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Criança sente inveja? Como ajudá-la com os sentimentos que não entende

Embora manifestem de forma diferente dos adultos, os pequenos podem ter todos os tipos de reações. Veja como lidar com elas de forma construtiva!

Por Flávia Antunes
22 out 2020, 16h20

Em outubro, o vídeo de duas irmãs pequenas viralizou na internet. O registro feito pela madrinha pretendia capturar o momento em que as sobrinhas cantavam parabéns durante o aniversário da mais nova, de três anos, mas acabou ganhando grandes proporções quando a cena fugiu do script e a mais velha, de seis, decidiu apagar a velinha da aniversariante – no que esta revidou, puxando os cabelos da menina.

A postagem gerou muito debate em torno da exposição desnecessária das crianças, mas também em relação à reação de cada uma delas. “É uma briga natural entre irmãos”, disseram algumas pessoas. “As duas estão aprendendo a lidar com o que sentem”, pontuaram mais usuários. Outros se assustaram com o comportamento das pequenas, questionando se é possível que a infância também seja acompanhada de emoções que são geralmente associadas aos adultos, como inveja, raiva e rancor.

A verdade é que, embora os sentimentos apareçam de forma diferente nos primeiros anos de vida, eles existem e são inclusive típicos de alguns marcos do desenvolvimento. “A criança por volta dos três anos de idade tem uma tendência a demonstrar para os pais um comportamento mais maldoso, cruel, que por vezes até os assusta. Na realidade, é um movimento super importante e que justifica as histórias infantis terem sempre uma bruxa, um malvado, um vilão”, explica Tiago Tamborini, psicólogo e especialista em comportamento de crianças e adolescentes.

É justamente nesta fase que o pequeno descobre que ele e o outro são pessoas diferentes e, a partir daí, começa a ter condição de se testar como um sujeito autônomo, como conta o psicólogo. “Este processo permite que a criança viva suas fantasias internas – de por exemplo, derrubar um objeto, quebrá-lo ou deixar o outro irritado”, esclarece.

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No mesmo sentido, a psicanalista Malvine Zalcberg afirma que há uma agressividade natural na criança, mas que dependendo de sua atitude ela pode estar sinalizando algo a mais, que merece a atenção dos pais. “As crianças reagem a tudo que elas vivem e podem ter todo o tipo de reação. Por isso, ela pode ser violenta, pode querer machucar o outro, mas só fará isso se não estiver se sentindo bem consigo mesma”, diz Malvine, sinalizando que o pequeno possa estar em conflito com sentimentos que não entende bem.

E quando falamos especificamente da inveja?

Antes de tudo, precisamos diferenciar o que chamamos de inveja do ciúmes. “Inveja é quando a pessoa quer algo que o outro tem. Já o ciúmes aparece quando, por exemplo, a mãe dá atenção para outra pessoa e desvia o olhar da filha ou filho”, responde a psicanalista. “Ou seja, está relacionado ao fato de alguém exprimir uma emoção ou um sentimento em relação a outro ou a alguma coisa que não você”, complementa Tiago.

Um segundo esclarecimento diz respeito ao fato de que nem sempre a inveja na qual estamos acostumados a pensar corresponde à forma como o sentimento aparece nas crianças. “O grande problema é a gente nomear dando esse lugar da inveja como algo pejorativo. Temos a tendência de associar ao sentido de tomar o que é do outro, impedindo que ele tenha. Neste caso, pode parecer que ela quer estragar o aniversário da irmã ou quer para ela o parabéns, mas quando falamos de relações infantis a situação geralmente é diferente”, exemplifica Tiago.

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No caso do vídeo que circulou nas redes, a criança que assopra a vela primeiro está fazendo algo que diz respeito ao desejo dela de viver aquela experiência, de acordo com o especialista. “Assoprar a velinha é legal, e ela só tem a chance de fazer isso uma vez ao ano, que é no aniversário dela. Então, ela vê a irmã fazendo isso e enxerga como uma oportunidade”, esclarece.

“Dizer que está com inveja ou que quer estragar o momento da outra tem mais relação com uma construção do adulto. O que ela quer é fazer parte daquilo, viver aquela emoção e isto passa pelo seu objeto de desejo”, acrescenta ele.

Como ajudar as crianças com esses sentimentos?

Tiago reitera: “é natural e saudável que a criança experimente essas atitudes”. Por isso, quando o episódio de inveja ou raiva acontecer, é papel dos pais educar, colocar limites e apresentar as consequências. “Mas sem cair no pensamento de que o filho tem algum problema comportamental ou é mal educado”, completa.

O passo seguinte é exercitar a empatia. A ideia aqui é convidar o filho a se colocar no lugar do outro, mas no sentido de imaginar as consequências de seu ato – dizendo, por exemplo: “você também faz aniversário. Como se sentiria se seu amigo soprasse a velinha na sua frente?”.

“É importante mostrar que há um impedimento, mesmo que haja um desejo e este talvez seja o momento inaugural para pôr em prática a lição de que ‘seus desejos não são os seus direitos’. Afinal, desejar é absolutamente humano, mas entender que o que queremos é sempre do nosso direito já envolve ultrapassar alguns limites”, afirma o especialista.

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Além disso, tanto a criança que tirou algo da colega quanto a que perdeu esse objeto podem ser favorecidas quando estimuladas a nomearem os seus sentimentos. “Porque nem sempre elas têm o vocabulário e a condição emocional para fazerem isso sozinha. Então os cuidadores podem dizer: ‘entendi que você está com raiva, que está frustrada… Mas quais as consequências disso? Como te faz sentir?”, propõe Tiago.

A ação não precisa parar por aí. Depois do diálogo, os pais podem propor uma alternativa para o conflito, colocando-se em uma posição de “eu sou o adulto e tenho controle e instrumentos para te ajudar”. “Eu abraçaria a criança, tiraria ela do contexto que aconteceu e trabalharia a possibilidade de uma solução – como cantar o parabéns novamente ou acender outra velinha”, indica o psicólogo.

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O que é melhor evitar…

Se algumas atitudes são aconselháveis e ajudam positivamente os pequenos a lidarem com aquilo que sentem (e ainda não entendem), outras podem ser bastante prejudiciais. Neste sentido, o psicólogo elenca logo duas delas: “Recomendo que os pais não entrem na mesma frequência de irritabilidade que a criança está – dando bronca e batendo, por exemplo – e não validem o seu comportamento – dizendo que a colega mereceu ou algo do tipo”.

A psicanalista concorda, afirmando que castigar é a pior das reações que os adultos podem ter, pois deve deixar o filho mais irritado. O melhor, segundo ela, é acolhê-lo e buscar entender o que está perturbando-o. “Não podemos ensinar a criança a não se incomodar, temos que saber por que ela fez isso. O exemplo da menina de seis anos é bom para lembrarmos que ela tem discernimento dos seus atos, mas ainda seria cedo para ter de se responsabilizar completamente por eles”, pontua ela.

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“Olhar e acolher de maneira atenta e interessada é fundamental para a construção de uma ligação forte entre criança e pais”, conclui a especialista. Assim, se a família conseguir descobrir e rearrumar o que pode estar gerando o incômodo, melhor. “Mas se o comportamento começar a tomar proporções preocupantes, devem procurar ajuda especializada”, finaliza.

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