Continua após publicidade

Por que é importante deixar a criança se arriscar nas brincadeiras

Apesar de ser um desafio para os pais, principalmente para os mais superprotetores, isso é fundamental para o desenvolvimento infantil

Por Da Redação
11 dez 2023, 11h15

Você é do time que deixa seu filho escalar, subir em árvore, correr, andar de bicicleta ou faz mais o tipo que, se pudesse, embalaria a criança em plástico-bolha 24 horas por dia para evitar que ela se machuque? Bem, você também pode ser de um jeito às vezes e, dali a pouco, mudar de opinião, ou, o que seria ideal: ter um equilíbrio entre os dois extremos. Mas sabemos que, na prática, não é fácil. 

Um estudo, feito pela Universidade Deakin, na Austrália, com mais de 600 pais, mostrou que 78% deles não deixam que as crianças se arrisquem ao brincar e colocam muitos limites em atividades como subir em árvores, pedalar em descidas e brincar de “lutinha”, por exemplo. Como resultado, de acordo com a pesquisa, as crianças não são tão fisicamente ativas quanto deveriam para ter um bom desenvolvimento físico e mental. 

“Embora a maioria dos pais reconheça os benefícios que os filhos têm ao se arriscar, muitos não querem deixar que os pequenos se aventurem. Isso sugere um conflito sobre a questão”, disse a psicóloga Alethea Jerebine, responsável pelo trabalho, publicado no jornal Psychology of Sports and Exercise.

Segundo a especialista, oferecer às crianças a oportunidade de experimentar os riscos as ajuda a aprender o que elas podem ou não fazer, além de construir autoconfiança e independência, assim como desenvolver a habilidade de gerenciar esses riscos e de se manter em segurança. “Também sabemos que as crianças têm mais desafios relacionados à saúde mental, especialmente depois da pandemia. Brincar ao ar livre pode ser uma ótima maneira de estimular o bem-estar mental e o desenvolvimento físico na infância”, afirma. 

A importância de brincar na natureza

Para o pediatra Ricardo Ghelman, presidente do Núcleo de Medicina Integrativa da Criança e do Adolescente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o medo reprime a confiança básica que a criança tem em relação ao mundo.

Ter mais oportunidades de se divertir em espaços abertos tem total conexão com a exploração da natureza, que envolve justamente enfrentar o medo e ganhar segurança. “O convívio com a natureza na infância, especialmente por meio do brincar livre, ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e de resolver problemas, o que, por sua vez, contribui para o desenvolvimento integral”, detalha. 

Continua após a publicidade

Esse desenvolvimento integral, segundo o pediatra, começa pela inteligência motora e sensorial que seria como a “fundação da construção” na infância. Em seguida, vêm a inteligência cognitiva e a inteligência emocional, que se alicerçam na primeira. As brincadeiras e o tempo que os pequenos passam ao ar livre oferecem condições positivas para que tudo isso aconteça de maneira saudável. 

Os pais querem evitar que as crianças corram perigo de errar, de se machucar, de se prejudicar, mas, por mais tentativas que se faça, é simplesmente impossível – e nada saudável. 

A psicóloga Cristina Borsari, coordenadora do Departamento de Psicologia do Sabará Hospital Infantil (SP), reforça que o aprendizado que vem das tomadas de decisão que acontecem durante as brincadeiras é benéfica para o desenvolvimento infantil e, a curto prazo, resulta em maior autonomia, autoconfiança e autoestima para as crianças. “Já a longo prazo, essas características estarão implícitas em uma personalidade mais segura, com mais capacidade de resiliência”, diz ela.

Isso significa que crianças expostas a brincadeiras que envolvem certos riscos poderão aplicar essas habilidades desenvolvidas em outras áreas da vida. “Tornam-se adultos mais corajosos, que lidam melhor com questões relacionadas à frustração e a mudanças de vida, como morar em outro país ou mudanças de empregos e investimentos em novos projetos pessoais ou profissionais”, acrescenta.

Mãe com bebê num rio
(AleksandarNakic/Getty Images)

De onde vem tanto medo?

O estudo australiano mostrou que boa parte dos pais conhecem todas essas vantagens e, ainda assim, ficam receosos ao ver os filhos se arriscando e tendem a não permitir. Uma coisa é saber que se arriscar é bom para o desenvolvimento emocional, mental e cognitivo. Outra é vê-lo subindo em uma árvore grande ou correr por um local desnivelado, imaginando os piores cenários, como uma perna quebrada, um dente lascado ou a cabeça sangrando e o desespero para chegar ao pronto-socorro mais próximo. Sim, pode acontecer. 

Continua após a publicidade

Mas o pediatra Ghelman lembra que ficar trancafiado dentro de casa também é arriscado. “Criança limpinha, que não pode brincar na terra, com folhas, com água, com o ar, com fogo (quando mais velha, ajudando a fazer uma fogueira, por exemplo), fica muitas horas brincando na tela do celular e do computador também  tem consequências, como uma tendência à miopia, ao déficit de atenção e hiperatividade, à obesidade, alergias, desequilíbrio emocional, falta de agilidade, entre outros”, enumera o especialista.

Ou seja: se brincar do lado de fora envolve alguns perigos, a “proteção” que prende a criança ao quarto ou à sala envolve outros, que, dependendo da intensidade, podem até ser mais graves.

As transformações da vida moderna e do estilo de vida também impactam nesse comportamento das famílias. “A atual geração de crianças é provavelmente a última com avós que tiveram contato e experiências diretas na natureza”, lembra Ghelman. “Portanto, os pais e cuidadores se sentem muito mais seguros em deixar as crianças em espaços fechados”, diz ele. 

A psicóloga Cristina concorda. “Os pais, sem dúvida, estão mais receosos de que os filhos corram riscos nas brincadeiras, tentam superproteger e educar na previsibilidade. Talvez seja uma geração que já vem de menos brincadeiras ao ar livre, na rua, e que, então, replica esses cuidados para que os filhos não sofram com machucados ou quedas”, afirma. 

“Adultos que cresceram superprotegidos tendem a replicar esse modelo. Por outro lado, pais que passaram por algum tipo de desamparo afetivo em sua infância também podem ser mais protetores com os filhos”, diz ela. Segundo a especialista, há situações em que é importante que os pais identifiquem seus medos e conflitos, se necessário, com psicoterapia, para então ressignificar esses sentimentos e ter um comportamento e formas de cuidado mais assertivas com os filhos, quebrando ciclos e evitando projetar neles os próprios traumas.

Continua após a publicidade
Pai ensinando o filho a andar de bicicleta na rua. O menino usa capacete verde, camiseta listrada e shorts preto com detalhes. O pai usa bermuda vermelha e camiseta preta. Eles estão sorrindo.
(Westend61/Getty Images)

Proteger sem prender

Cuidar da segurança das crianças é papel dos pais e não é um fator que pode ser colocado em segundo plano. Ao mesmo tempo, já deu para notar que protegê-los de tudo não é uma opção – pelo menos, não uma opção saudável. O Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), desenvolveu um Manual de Orientação sobre os Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes.

Um dos autores do guia é o pediatra Ricardo Ghelman e uma das dicas do material é justamente reconhecer que crianças e adolescentes são capazes e competentes. Aprenda a avaliar as habilidades do seu filho em assumir riscos durante o brincar não estruturado em ambientes ao ar livre, e ajude-o a perceber as consequências do que ainda não é capaz de fazer”, diz o texto. “Ao mesmo tempo, incentive-o gradativamente a ir além do que já é capaz, permitindo que ele assuma os riscos com os quais se sente confortável, desenvolvendo sua capacidade de julgamento e autorregulação”, recomendam os especialistas. 

Na prática, é importante estimular as brincadeiras ao lado de fora, sobretudo com a participação de outras crianças, com idades variadas. “A segurança é conquistada com o exemplo e, nesse sentido, brincar em grupo, com crianças de várias idades, facilita muito o aprendizado corporal, que é baseado na imitação e nos alertas de cuidado. É um ‘sim’ com cautela e estímulo ao desenvolvimento, em vez de um ‘não’ baseado no medo e nos traumas”, diferencia Ghelman. 

O diálogo entre os pais e as crianças, ou seja, a maneira como esse “sim” ou esse “não” serão ditos, também faz toda a diferença. Em vez de repetir para o seu filho, enquanto ele brinca de escalar uma parede, por exemplo, “cuidado, você vai cair!”, é mais eficiente oferecer um apoio prático, como: “pense onde você vai colocar a mão no próximo movimento” ou “aquele galho pode ser muito fininho para você apoiar o pé, que tal tentar naquele outro, maior?”. Se a criança está correndo, em vez de “pare com isso, você vai cair”, tente “fique de olho para não tropeçar naquelas pedras”.

O desejo da criança precisa ser ouvido e as preocupações dos pais também”, orienta a psicóloga Cristina. “Explique o que pode acontecer e, caso a brincadeira seja autorizada, planejem juntos, observem o brinquedo, o corpo, o tamanho e os riscos. Não se pode amedrontar a criança, mas alertá-la sobre as possibilidades, de maneira honesta, transparente, em tom de voz tranquilo”, diz ela. Se houver alguma queda, um pequeno acidente, em vez de “Está vendo? Eu não te avisei?”, acolha seu filho com afeto e colo. Depois do susto e do momento mais acalorado, vocês podem conversar sobre maneiras de evitar que aquilo aconteça novamente.

Continua após a publicidade

Impeditivos da vida contemporânea

Um dos grandes desafios é a falta de tempo das famílias, em que os pais, em geral, trabalham por muitas horas ao dia, e também a ausência de espaços verdes de qualidade, sobretudo nas cidades grandes. O pediatra Ghelman lembra que atualmente, 85% da população brasileira vive nos centros urbanos. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem 2,6 m² de área verde por habitante, sendo que a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda 12 m². “As crianças brasileiras passam, em média, 5h35m em frente à TV, só perdendo para as crianças norte-americanas”, aponta.

Duas crianças, meninos, na cama olhando um celular
(AGrigorjeva/Thinkstock/Getty Images)

Por isso, sempre que possível, reserve um tempo para levar seu filho para brincar em parquinhos e praças perto de casa. Para quem mora em condomínio e tem essa possibilidade, vale a área comum, como o playground. Aos finais de semana ou quando tiver disponibilidade, priorize passeios em parques maiores, viagens para espaços de natureza, como a praia, o campo e as montanhas. Em algumas cidades, há, inclusive, aplicativos como o GPS Natureza, que localizam os parques mais próximos, facilitando a diversão. 

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade