Continua após publicidade

Este casal trans realizou o sonho de sua vida: ter uma família

No Dia do Orgulho LGBTQIA+, ouvimos a história de Cleyton e Fabiana, um casal trans que deu à luz Alex, atualmente com dois meses. Viva a diversidade!

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 29 jun 2021, 16h25 - Publicado em 28 jun 2021, 20h30

“Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”. Este é um trecho da música “Flutua”, de Johnny Hooker e Liniker, que circulou bastante nas redes sociais no dia Dia do Orgulho LGBTQIA+, celebrado em 28 de junho. Ele surge como um mantra para lembrar tanto a quem faz parte da comunidade quanto quem está fora dela de que o amor é livre e os frutos destas uniões são lindos e precisam ser celebrados.

Quem mostra isso em detalhes é o auxiliar administrativo Cleyton Bitencourt, um homem trans, de 26 anos, que se casou com a cabeleira Fabiana Santos, uma mulher trans, de 28 anos. Moradores do Rio de Janeiro, juntos, eles trilharam a jornada de dar à luz Alex, que tem apenas dois meses. A pequena, que já chegou ao mundo com um nome neutro para que tenha a liberdade de ser quem é, foi concebida após seis meses de tentativas entre os pais.

Para que o sonho dos dois pudesse ser concretizado, Cleyton e Fabiana precisaram parar com os tratamentos de hormônios, que ajudam na transição de gênero. O auxiliar administrativo explica que, de início, as mudanças trazidas pela gestação foram desafiadoras, especialmente em relação as mamas, região do corpo em que mais possui disforia (desconforto psicológico devido a não identificação com partes físicas associadas ao gênero oposto).

Com o auxílio da esposa e a busca por ajuda psicológica, as peças foram se encaixando aos poucos e hoje, olhando com carinho para o processo, ele relata: “Ficaram marcas da gestação, mas eu olho para elas e sinto orgulho, porque são sinais de um sonho realizado para nós: o de ter a nossa família”. Em um relato ao Bebê.com.br, o casal conta como tem sido a construção de sua parentalidade desde a gravidez e a maneira com que lidam com os ataques sofridos ao mostrar sua rotina nas redes sociais.

Veja o relato de Cleyton:

“Nós nos conhecemos através do Instagram, de uma publicação que eu fiz e a Fabi comentou. Ficamos um tempo conversando, depois combinamos de nos encontrar pessoalmente e começamos a nos gostar. Logo em seguida, já fomos morar juntos. Foi um período curto, porque foi algo muito intenso o que aconteceu entre a gente.

Eu sempre tive um sonho de ter um filho e a Fabi, quando me conheceu, começou a também ter essa vontade de construir uma família. Então, depois de um ano morando juntos, começamos a conversar sobre a possibilidade e foi quando paramos de tomar nossos hormônios para realizarmos este sonho.

Continua após a publicidade

Conseguimos engravidar depois de seis meses e o processo da descoberta foi bem engraçado. Estávamos no trabalho, no salão de beleza da Fabi, conversando e eu estava há quatro dias com a menstruação atrasada. Ela já estava ficando preocupadíssima com isso e começamos a pensar se tínhamos conseguido dessa vez. Foi muito tempo tentando engravidar, fazendo diversos exames e dava sempre negativo.

Dessa vez minha menstruação atrasou e a Fabi comprou o exame digital na farmácia. Fiz o teste no trabalho, voltei para o salão e o entreguei para ela, porque estava tão nervoso que não conseguia olhar o resultado sozinho. Quando vimos que deu positivo, com três a quatro semanas, foi só felicidade e um chororô, porque tínhamos finalmente conseguido construir nossa família.

Como demorou seis meses para eu engravidar, desde que parei o hormônio, tivemos muitas tentativas sem sucesso e estávamos desanimando. E foi justamente quando pensamos em dar uma pausa, para descansar a mente – porque isso mexe com o nosso psicológico -, que conseguimos ter a nossa bebê”.

View this post on Instagram

A post shared by Cleyton (@ftm_cley)

Marcas que trazem orgulho

“Desde que recebemos o positivo, iniciamos o pré-natal e correu tudo bem. Mas no final da gravidez, quando decidimos ir ao hospital fazer uma ultrassonografia, descobrimos que no dia seguinte já iríamos passar para 42ª semana de gestação.

Continua após a publicidade

O meu sonho era ter um parto normal, tanto que assim que assim que eu internei, começamos com a indução para consegui-lo. Infelizmente, meu corpo acabou não correspondendo com o que queríamos, mas para mim estava tudo bem. No final das contas, precisamos ver o que é melhor naquele momento.

Por mais que ela estivesse bem, pois estávamos monitorando-a, ouvindo seu coração, eu já não estava me sentindo bem com todo aquele processo da indução e foi quando optamos pela cesárea. Não era o que eu queria, só que, desde o início, o que mais desejávamos era que nossa filha viesse com saúde e que eu também ficasse bem e foi assim que ocorreu. No hospital, tanto eu quanto a minha esposa fomos muito respeitados como um casal trans e tudo o que aconteceu no parto foi com a nossa consciência.

View this post on Instagram

A post shared by Cleyton (@ftm_cley)

No início, o meu pós-parto foi complicado. A cesárea é uma cirurgia, então, tive muita dor. Mas a minha esposa ficou em casa, cuidando de mim e da bebê e isso é algo muito bom: eu tive a companhia dela o tempo todo, e isso fez com que eu me recuperasse mais rápido. Com dez dias, eu tirei os pontos e estava tudo ok.

E hoje, o meu corpo está voltando ao seu normal. Com certeza ficaram marcas em relação a gestação, mas eu olho para elas e sinto orgulho, porque são sinais de um sonho realizado para nós: o de ter a nossa família”.

Continua após a publicidade

A difícil disforia durante a amamentação

“Além do parto normal, eu também tinha o sonho de amamentar a minha filha, tanto para ter o elo com ela quanto por todos os benefícios que eu poderia passar por meio do aleitamento. Por não ter feito a minha mastectomia antes da gestação, eu consegui amamentá-la durante o primeiro mês dela. Não foi fácil para mim, tanto o processo quanto a minha disforia.

Eu não consegui me adaptar de forma alguma com relação as dores e aos machucados. Tive acompanhamento com a minha doula, fiz uma consultoria para poder tentar de novo, mas eu optei por não mais amamentá-la no peito.

Eu não queria de forma alguma parar a amamentação, por isso, comecei a tirar o leite e dar com a mamadeira. Só que o tempo foi passando, meu leite foi secando e hoje, ela toma fórmula, indicada pela pediatra e está saudável.

View this post on Instagram

A post shared by Cleyton (@ftm_cley)

De início, foi bem pesado para mim toda esta regressão que eu tive da minha transição para engravidar. Basicamente, tive que voltar a estaca zero. Por estar há um ano com hormônio, eu já conseguia ver a imagem e ouvir a voz que faziam eu me sentir bem. Então, quando comecei a perceber as mudança que estava tendo por causa da parada dele e por conta da gestação, foi bem difícil.

Continua após a publicidade

E por mais que eu tenha tentando me preparar psicologicamente para as mudanças que teria com a gravidez, quando elas começaram, não me senti bem. Tive disforia com o meu peito quando ele começou a crescer por conta do leite e com a relação a menstruação também, porque é algo que me incomoda muito, não me faz bem e mexe com meu hormônio.

Mas com o tempo, eu fui conseguindo ressignificar tudo isso, focando que eu estava finalmente realizando o sonho de construir nossa família. Comecei também o acompanhamento com o psicólogo para eu estar bem durante a gestação e consegui depois de procurar ajuda”.

Preconceito? Chega!

“Desde o primeiro dia em que iniciamos o nosso pré-natal até o último dia, em que foi o momento do parto, não sofremos nenhum preconceito pessoalmente. Como somos figuras públicas, compartilhando nossa gestação nas redes sociais desde o início, os ataques que recebemos são mais virtuais.

É o alcance de muitas pessoas e, infelizmente, é muita gente preconceituosa e de mente fechada. Só que elas não nos atingem, porque somos muito bem resolvidos com relação a nossa identidade de gênero e as escolhas que tomamos para as nossas vidas, além de sermos felizes porque vivemos da maneira que nos identificamos.

Quando recebemos algum ataque virtual, costumamos filtrar isso e não trazer para nós o que as pessoas falam. Tem até aquelas que tentamos conversar para explicar, porque muitas são preconceituosas por não entenderem e não conhecerem o mundo LGBTQIA+. Mas quando vemos que a pessoa não quer entender, apenas julgar, simplesmente ignorarmos. Sabemos que são falas que não vão acrescentar em nada na nossa vida”.

Continua após a publicidade

Com a palavra, Fabiana: 

View this post on Instagram

A post shared by 𝑭𝒂𝒃𝒊𝒂𝒏𝒂 𝑺𝒂𝒏𝒕𝒐𝒔 (@fabiferbi)

“Assim como Cleyton, sempre foi um desejo meu construir uma família e a minha elaboração de ser mãe está sendo maravilhosa. Cada descoberta da Alex me faz crer, cada dia mais, que eu acertei na situação e que eu queria isso para mim. Temos alguns obstáculos, principalmente porque eu tenho que sair para trabalhar, mas isso não atrapalha meu carinho de mãe e ela também traz isso para mim, com o sorriso quando eu chego, afago quando falo com ela e isso é precioso.

Desde a gestação, eu conversava com a barriga, brincava, abraçava, ou seja, sempre estava próxima até porque eu precisava construir essa jornada para que, quando ela nascesse, reconhecesse minha voz e soubesse quem eu era na vida dela. E, desde o início, ela me reconheceu.

Antes mesmo dela fazer dois meses, um dia eu cheguei em casa e ela abriu os bracinhos para me receber quando falei com ela. Essa, para mim, foi uma das maiores provas de que ela reconheceu perante toda a situação: de que ela estava na barriga dele, mas sabia que eu era a mãe dela e ela me responde por isso”.

Presença não é só física

“Infelizmente, não tive licença-maternidade, mas tive algumas semanas em casa por causa do lockdown que aconteceu no Rio de Janeiro, durante dez dias. Só que, como dona e empresária, preciso abrir as portas para não fechar meu negócio, mas tenho contornado a situação de uma maneira tranquila.

Eu acordo cedo, a abraço, beijo, converso com ela e, quando consigo, a troco e dou de mamar. Quando posso, venho na minha casa e a vejo um pouquinho, até porque o salão fica a uma quadra e meia do apartamento. O que muitos deveriam saber é que o casal precisa ser presente na vida do filho. Então, eu me faço e estarei aqui em todos os momentos”.

Publicidade
Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

oferta

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.