meio do caos são um sopro de esperança de que vai passar. A vida vai continuar.

(Juliana Pereira/Bebê.com.br)
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