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Mães contam episódios marcantes que mostram solidão dos filhos na pandemia

Alguns pequenos criaram amigos imaginários e outros passaram a interagir com quem passasse na rua. É bem possível que você se identifique com os relatos!

Por Flávia Antunes
Atualizado em 25 Maio 2021, 16h51 - Publicado em 14 abr 2021, 17h15
Solidão-durante-a-quarentena
 (Arte: Victoria Daud/ Foto: Mukhina1/Getty Images)
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Se por um lado a convivência dos pequenos com os pais aumentou durante a pandemia, por outro a interação com amiguinhos, educadores e demais pessoas fora do círculo familiar diminuiu. Assim, mesmo que a criança tenha irmãos, é bem possível que ela tenha se sentido sozinha em algum nível, manifestando toda essa emoção do jeito que consegue: seja por meio de alterações de comportamento, tiques corporais, mais apego aos adultos ou mesmo mais falantes, demonstrando necessidade de socializar de alguma forma.

E mesmo que os responsáveis deem toda a atenção necessária, eles não suprem tudo aquilo que os filhos tinham contato antes do isolamento, como explica a psicóloga e psicanalista Bárbara Snizek. “Embora a família seja o convívio mais importante no começo da vida, o mundo não se restringe a isso e a tendência é que as relações vão se ampliando”, diz.

“Com a pandemia, as crianças estão fechadas em um círculo mais restrito e a convivência social está fazendo falta – para brincar, aprender coisas novas, ter experiências diferentes e treinar habilidades. É normal que estejam sentindo falta de outras vivências, principalmente com pessoas da mesma idade”, acrescenta.

Para mostrar como o isolamento tem deixando os pequenos mais carentes de interação, conversamos com três mães que sentiram mudanças importantes no modo de agir de seus filhos durante os últimos meses. Alguns criaram amigos imaginários, enquanto outros aprenderam até o nome de todos os entregadores de delivery.

Confira:

“Assim que meu filho avistou uma criança, saiu correndo, agitando os bracinhos e gritando!”

Lara Giannotti é relações públicas e mãe de Nicolas, de três anos. O pequeno viveu grande parte da vida em isolamento social e demonstrou uma reação inusitada ao encontrar uma criança depois de tanto tempo só com a família.

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(Lara Gianotti/Arquivo Pessoal)

“O Nicolas é a única criança da família e passou muitos meses sem interagir com ninguém da idade dele, ele ainda não tinha dois anos quando a pandemia começou. O episódio mais engraçado (porém dolorido) aconteceu quando fomos à praia pela primeira vez desde o início da quarentena. Assim que avistou uma criança no horizonte, saiu correndo, agitando os bracinhos pra cima e gritando: criançaaa!

Saímos correndo atrás dele, pra evitar que efetivamente interagisse com a outra criança, demos risada, mas aquilo doeu bastante, de pensar quantas coisas o meu filho está perdendo… Em 20 dias ele vai comemorar seu terceiro aniversário, o segundo dele em quarentena. O Nicolas passou um terço de sua vida em pandemia e isso é muito significativo.

Por ser uma criança extremamente sociável, alegre e comunicativa, é nítido que sofre com essa reclusão. Ele conversa com todos os entregadores que chegam aqui. Não podemos deixar a porta aberta que ele corre para a varanda e fica dando ‘oi’ para todas as pessoas que passam na rua, arrancando risos de todo mundo.

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Recentemente, começou a dizer que tem um vizinho que vem aqui brincar com ele. Conta do que eles brincaram e fala que ele mora no prédio aqui do lado da minha casa. Inclusive, disse outro dia que foi brincar no apartamento desse ‘colega’. Sei que amigos imaginários são comuns nessa idade, mas tenho certeza que a ausência de outras crianças influenciou esse comportamento.

Eu tenho medo desta nova geração que tem perdido um tempo importantíssimo para estabelecer relações sociais. Como ele não tem irmãos, fico com receio de se tornar uma pessoa egocêntrica, insegura, com dificuldades de lidar com pensamentos diferentes do dele”.

“A Alice já mandou mensagens escondidas para meus amigos, chamando para brincar com ela”

Quem mais notou a filha conversando com amigos imaginários foi Márcia Raquel Iohn. Sua pequena Alice, de seis anos, interage todo o dia com seu “coleguinha” inventado há meses e já chegou inclusive a mandar mensagens escondida pelo celular da mãe, convidando outros adultos para brincar.

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(Márcia Raquel Iohn/Arquivo Pessoal)

“A Alice antes saía bastante, ia para a escola, para o parquinho, para o shopping, e agora só fica em casa. Ela conversa com qualquer um que passa na rua – adulto, criança e até cachorro! Ela está se sentindo sozinha, por mais que a gente tente suprir essa falta. Também fica irritada de ter que ficar em casa e chora do nada, coisas que antes não fazia. 

Ano passado, começou a interagir com seu amigo imaginário. Ela fala que o nome dele é Pedro, que ele faz comidas gostosas. Um dia, entrei no quarto e vi que ela estava conversando com alguém, perguntei quem era, ela respondeu que era seu amigo imaginário e logo parou. Da primeira vez, fiquei um pouco surpresa, mas depois acostumei, porque virou algo constante. Acho que isso vai passar, que é uma reação por estar se sentindo muito sozinha, então não me preocupa.

Outra coisa que a Alice já fez algumas vezes foi mandar mensagens escondidas para meus amigos, chamando para brincar com ela. A mais recente foi para uma amiga minha que fazia aniversário no dia, convidando para vir aqui em casa jogar UNO com ela. Eu não sabia do áudio e só fui ver no outro dia que ela tinha mandado, não costumo deixar ela mexer na internet sem a minha supervisão, mas na quarentena eu acabo deixando ela usar o celular para ligar para a irmã que mora em São Paulo ou para pessoas da família, já que sente saudade e não vê ninguém”.

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“Ele aprendeu o nome de todos que passam por aqui, pergunta como se chamam os entregadores de delivery…”

Nayá Fernandes é jornalista e tem Francesco, de cinco anos. Ela contou como o pequeno reagiu à falta de contato social e que estratégias a família vem adotando para ajudá-lo a passar pelo período em casa. 

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(Nayá Fernandes/Arquivo Pessoal)

“Meu filho tem cinco anos e a gente se mudou de casa durante a pandemia, em maio. Ele sempre foi bastante sociável, mas nos últimos meses passou a fazer questão de falar com todos que passam pela frente de casa: desce as escadas correndo, grita e se a pessoa não espera ele fica chateado.

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Francesco aprendeu o nome de todos que passam por aqui, pergunta como se chamam os entregadores de delivery, e grita para o rapaz que traz pão “eu quero um sonho!”. Para ele, acaba sendo a forma de ter trocas e nutrir o contato com o meio externo.

Além disso, eu e meu marido trabalhamos em casa e meu filho desenvolveu um apego muito forte. Teve uma fase que queria dormir com a gente, na mesma cama, coisa que ele não fazia desde os dois anos. Queria ficar no colo sempre, assistir desenho juntos e outros comportamentos pela falta de sociabilidade com as outras crianças.

Passamos a dar mais atenção, mas sem ceder a todas as vontades. Uma atitude que ajudou foi a de criarmos um calendário de atividades, para conseguirmos nos organizar e trabalhar em casa. O contato mais frequente com familiares e amiguinhos por chamadas de vídeo também ajudou.

Uma coisa legal que fizemos foi pedir para um amigo, que trabalha com arte, para fazer um feedback com ele dos desenhos que faz. Então algumas vezes na semana ele faz criações inspiradas em obras de arte e mandamos para esse amigo educador para que comente. Assim, ele tem o contato com alguém que não é da família e que ensina algo que ele gosta.

Acho que uma das coisas que a pandemia mais prejudica, para além dos estímulos de aprendizado, é a questão da socialização, principalmente por ser filho único e não ter primos por perto. Mas acredito que ao longo do tempo ele vai entender que foi um período excepcional, então encaro sem pânico. Temos que preservar a nossa vida e das outras pessoas como prioridade agora”.

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