Quando e como começar a falar sobre bullying com as crianças?
Em tempos de discurso de ódio e tanta violência, conversar com os filhos é essencial. Saiba de que forma abrir esse espaço de diálogo
“Bullying não existia na minha época”, escuta-se com frequência por aí. Bem, talvez não fosse nomeado dessa forma, mas certamente você se lembra de coleguinhas de escola excluídos, zombados e até agredidos por características físicas, comportamentais ou outros motivos banais. E ainda que esse tipo de prática não fosse tratado da forma como é hoje, seus efeitos são inegáveis. Quantos traumas relacionados à sociabilidade, a falar em público, ao modo de se vestir, ao próprio corpo, entre tantos outros, não repercutiram depois, na vida adulta? Quantas reações violentas e trágicas não foram consequência do bullying?
Hoje em dia, que sabemos tão bem o que ele é e o que pode acarretar, é de vital importância conversarmos sobre o assunto não só na escola, mas também dentro de casa, afinal, é de lá que vêm os primeiros ensinamentos. Você já deve ter se cansado de ouvir que o exemplo dos pais faz toda a diferença na educação. E não é para menos: desde pequenas, as crianças copiam os mais velhos, sejam cuidadores, irmãos ou outras pessoas com as quais convivem.
“A família é nossa primeira escola e a criança aprende muito pelo exemplo”
Cecília Rocha, psicóloga e arteterapeuta especialista em Terapia Cognitiva Comportamental
“Estamos ensinando muita coisa quando tratamos todo mundo da mesma forma, com respeito e gentileza. Quando numa festa, por exemplo, não deixamos ninguém de fora. Quando não fazemos piadinhas com o corpo nem a personalidade de ninguém”, explica a psicóloga e arteterapeuta Cecília Rocha, especialista em Terapia Cognitiva Comportamental pela FMUSP.
Quando a criança começa a entender o que é bullying?
É possível explicar a questão de forma concreta a partir dos 7 ou 8 anos. Nessa faixa etária, pode-se nomear a prática e conversar de maneira mais direta com a criança, deixando um espaço de diálogo aberto até para que ela mesma conte o que acontece na escola, se algum amiguinho sofre com outros colegas, se ela mesma é vítima ou até se já teve um comportamento do qual se arrepende.
Ainda assim, Cecília alerta que, mesmo que não entendam, os pequenos podem praticar ou sofrer bullying antes dessa idade. Da mesma forma, eles são plenamente capazes de aprender a tratar os outros com respeito e de maneira igualitária desde cedo – e essa é a principal chave.
“Costumo ressaltar dois pontos como pano de fundo: a não aceitação das diferenças e a busca pela sensação de poder. Esses temas podem ser trabalhados com as crianças desde muito pequenas, mesmo sem usarmos a palavra ‘bullying’, ressalta a especialista. Segundo ela, é importante destacar desde sempre que as diferenças fazem parte da vida e que elas são saudáveis, “que cada um de nós é um ser único, singular e especial do jeito que é”, orienta.
Na primeira infância, a linguagem lúdica é uma grande aliada, então lance mão de livrinhos e filmes que tratem da diversidade. Cecília lembra ainda da natureza como ótima fonte de exemplos: “Ela nos ensina a importância e a beleza de ter vários tipos de flores, pássaros, plantas…”. Já sobre a questão do poder, a psicóloga reforça a necessidade de oferecer às crianças um pensamento cooperativo.
“Pais e cuidadores podem trazer para a criança a ideia de cooperação, de que não precisamos competir. Cada um tem seu espaço e ninguém vai ocupar o lugar do outro, pois o lugar do outro já está garantido. No bullying, percebemos que muitos dos ‘agressores’ buscam essa sensação de poder, controle e superioridade, pois justamente se sentem inseguros”, explica.
Construindo as bases para a adolescência e a vida adulta
De acordo com Cecília, a prática do bullying se intensifica a partir dos 10 ou 11 anos de idade, quando as alterações fisiológicas das crianças são mais intensas e as famosas panelinhas começam a se solidificar (sabemos, porém, que pode acontecer muito antes disso). No caminho para a adolescência, os aprendizados da infância vão se concretizando – tanto para o bem, quanto para o mal
É por isso que oferecer à criança uma base sólida, com bons exemplos e diálogo aberto é tão importante.
“A adolescência é o momento em que nossos filhos vão para o mundo e em que o social ganha força”, alerta a psicóloga. E é aí que todo o aprendizado sai, de fato, das nossas quatro paredes. “Trabalhando esses temas que são pano de fundo do bullying [não aceitação das diferenças e busca por poder] desde pequenos, podemos morar na nossa casa maior, que é a sociedade, de uma forma mais tranquila, respeitosa e cooperativa”, pondera.
Precisamos lembrar que, se queremos um mundo melhor, é pela base que as mudanças devem começar a acontecer. Tudo isso “para que a gente possa caminhar rumo a uma sociedade mais amorosa, respeitosa e pacífica, onde a solidariedade e a igualdade façam morada“, finaliza Cecília Rocha.