Estes contos de fadas lembram que crianças negras podem ser o que quiserem
Obras da escritora brasileira Isabel Cintra trazem protagonistas negros que refletem sobre coragem, resiliência e o padrão estético imposto pela sociedade.
“Toda criança negra pode ser protagonista de qualquer história”. Foi assim que a escritora brasileira Isabel Cintra, autora dos títulos “A Princesa e o Espelho” e “O Pequeno Grande Alfaiate”, respondeu sobre a importância de criar dois contos de fadas com protagonistas negros e tramas que exaltam o poder da diversidade.
As obras foram lançadas inicialmente nos Estados Unidos, mas já chegaram no Brasil com uma missão importante: mostrar às crianças negras que elas serão protagonistas de histórias que discutem sobre o racismo, a fim de que o preconceito seja combatido. Mas este não é o único lugar que pertencem, pois elas podem ser o que quiserem e estarem em todas as esferas sociais que almejarem.
“Os contos de fadas são especiais, clássicos e os mais famosos são nórdicos. Tudo isso contribui para que se veja com naturalidade os personagens brancos, só que a própria história diz que na África sempre houveram reis e rainhas. E, por isso, eu vejo com um certo incômodo o fato de não existir personagens negros neste gênero da literatura infantil tão especial”, relata Isabel.
Coragem, resiliência e muito mais!
Com este desconforto no peito e a consciência da importância da leitura na rotina das crianças, inclusive por ser mãe de Kristina (9) e Caroline (7), a escritora deu vida à Akim, em “O Pequeno Grande Alfaiate”. Na história narrada em 45 páginas, o público conhece a vida do pequeno e do seu pai que construíram sua casa em uma humilde aldeia que circunda o castelo do Rei Raidar.
Os dias dos dois seguiam pacatos e difíceis, até que foram surpreendidos por uma oportunidade única que seria capaz de mudar o percurso de suas trajetórias. Mesmo sem spoilers e deixando o suspense no ar, a própria autora já adianta o que esperar da trama: “O Akim é um menino que é um herói, em que através das dificuldades que ele enfrenta com o pai, mostra que é preciso coragem, resiliência e muita sabedoria para atingir seus objetivos e ultrapassar estes empecilhos”.
Já em “A Princesa e o Espelho”, Isabel fala sobre beleza e os padrões estéticos que rondam até mesmo os menores, em especial as meninas. Para isso, ela criou a rainha Indira, que é bastante vaidosa e, ao engravidar, tem o desejo de que o seu filho seja o mais bonito entre todas as crianças.
“Neste momento, entra a fada Jesuína que faz um contraponto em relação a este desejo e, a partir daí, a narrativa segue um curso em que ela precisará decidir se realmente vale a pena essa vontade. Tudo isso é dito para trazer a lição às pessoas que não existe um padrão de beleza definido. Todas as crianças possuem sua beleza natural!”, defende Isabel.
O carinho de quem a acompanhou
E se as duas narrativas já chamam atenção pela potência que trazem, o cenário fica ainda mais especial ao olharmos para a maneira que a história de Isabel se construiu com a literatura. Quando ainda morava em São Joaquim da Barra, cidade do interior de São Paulo, foi na escola que a paixão pelo português acendeu.
Mesmo sem a mãe ou o pai terem o costume de ler para ela, por ambos trabalharem fora, a escritora mergulhava nos livros que encontrava na biblioteca da escola que estudava e aproveitava o incentivo que recebia nas aulas de redação, aos 12 anos.
“Minha professora de português elogiava muito minhas redações e talvez esse era um motivo de eu caprichar muito quando fosse levá-las para correção. Era também o momento que ela pedia para que eu lesse o meu texto na frente de toda a classe. Isso me enchia de orgulho e fazia com que eu me sentisse importante”, lembra a escritora.
Essa valorização da professora com o trabalho de Isabel fez com que um dos seus passatempos da pré-adolescência fosse chegar em casa, pegar o texto em mãos e trocar palavras que não estavam tão bem encaixadas por sinônimos que procurava no dicionário.
Parceiros na vida e nas histórias
Ao mesmo tempo, Isabel relata a bonita troca estabelecida com o seu irmão, Zeka Cintra. Atualmente, ele é quem ilustra os seus livros, mas essa mistura de palavras e desenhos entre os dois começou ainda na infância, quando o mais velho era responsável por cuidar da irmã e, vira e mexe, acabava ficando bravo por vê-la adicionado falas em seus rascunhos.
“Costumo dizer e sempre vou repetir que é uma benção poder crescer ao lado de alguém que sempre teve tanta confidência comigo. Teve até uma época que ele desenhava e eu fazia balões de conversas nos desenhos dele – ele ficava muito bravo, mas depois achava que fazia algum sentido o que eu havia escrito ali”, recorda a escritora.
Isabel também conta que Zeka desenha desde os cinco anos e isso sempre surpreendeu quem estava no seu entorno. Hoje, ao poder trabalhar com ele, a escritora diz que é como o famoso ditado da panela que encontrou a tampa que se encaixa perfeitamente.
“Estas histórias que estamos criando trazem muito de mim e dele também. Eu costumo dizer que os personagens são bonitos porque o ilustrador é negro. Não sei se é porque somos irmãos e temos essa ligação tão forte desde muito cedo, mas quando eu envio o texto e ele me manda uma prova do personagem, é exatamente como eu pensei. É o cabelo, o tom da pele, a roupa, o sapato, os lábios, o olhar… Eu não tenho nenhuma dúvida de que ele leva muito o fato dele ser negro para cada traço”, conta Isabel.